O presente texto é uma colagem dos principais pontos de um excelente artigo da pesquisadora britânica Judith Capper, com o título “Oportunidades e desafios na sustentabilidade da indústria de proteína animal: a batalha entre ciência e percepção do consumidor”

O presente texto é uma colagem dos principais pontos de um excelente artigo da pesquisadora britânica Judith Capper, com o título “Oportunidades e desafios na sustentabilidade da indústria de proteína animal: a batalha entre ciência e percepção do consumidor” publicado ano passado pela revista  Animal Frontier[1]. Nele, Capper aborda vários aspectos da produção de proteína animal e como o consumidor tem informações distorcidas, que, não só atrapalham seu julgamento, mas não incentivam práticas que realmente podem combinar produção eficiente de alimento com ganhos ambientais. Nesse cenário, ela destaca os pontos principais de uma reduzida agenda que a cadeia de produção de proteína animal deveria seguir urgentemente. Conclui mostrando que todos os esforços poderão ser inúteis caso não se consiga efetivamente comunicar e bem informar os consumidores. Seguem os destaques do artigo:

Intensificação e sustentabilidade: São apresentados vários exemplos de como da intensificação da produção e o aumento da eficiência nas últimas décadas contribuiu para a redução do impacto das atividades produtivas por unidade de produto. Um dos exemplos é da produção de leite nos EUA que quadruplicou entre 1944 e 2009, precisando para o mesmo litro de leite: 77% menos ração, 90% menos área, 65% menos água e emissões de gases de efeito estufa (GEE) 63% menores. Apesar disso ter sido mais um efeito colateral, do que boas intenções ambientais, é um fato incontestável. Questiona-se o quanto esse modelo ainda pode ser a resposta daqui para frente, tendo em vista que sistemas de produção já muito intensivos não teriam mais tanto espaço para ganhos em produtividade, inclusive por limites de bem-estar animal. Finaliza essa seção comentando que algumas opções tecnológicas, como ionóforos, beta-agonistas e hormônios,  têm efeitos positivos na produção, mas muitas vezes são impedidos de serem usados por conta de restrições legais.

Confiamos na ciência?

Nem tudo que Dr. Google afirma, procede: A desconfiança sobre novidades tecnológicas é antiga e recorrente. Ela cita desde o caso de resistência ao leite pasteurizado, no final do século XIX, até casos bem mais recentes. Ainda hoje haveria uma preferência por sistemas de produção considerados melhores em termos de bem-estar animal, impacto ambiental e saúde humana. Ela alerta, contudo, que consumidores compram “carne orgânica” iludidos que esses sistemas emitem menos GEE, ou leite de fazendas que tem vacas “felizes” porque pastejam[2]. Assim, escolhas insensatas acontecem se alguns atributos são valorizados acima da responsabilidade ambiental, ou quando preocupações filosóficas superam as decisões baseadas em evidências. Portanto, conforme Capper, a sustentabilidade das cadeias produtivas de proteína animal  depende do sucesso de comunicar a importância relativa da responsabilidade ambiental, bem como quantificar e qualificar os atributos necessários para a sustentabilidade de diferentes sistemas de produção, o que não é trivial.

Intensificação sustentável deve ser sob medida: Para as múltiplas realidades no mundo, as práticas sustentáveis devem ser direcionadas a cada sistema individual ou fazenda. Jamais devem ser prescritas como “tamanho único”. Para a produção animal alcançar a sustentabilidade, portanto, serão necessárias uma miríade de iniciativas diferentes feitas sob medida para cada situação.

O que mais indústria de proteína animal deve fazer?

 Os três pontos a serem imediatamente atendidos: (1) mudar o sistema de contabilização das emissões de GEE, (2) aumentar o uso de alimentos que não sejam comestíveis por humanos e (3) priorizar a saúde e o bem-estar animal.

