Um pedido de casamento improvável acabou revelando um dos fenômenos mais raros da biologia moderna: fungos de queijo evoluindo diante dos olhos dos cientistas. A descoberta aconteceu na Fazenda Jasper Hill, no estado de Vermont, Estados Unidos — uma das mais reconhecidas produtoras de queijos maturados em cavernas naturais.
Em 2016, o pesquisador Benjamin Wolfe, da Universidade Tufts, viajou até a propriedade ao lado de sua ex-orientadora, Rachel Dutton, da Universidade da Califórnia. O motivo oficial era coletar amostras de fungos presentes nos queijos para estudo. O motivo oculto? Um pedido de casamento planejado pelo namorado de Dutton no mesmo local.
O romance acabou sendo o início de uma história científica ainda mais surpreendente. Wolfe, conhecido por arquivar todo o material que coleta, guardou as amostras. Anos depois, ao compará-las com novos exemplares da mesma caverna, ele e seu aluno Nicolas Louw perceberam algo inédito: os queijos haviam mudado de cor — de um verde suave para um branco puro.
Evolução à vista
Nada na receita do queijo havia mudado. As leveduras e o processo de maturação eram os mesmos. A diferença estava nos fungos.
“Pensamos que poderia ser um exemplo de evolução acontecendo diante dos nossos olhos”, contou Wolfe à revista Current Biology, onde o estudo foi publicado.
O fenômeno intrigou os cientistas porque a evolução microbiana costuma ser observada em longos períodos de tempo ou em laboratório, e não em ambientes naturais e controlados como uma caverna de maturação.
A cor que o tempo apagou
As amostras antigas foram essenciais para o achado. Comparando os fungos de 2016 com os atuais, os pesquisadores confirmaram que se tratava da mesma espécie, Penicillium solitum — mas com um detalhe importante: ela havia perdido o gene responsável pela produção de melanina, o pigmento que dá cor à pele, cabelo e olhos nos humanos.
Dentro da caverna, onde o ambiente é escuro e constante, o fungo não precisava mais se proteger da radiação ultravioleta. Assim, evoluiu para deixar de produzir a melanina, economizando energia e tornando-se mais eficiente.
Mutações vantajosas
O processo não envolveu uma única mutação, mas várias pequenas alterações genéticas, incluindo o papel de “genes saltadores” — fragmentos de DNA capazes de mudar de posição dentro do genoma.
Embora esse mecanismo esteja relacionado a doenças em humanos, como câncer e distúrbios neurológicos, nos fungos ele funcionou como um motor da adaptação. Ao abrir mão da produção de pigmento, os microrganismos redirecionaram energia para outros processos metabólicos.
Impacto além do queijo
A pesquisa vai muito além da curiosidade acadêmica. Segundo Louw, o mofo é uma das maiores ameaças à segurança alimentar global: cerca de 20% das culturas agrícolas se perdem antes da colheita por podridão fúngica, e outros 20% se perdem depois, em frutas, pães e produtos industrializados.
Compreender como esses fungos evoluem e se adaptam pode ajudar a desenvolver estratégias mais eficazes de controle na cadeia alimentar — e até melhorar o aproveitamento energético em processos biotecnológicos.
Uma caverna, dois destinos
O estudo da Fazenda Jasper Hill mostra que até nas profundezas silenciosas de uma caverna de queijo pode haver uma revolução biológica.
E, de forma poética, um pedido de casamento acabou unindo duas histórias: a de um casal humano e a de fungos que aprenderam a viver melhor com o tempo.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de CPG Click Petróleo e Gás
											

								


								
