A Nestlé diz que cresceu… mas lucrou menos. Como assim?
No balanço do primeiro semestre de 2025, a gigante suíça reportou um crescimento orgânico de 2,9%, ao mesmo tempo em que viu seu lucro líquido recuar 10,3%. Subiu ou caiu?
A dúvida não é apenas retórica — ela expõe um dilema real enfrentado por grandes empresas de alimentos: manter a receita em alta às custas de reajustes de preço, enquanto a rentabilidade encolhe.
Neste artigo, destrinchamos essa aparente contradição e explicamos o que está por trás dos números — e por que isso deve interessar (e muito) à indústria de lácteos.
Um balanço com duas verdades
O relatório semestral da Nestlé traz dados que, à primeira vista, parecem contraditórios:
- Lucro líquido caiu 10,3%, para 5,065 bilhões de francos suíços (US$ 6,37 bilhões).
- Lucro por ação também caiu, de 2,16 para 1,97 francos.
- Vendas totais recuaram 1,8%, somando CHF 44,2 bilhões.
- Mas o crescimento orgânico foi de 2,9%, impulsionado por preços mais altos.
Como é possível que a empresa tenha crescido nas vendas e, ao mesmo tempo, ganhado menos dinheiro?
📈 Crescimento orgânico: vendendo mais caro, não mais
O chamado crescimento orgânico de 2,9% combina duas forças:
- Aumento de preços: +2,7%
- Crescimento real de volume (RIG): +0,2%
Ou seja: a Nestlé vendeu praticamente o mesmo volume, mas com preços mais altos, especialmente nas categorias de café (+6%) e confeitaria (+10,6%).
A empresa justificou os aumentos como medidas para enfrentar a inflação nos custos de insumos, como cacau e café, que vêm pressionando a indústria global.
O problema? Essa estratégia tem limites. A própria Nestlé reconheceu que os efeitos da elasticidade — consumidores comprando menos diante dos preços altos — já começaram a aparecer, especialmente em confeitaria.
E por que o lucro caiu?
Mesmo com preços mais altos, o lucro da Nestlé caiu 10% por vários motivos:
- Câmbio negativo: o franco suíço valorizado cortou 4,7% da receita total.
- Custos operacionais elevados, incluindo matérias-primas e logística.
- Mais gastos com marketing: os investimentos em publicidade subiram para 8,6% das vendas.
- Menor margem operacional (UTOP): caiu para 16,5%, com queda de 90 pontos-base.
- Revisão de negócios pouco rentáveis, como a divisão de suplementos (Nature’s Bounty, Osteo Bi-Flex), cujas marcas podem ser vendidas.
- Desempenho fraco na Ásia, especialmente na China, afetada por consumo retraído e deflação.
🌎 Panorama regional e categoria por categoria
- Europa: crescimento orgânico de 3,5%, apesar de queda no volume (-0,2%).
- Américas: 2,1% de crescimento orgânico, com destaque para Brasil, Argentina e Venezuela.
- Ásia/Oceania/África (exceto China): +2,4%, mas com queda de 0,3% no volume.
Por categoria:
- Confeitaria e café lideraram o crescimento.
- PetCare e águas cresceram moderadamente.
- Alimentos e fórmulas infantis mostraram queda.
🔮 E o que esperar?
Apesar dos resultados mistos, a Nestlé manteve suas projeções para 2025, esperando:
- Aceleração no crescimento orgânico no segundo semestre.
- Margem operacional mínima de 16%.
- Estratégia voltada à inovação e ao foco em marcas premium.
Segundo o CEO Laurent Freixe, “as ações estão entregando resultados” e a empresa está focada em transformar-se para o futuro.
🧀 O que isso sinaliza para a indústria láctea?
Para os observadores da cadeia de laticínios, este resultado é um termômetro claro:
- O consumidor está sensível a preços.
- Vender mais caro ainda funciona, mas o limite está perto.
- Empresas como a Nestlé já estão reavaliando portfólios e focando no que realmente dá margem.
- O foco passa a ser eficiência, valor agregado e inovação com propósito — e não mais depender apenas do volume.
🧠 Em resumo
Nestlé cresceu, sim. Mas lucrou menos.
Não há contradição: o crescimento foi impulsionado por preços mais altos, enquanto a rentabilidade foi derrubada por custos, câmbio e investimentos estratégicos.
Para quem acompanha o setor de alimentos — e especialmente o lácteo — essa equação já é velha conhecida: vender mais não é o mesmo que ganhar mais.
Valéria Hamann
*Com informações de CNN Brasil e Investing