O mercado lácteo brasileiro caminha para cavar lugar entre os maiores exportadores no mercado global, buscando ir além de atender a demanda local e buscar ganhos mais robustos em alguns dos maiores mercados do mundo.
Segundo a FAO, a produção mundial de leite de vaca gira em torno de 718 bilhões de litro. O Brasil, segundo o IBGE, detém cerca de 35,5 bilhões, o que corresponde a cerca de 5% do total. Entre os maiores exportadores, União Europeia e Nova Zelândia são historicamente grandes produtores. Os EUA, outra grande potência, não estava entre os maiores fabricantes tempos atrás, mas galgou lugar e hoje é um dos grandes exportadores.
A evolução dos EUA mostra que um mercado pode se tornar potência se houver estratégia. O Brasil tenta se consolidar entre os grandes produtores e exportadores, mas tem encontrado alguns desafios. Um deles é a dificuldade de abrir mercados e a dependência de alguns parceiros específicos, como a Venezuela.
Nos anos 2014 e 2015, as exportações brasileiras de lácteos tiveram um pico causado pelo aumento da demanda vinda da Venezuela. “Quando o preço do petróleo está alto, a Venezuela entra para comprar muito, e isso tinha acontecido também entre 2008 e 2009”, explica Gustavo Beduschi, diretor executivo da Viva Lácteos, associação da indústria de lácteos que tem como missão promover o crescimento e a produtividade do setor.
Porém, esses momentos de aquecimento da demanda gerado pelo crescimento pontual da Venezuela causavam distorções no mercado lácteo brasileiro. “Quando a Venezuela sai do cenário, cai muito a exportação. Agora, nós temos uma recuperação, mas, desta vez, com diversificação de produtos e destinos”, diz o especialista.
Beduschi participou do painel “Exportação – Aumento da Demanda Mundial deve Levar o Setor a Investir na Expansão e Preparação para Novos Mercados. Quais os Desafios para esse Crescimento?” da Fispal Tecnologia & Tecnocarne.
Durante o evento, o executivo ressaltou o avanço no mercado brasileiro, apesar dos desafios impostos por pandemia e crise econômica. Dados apresentados pela associação da indústria de lácteos apontam que, em 2021, o Brasil exportou leite e derivados para mais de 100 países, sendo que os 10 principais respondem por quase 80% da demanda.
Apesar da grande concentração, isso representa uma evolução para os exportadores brasileiros, que conseguiram diversificar os destinos com relação a outros momentos. “Em outras épocas, a Venezuela era o destino de 60% das exportações brasileiras de lácteos”, conta Beduschi.
Mercado lácteo brasileiro: exportação
Um dos mercados abertos recentemente pelos exportadores lácteos brasileiros foi o da Argélia. O país da África tem um sistema bem desenvolvido de compras governamentais, que facilita a participação de empresas estrangeiras.
Recentemente, empresas brasileiras conseguiram acessar esse mercado para fornecimento de lácteos. “A boa notícia está também no fato de a Argélia ser muito exigente com relação aos produtos que importa. E a entrada das empresas brasileiras é um bom sinal ao mercado global”, avalia o especialista.
Nos Estados Unidos, os produtores brasileiros vendem principalmente requeijão, leite condensado, doce de leite, queijo de massa semidura e outros produtos de alto valor agregado.
Por enquanto, o acesso ao maior mercado do mundo está relacionado principalmente por conta do que é chamado de mercado da saudade, ou seja, consumidores brasileiros residentes nos Estados Unidos que adquirem produtos brasileiros para manter os hábitos de consumo que tinham aqui.
O desafio está em expandir os produtos lácteos brasileiros para os americanos nativos. Beduschi explica que, na China, outro grande mercado consumidor, os nativos estão sendo seduzidos pelo requeijão, entre outros produtos mais refinados, por conta da qualidade e da aproximação ao paladar local.
Ele destaca que alguns dos desafios para emplacar produtos como o requeijão está na dificuldade de apresentar esses itens a públicos que tem outra cultura alimentar, e que mesmo o idioma pode ser um problema.
“Você não consegue imaginar um estrangeiro falando requeijão. Geralmente, temos que explicar o que é. Por isso, temos feito um trabalho dentro da Viva em parceria com a Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) para fazer um trabalho de renaming e rebranding”, conta Beduschi.