Foco excessivo em GEE e uma nova métrica mais justa: Há uma forte, e bem colocada, crítica ao foco excessivo em GEE, que ofusca a percepção de outras potenciais consequências negativas da intensificação quando se considera o todo (aumento de necessidade de energia ou eutrofização, por exemplo). Também, a pesquisadora chama a atenção para a injustiça da métrica usual para GEE, o CO2-equivalente. Essa métrica considera que o metano, o principal GEE emitido pelos sistemas pecuários, acumula-se indefinidamente na atmosfera. A nova métrica, o GWP*, leva em conta a decomposição do metano com o tempo, o que reduz sua capacidade relativa de causar o aquecimento global. Estimativas da própria autora mostram que as emissões totais de GEE por quilo de leite ou carne bovina dos EUA podem ser reduzidas em 60%  em relação ao uso tradicional de CO2-equivalente. Mais interessante ainda para o Brasil, é que o uso do GWP* teria maior impacto em sistemas cujas emissões totais de GEE têm uma proporção relativamente maior de metano, ou seja, como sistemas mais extensivos baseados em pastagens. O GWP* ainda não é aceito pelos organismos internacionais e a autora defende que seria interessante o setor de produção animal se organizar para pressionar para que ele seja oficializado como a métrica, afinal ela representa melhor a realidade.

Dar ênfase ao uso de alimentos não passíveis de consumo humano: Há bastante crítica no uso de alimentos na nutrição animal que podem ser usados para alimentação humana, como milho e a soja. Por isso é interessante que se intensifique o uso de coprodutos, como a polpa cítrica e os grãos de destilaria. Também defende que, quando do uso deste, a métrica de conversão alimentar deve ser feita descontando, do total consumido, o equivalente aos alimentos não consumíveis por humanos. Essa métrica permite um melhor debate sobre alimentos para uso humano e animal, bem como incentivar o uso de fontes alimentares alternativas, como insetos produzidos para alimentação animal.

Priorizar sanidade animal: É evidente que animais desafiados sanitariamente produzirão menos, mas Capper cita dados da Organização Mundial da Saúde Animal (OIE) alarmantes. Eles indicam perdas de 20% da proteína animal causada por doenças, várias delas com tratamentos eficazes disponíveis, mas não adotados globalmente por questões econômicas, de infraestrutura, regulatórias ou políticas. Paradoxalmente, segundo ela, existem poucos dados sobre os impactos na sustentabilidade das doenças de animais de produção, mesmo para doenças que podem ter efeitos catastróficos em caso de um surto. Além desse enorme risco, essa deficiência impediria, inclusive ter informações necessárias para tomada de decisão quanto ao controle das enfermidades pelos produtores. Futuros sistemas pecuários devem implementar as melhores práticas para melhorar a biossegurança, vigilância às doenças, monitoramento de resistência (especialmente de antimicrobianos) e adotar vacinas sempre que possível.

Priorizar bem-estar animal (BEA):  Citou dados de levantamento nos EUA que 78% dos consumidores pesquisados estavam preocupados com o BEA e que o bem-estar deveria ser auditado por terceira-parte, 70% atentos às informações de rotulagem que indicam como os animais foram criados e 57% selecionariam restaurantes que oferecem produtos com certificados de BEA.

O futuro é brilhante para a indústria de proteína animal?

De volta para o futuro:  Lembrando da famosa frase de um best-seller sobre alimentação do escritor Michael Pollan[3], “Não coma nada, sua bisavó não reconheceria como comida ”, Capper faz referência a um forte viés contemporâneo: achar que tudo de antigamente seria mais natural e melhor, desconsiderando que  muitos aditivos e outros avanços melhoram a qualidade, vida útil ou segurança dos alimentos. Ela considera improvável que sigamos  para o consumo de alimentos como no passado, tampouco fazer a transição para uma dieta totalmente vegetariana ou vegana, mas, sim, a adoção de uma dieta “flexitariana”, na qual se escolhe intencionalmente reduzir o consumo de carne, mas não a eliminar. No varejo, sugere a inclusão de informações no rótulo, usando um QR Code para acessá-las, de maneira a dar transparência para a produção e, na palavras da autora, “atender a fome do consumidor por informações de como o alimento foi produzido”.

