O leite de vaca, alimento milenar e base nutricional para bilhões de pessoas, está novamente no centro de uma narrativa alarmista: a de que o clima extremo ameaça sua produção e de que os bovinos seriam grandes culpados pelo aquecimento global.
Mas será mesmo que a pecuária leiteira é responsável pelas mudanças climáticas? A resposta exige mais ciência e menos ideologia.
Dois estudos recentes apontam que o estresse térmico causado por ondas de calor pode reduzir a produção de leite — especialmente em fazendas sem acesso a tecnologias de mitigação.
Em um dos levantamentos, realizado com 130 mil vacas ao longo de 12 anos, verificou-se que períodos de calor intenso reduzem o rendimento leiteiro em até 10%.
Os impactos são reais, especialmente em regiões tropicais e semiáridas, e devem ser tratados com políticas de adaptação.
Mas, para além das ondas de calor, o discurso que demoniza a pecuária como principal responsável pelo colapso climático precisa ser revisado. E com urgência.
Metano: o que a ciência realmente diz
O metano emitido pelo gado faz parte de um ciclo biogênico, ou seja, natural e equilibrado. Ele é produzido durante a digestão dos ruminantes, liberado na atmosfera, decomposto em cerca de 12 anos, e reaproveitado pelas plantas na fotossíntese.
Em outras palavras: não se acumula por séculos como o dióxido de carbono emitido pela queima de combustíveis fósseis.
Quem explica isso muito bem é o pesquisador Frank Mitloehner, da Universidade da Califórnia – Davis, referência mundial em emissões agropecuárias:
“Quando estabilizamos o rebanho, estabilizamos também as emissões de metano. O ciclo se equilibra. É diferente dos combustíveis fósseis, que só acumulam carbono na atmosfera.” (CLEAR Center – UC Davis)
Portanto, culpar o leite pelo aquecimento global é desonesto — e desinforma o público. A verdadeira emergência climática continua sendo alimentada por setores altamente emissores e não renováveis, como transporte, energia e indústria fóssil.
O papel social do leite
A produção leiteira sustenta mais de 150 milhões de famílias no mundo, a maioria em pequenas propriedades.
No Brasil, é uma das cadeias mais capilarizadas, gerando renda, fixando o homem no campo e contribuindo para a segurança alimentar. Atacar o leite é, muitas vezes, um ataque indireto ao agricultor familiar.
Mais do que isso: o leite bovino é um alimento completo, rico em proteínas de alto valor biológico, cálcio, vitaminas do complexo B e ácidos graxos benéficos à saúde.
Substituí-lo por “alternativas” ultra processadas e importadas pode ser um tiro no pé — tanto do ponto de vista nutricional quanto ambiental.
Adaptação e inovação, sem radicalismos
É claro que a pecuária precisa se adaptar ao clima, e isso já está em curso: sistemas silvipastoris, sombreamento natural, ventilação, genética adaptada e manejo de precisão são exemplos de inovações que vêm sendo adotadas em diversos países, inclusive no Brasil. Mas adaptação não significa substituição.
Transformar o gado em bode expiatório de um problema sistêmico é, no mínimo, impreciso e perigoso. Não se trata de negar a crise climática, mas de enfrentá-la com base em ciência real, e não em agendas ideológicas ou pressões corporativas.
Leite, um símbolo de resistência
Se há algo que o calor extremo expõe, é a necessidade de proteger cadeias alimentares resilientes, sustentáveis e de base natural.
O leite de vaca é tudo isso — e mais: é um patrimônio cultural, econômico e nutricional. O que está em risco não é apenas um produto na geladeira, mas um modelo de vida rural que alimenta cidades inteiras com dignidade e tradição.
Fontes citadas:
- Claire Palandri et al., Science Advances, 2025. DOI: 10.1126/sciadv.adw4780
- Hutchins, J. et al., Food Policy, 2025. DOI: 10.1016/j.foodpol.2025.102821
- Frank Mitloehner – CLEAR Center UC Davis. https://clear.ucdavis.edu