Preço é entrave
Se a qualidade do produto brasileiro é reconhecida internacionalmente, os preços ainda são um impeditivo para ampliação da participação dos produtos nacionais no mercado global. Por questões diversas, o preço do leite brasileiro chegou a ser 137% superior ao da média do mercado global em 2016. Embora a diferença tenha caído nos últimos anos, ainda é bastante desfavorável para a exportação.
Além disso, barreiras tarifárias impõem dificuldades para que os lácteos brasileiros acessem mercados importantes, como o americano. O Brasil tem uma cota que divide com vários outros países para vender para os EUA. E, dentro dessa cota, os produtores brasileiros pagam 5 centavos de dólar por quilo de produto. “Quando passa da cota, que geralmente acaba em março, o valor por quilo de produto sobe para 50 centavos de dólar. É uma diferença muito grande”, explica Beduschi.
O especialista diz que há demanda nos EUA para produtos brasileiros, mas a política tarifária americana inviabiliza a ampliação das exportações. “Estamos tentando pensar fora da caixa para o mercado americano fazer negócio com a gente”, diz o representante dos produtores.
Alto valor agregado
Um dos mercados potenciais que o Brasil tem abraçado é o russo, que tem recebido bem os produtos brasileiros de maior complexidade. “A Rússia é case de sucesso, ela estava fechada para nós até 2014. Em 2015, começa a ter os primeiros embarques, e temos visto o aumento desses embarques”, diz Beduschi. Em janeiro de 2022, o volume era de um container por semana.
A guerra atrapalhou os planos dos produtos brasileiros com relação à Rússia. Mas, assim que as questões locais forem resolvidas, a perspectiva é aumento das exportações.
Soluções
Para levar os produtos nacionais para o exterior, especialmente os de alto valor agregado, a Viva encaminhou um acordo de cooperação técnica com o Ministério da Agricultura em 2022 para trabalhar as questões de habilitações e acordos com outros países.
Além disso, a associação tem atuado junto com a agência brasileira de exportações para a formulação de um projeto de promoção de exportação de lácteos, que contemplam produtores de todos os tamanhos e regiões.
Beduschi destaca que o Brasil tem crescido sua produção de lácteos e avançado na busca pela sua autossuficiência em leite, algo que estava bem distante nos anos 1990. Apesar de ainda sem importador líquido (que importa mais do que produz), o Brasil tem condições de aumentar sua participação no mercado externo.
“Tivemos uma taxa de crescimento de produção que até 2004 era de 4%, com a demanda interna crescendo a 3%”. Apesar de a taxa de crescimento da produção ter caído nos últimos anos, ela segue acima da demanda e pode ser retomada nos próximos anos. Com isso, o Brasil pode fortalecer sua participação no mercado global de lácteos.
“Se continuarmos crescendo a produção acima da demanda, uma hora, haverá um excedente robusto para ser exportado”. Isso tende a reduzir o preço do produto nacional no mercado global e facilitar a entrada em mercados importantes.
Números “animadores”
Para Sueme Mori, diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), os dados do mercado lácteo brasileiro são “animadores”. “Entre 2017 e 2021, o valor das exportações brasileiras de produtos lácteos cresceu 50%. No mesmo período, as exportações mundiais subiram 11% e países que têm participação mais relevante do que o Brasil, como Suíça e Uruguai, registraram queda de vendas, de 12% e 18% respectivamente”, destaca a executiva.
Ela destaca que um esforço com relação à abertura de mercados é essencial para derrubar ou reduzir a taxação sobre produtos brasileiros. “As tarifas de importação do Canadá, Suíça e Japão chegam a 248%, 195% e 95%, respectivamente. Acordos que reduzam ou retirem essas barreiras são fundamentais para ampliar a participação de produtos lácteos brasileiros no mercado internacional. Sem isso, o Brasil já entra em desvantagem, independentemente da qualidade da oferta”, destaca.
Porém, a executiva destaca que não basta atuações no sentido de abrir mercado por meio de negociações governamentais, é preciso melhorar a produtividade das empresas brasileiras para fazer frente aos líderes de mercado. “Não existe fórmula mágica. É preciso resolver questões essencialmente internas da cadeia produtiva de lácteos e melhorar as condições de acesso ao mercado internacional para que os produtos brasileiros ganhem o mundo”, arremata Sueme.
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