ESPMEXENGBRAIND
20 out 2025
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O fechamento da fábrica da Nestlé em Askeaton mostra o preço de depender do mercado chinês — e o risco de concentrar exportações lácteas em um só destino.
A aposta da Nestlé na China virou lição amarga para a Irlanda.
A aposta da Nestlé na China virou lição amarga para a Irlanda.

O caso da fábrica da Nestlé em Askeaton, Irlanda, tornou-se símbolo de como a dependência das exportações lácteas para a China pode se transformar de oportunidade em armadilha.

A planta, que durante anos prosperou com a demanda por fórmulas infantis chinesas, fechou as portas em 2025 após um declínio histórico nas taxas de natalidade no país asiático — e uma mudança estratégica que levou a produção para mais perto do consumidor final.

Segundo reportagem do The New York Times, traduzida e adaptada para o público de eDairyNews Brasil, a instalação — construída em 1974 e modernizada sob comando da Nestlé — chegou a empregar mais de 540 trabalhadores e movimentar a economia de um vilarejo de apenas 1100 habitantes.

Durante o auge do “baby boom” chinês, o leite em pó irlandês era tão valioso que os moradores o apelidaram de “cocaína branca”.

Do boom ao colapso

O ciclo de prosperidade começou a ruir quando a taxa de natalidade chinesa caiu de 18 milhões de nascimentos em 2016 para apenas 9 milhões em 2023, conforme dados oficiais do governo de Pequim. A Nestlé justificou o fechamento da unidade alegando a queda da demanda, que reduziu drasticamente as exportações de fórmulas infantis da Europa para a Ásia.

Mas em Askeaton, ninguém acreditou que essa fosse toda a história.
Kevin Sheahan, ex-conselheiro do condado de Limerick, resumiu o sentimento local: “Falta uma peça nesse quebra-cabeça.”

Moradores e ex-funcionários suspeitam que a exigência do governo chinês de produzir localmente tenha pesado mais que a queda na natalidade.

O movimento faz parte da política de autossuficiência alimentar da China, que há anos busca reduzir a dependência de importações ocidentais, especialmente após o escândalo da leite contaminado de 2008.

“Eles vinham, aprendiam e levavam o negócio para casa”, relatou o produtor Tim Hanley, que fornecia leite para a planta. Sua fazenda, com 200 vacas leiteiras, simboliza a fragilidade de um modelo industrial que apostou tudo em um único comprador.

O novo destino: Suzhou, China

Um mês após anunciar o fechamento da unidade irlandesa, em novembro de 2023, a Nestlé comunicou que havia recebido aprovação para instalar uma nova fábrica em Suzhou, no leste da China, para produzir e vender o mesmo tipo de fórmula que antes saía de Askeaton.

Na prática, a gigante suíça transferiu tecnologia, empregos e know-how europeu para o mercado chinês, consolidando o que muitos analistas chamam de “efeito bumerangue da globalização”: o país comprador acaba absorvendo o processo produtivo, deixando o fornecedor original sem mercado.

Impacto global no setor lácteo

A história irlandesa é mais que um drama local. É um alerta para exportadores de lácteos em todo o mundo, inclusive no Mercosul.

O Brasil, por exemplo, tem aumentado o envio de leite em pó e fórmulas infantis para a Ásia, mas ainda depende fortemente de acordos comerciais voláteis. Especialistas do setor destacam que a lição de Askeaton é clara: diversificar destinos e manter produção regional competitiva é essencial para evitar choques externos.

Na Irlanda, a perda de 540 empregos diretos abalou a economia rural. Com a saída da Nestlé, o preço dos imóveis caiu, o crédito bancário encolheu e pequenos comércios perderam seu principal cliente.

“Havia bons salários, o que significava que o povoado prosperava”, recordou Patrick Ranahan, da cooperativa de crédito local. “Mas sempre existia a possibilidade de que nos tirassem tudo.”

Um ciclo que se repete

A experiência de Askeaton mostra como as cadeias globais de lácteos seguem o ritmo da demografia e da geopolítica, e como as decisões corporativas em Zurique ou Pequim podem redefinir o destino de comunidades inteiras a milhares de quilômetros de distância.

Hoje, a planta que um dia foi chamada de “joia da coroa” está à venda por 22 milhões de euros (cerca de US$ 26 milhões). Caso nenhum comprador apareça, as portas se fecharão definitivamente em março de 2026 — e com elas, um capítulo de ouro da história leiteira da Irlanda.

Para o mercado global, fica a reflexão: a demanda chinesa pode ser o motor do crescimento, mas também o gatilho de colapsos silenciosos.

*Adaptado para eDairyNews, com informações de The New York Times

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