Conclusões do artigo da Dra. Judtih Capper

Sem aceitação social dos consumidores, nada feito: Assim, segundo Capper, melhorar a confiança do consumidor será fundamental para manter a aceitabilidade social e, portanto, a sustentabilidade geral da futura produção de carne e leite. Sem uma licença social para operar concedida pelos consumidores, as proteínas animais podem ser seguras, acessíveis, ter um impacto mínimo no meio ambiente e oferecer excelentes padrões de bem-estar animal, mas operarão sem uma base de mercado sólida. Por isso que a sustentabilidade das cadeias de produção de proteína animal também dependerão de uma melhor comunicação.

Quem não comunica…: A autora alerta para a necessidade de abrir canais de comunicação que irão educar e entusiasmar a geração mais jovem que fará decisões de compra dentro de 10 anos e, assim,  garantir que os benefícios ambientais e econômicos da produção pecuária sejam entendidos pelo público, de modo que as ameaças à resiliência do sistema (por exemplo, desconformidade sobre bem-estar animal ou alegações sobre impactos ambientais negativos) sejam superadas, desde que a dedicação para melhorar a sustentabilidade foi claramente delineadademonstrada e comunicada.

A penúltima frase, segue abaixo, na tradução literal, resume bem o espírito geral a ser perseguido:

O desafio para a indústria animal é adotar uma cultura de melhoria contínua para avançar a intensificação sustentável, abrangendo melhoria da sanidade animal, das pessoas e do planeta; adotar tecnologias existentes e novas e informar sobre sua dedicação para melhorar a sustentabilidade para todas as partes interessadas.”

Considerações finais sobre o texto

O texto é uma excelente contribuição para o debate global de como a indústria da produção animal global deve responder aos desafios já presentes e as tendências do futuro. A pesquisadora textualmente coloca que a perspectiva dela é a da produção americana de produção animal, mas, apesar de em alguns pontos haver algum conflito com a realidade brasileira, os pontos destacados, propositalmente são aqueles que servem para ambas as realidades.

Na questão que opõe os sistemas intensivos e aqueles com base em pastagens, Capper, privilegia o fato de haver menor produção de GEE por unidade de produto para animais confinados (ou mais intensivamente criados) em relação à produção em pastagem. Apesar disso ser um fato, conforme a própria autora comenta no texto, é um erro ater-se apenas às emissões de GEE. Assim, no caso de pastagens bem manejadas, temos vários benefícios cada vez mais valorizados pelos consumidores: (i) uma produção mais natural, (ii) maior BEA animal (mais perto de seu comportamento natural),  (iii) a possibilidade de pastos produtores de água e, por fim, (iv) o aumento de carbono no solo que, além dos benefícios às características físico-químicas do solo, pode ser considerado como remoção de carbono atmosférico. Além disso, a produção em pastagem tem ainda um grande potencial para intensificação, em termos de aumento de produtividade.

À semelhança do caso do GWP*, o Brasil e outros países com produção baseada em pastagens, devem advogar para que, pelo menos parte desse C fixado no solo, seja contabilizado no balanço das emissões pecuárias. A pesquisa pecuária brasileira segue firme em gerar

[1] Capper, J. L. Opportunities and Challenges in Animal Protein Industry Sustainability: The Battle Between Science and Consumer Perception, ANIMAL FRONTIER, https://academic.oup.com/af/article/10/4/7/5943505

[2] E, de fato, tem melhor BEA que vacas confinadas, mas aqui entendo que a autora pode prever uma situação em que isso não fosse suficiente. Assim, uma vaca passando fome no pasto deve ser mais “infeliz” que outra confinada, mas bem alimentada.

[3] O Dilema do Onívoro

Bryce Cunningham, um produtor de leite escocês, proprietário de uma fazenda orgânica em Ayrshire (Escócia), lançou um produto lácteo para agregar valor ao leite de sua fazenda, que é um produto de ótima qualidade, sem aditivos, e é um exemplo de economia circular.

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