O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), através de lideranças, base e aliados tem debatido e mobilizado esforços em consequência dos impactos da estiagem que se abateu no sul do Brasil, de modo especial no Rio Grande do Sul, com efeitos devastadores sobre lavouras de milho. A avaliação prévia alerta para consequências em todos os segmentos, desde o camponês até o trabalhador urbano.

Alguns pontos de debate estabelecidos indicam que aqueles que optaram por variedades de ciclo curto, utilizando intensivamente agroquímicos, estão sentindo de forma agravada o impacto da estiagem, tendo o prejuízo ampliado pelo alto custo da formação da lavoura (mais de R$ 3.000,00 por hectare no modelo do agronegócio). Em contraponto, a opção de muitos camponeses pelo uso de variedades crioulas ou varietais, com ciclos mais longos e mais resistência ao stress climático, com adubação orgânica e menor custo de produção, indicam prejuízo menor tanto do ponto de vista produtivo como financeiro.

Adilson Schu, de Canguçu, explica que um aspecto que atinge tanto um modelo quanto o outro é o período em que a estiagem atingiu o milho com maior severidade, alcançando justamente o momento do pendoamento ou da formação das espigas. “Nessa fase não há o que se fazer, a planta precisa de recursos hídricos para garantir a produtividade, se falta água nesse momento não se tem mais como recuperar depois”, aponta.

O tamanho das perdas

A Emater/RS, órgão oficial do Estado do RS, estima as perdas no milho para silagem em mais de 35% e do milho grão em mais de 25%. A impressão dos camponeses vinculados ao MPA em várias regiões do estado, colhida por suas lideranças regionais, é que estes prejuízos sejam bem maiores, o que pode ser explicado pelo fato da Emater estabelecer médias, quando a estiagem pode ter atingido de maneira diferente micro regiões e agricultores, em face de pancadas de chuva localizadas e de épocas de plantio diferentes.

– O certo é que para grande número de famílias as perdas são enormes -, comenta a camponesa Vanderléia Chittó, de Progresso. “Conhecemos muitos casos em que a perda é praticamente total e ainda temos que considerar que as informações dos institutos de meteorologia não são animadoras, apontando para pelo menos mais um mês com pouca ou nenhuma chuva”, alerta. A dirigente camponesa explica ainda que a estiagem prejudicou a produtividade do milho safra e atrasou o plantio da safrinha, que está também comprometida.

– A verdade é que a perda é muito grande -, afirma Lari Hoffstetter, do município de Travesseiro. “Para não perder tudo, agricultores foram obrigados a fazer silagem de baixa qualidade, as espigas de milho com grãos pela metade”, acrescenta. Para os dirigentes do MPA um ponto é claro: mesmo que chova, isto não recupera.

Crise e falta de políticas públicas

– Esta estiagem vem no bojo da crise financeira que já se abate sobre as famílias do campo e da cidade nas regiões agrícolas -, aponta Frei Sérgio Görgen. Ele cita uma série de situações que se somam para agravar essa situação, a começar pelo crédito rural que atualmente está a disposição de poucos, pelos preços dos produtos dos camponeses estão em baixa (leite, feijão, milho, fumo, trigo) e pelos custos de produção que seguem em elevação (adubos, sementes, óleo diesel).

– Desde 2016 que as políticas públicas de apoio vem se esmilinguindo -, afirma Görgen. A redução dos programas de assistência técnica, aquisição de alimentos e sementes são apontados como exemplos claros, mas ainda devem ser considerada a fragilização das ações que incentivavam a produção agroecológica, o crédito subsidiado e o apoio ao cooperativismo que “estão em fase de extinção”.

Outro aspecto a ser levado em conta é a dificuldade de ação dos municípios, onde as prefeituras estão com poucos recursos para ações emergenciais, restringindo os serviços de máquinas e estradas. “Sem falar que, com os cortes nos recursos da saúde, as famílias estão gastando mais dinheiro com doenças nos hospitais e compra de remédios”, acrescenta.

Acesso ao alimento vai ser impactado

Soma-se a isto que os estoques de milho estão em baixa no Brasil, de acordo com as informações da CONAB. “Isto se deve ao aumento das exportações com a alta do dólar provocada pela insegurança externa gerada pelo Governo Bolsonaro”, afirma Hoffstetter. “O que foi, agora falta”, afirma o dirigente, explicando que com a queda da produção, devido à estiagem, vai faltar milho no mercado brasileiro e este terá de ser importado, agora com dólar alto.

Como o milho é um produto estratégico na alimentação – derivando muitos alimentos diretamente e ainda servindo como matéria prima para a ração destinada a suínos e aves, assim como na produção leiteira através da silagem e componente de rações – o MPA está alertando que uma das consequências previsíveis é o aumento do preço da carne suína e de frango – a de gado já está nas alturas –, bem como de ovos, leite e derivados.

– Esta seca vai pegar todo mundo, no campo e na cidade, mostrando claramente o abandono dos camponeses pelo governo -, acrescenta Hoffstetter. “Vem fome para os pobres”, arremata o dirigente, informando ainda que o MPA já iniciou um processo de debate nas bases sobre o que fazer nesta situação e não está descartada a possibilidade de mobilizações.

 

Os laticínios são um pilar fundamental do suprimento mundial de alimentos.

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