Entre janeiro de 2015 e outubro de 2021, a manteiga subiu 121,9%, segundo o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). É 2,5 vezes a inflação geral no período (48,2%) e está muito acima dos demais lácteos: leite e derivados (59,9%) e leite longa vida (68,8%). O aumento também é maior que o da margarina (71,4%), concorrente da manteiga. 
Fonte: Cucinare

Se você é o responsável pelas compras de casa, já deve ter notado o alto preço alto da manteiga. E não é de hoje.

Entre janeiro de 2015 e outubro de 2021, a manteiga subiu 121,9%, segundo o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). É 2,5 vezes a inflação geral no período (48,2%) e está muito acima dos demais lácteos: leite e derivados (59,9%) e leite longa vida (68,8%). O aumento também é maior que o da margarina (71,4%), concorrente da manteiga.

O que explica a manteiga ter se tornado tão cara no Brasil, um dos maiores produtores de leite do mundo e detentor do segundo maior rebanho de vacas do planeta?

Para buscar essa resposta, é preciso dar alguns passos para trás e olhar o quadro como um todo.

Antiga vilã da alimentação saudável, a manteiga passou por uma reviravolta e tornou-se um dos itens mais procurados e rentáveis da cadeia de produtos lácteos. Tudo começou ao cair o reinado da margarina, a partir dos anos 1990, quando diversas pesquisas mostraram que o processo de hidrogenação dos óleos usados na margarina leva à formação de gordura trans. O consumo dessa substância aumenta – e muito – os riscos de doenças cardiovasculares e outras enfermidades.

“Houve uma mudança de paradigma no consumo. A manteiga passou a ser mais demandada, mas não havia quantidade suficiente no mercado”, explica Kennya Beatriz Siqueira, pesquisadora da Embrapa Gado de Leite.

Patinho feio dos lácteos, a manteiga tornou-se em todo o mundo a estrela principal da festa, a mais desejada, a mais valiosa e, por vezes, indisponível. E aí surge um problema: o desequilíbrio na demanda  por gordura e proteína.

Um concorrente desleal

A manteiga é resultado da separação do creme do leite de vaca – a nata – do leitelho, que é o líquido que se desprende com o processo de batedura. Sua composição é regulamentada pelo Ministério da Agricultura.  Só pode ser chamado de manteiga o alimento produzido com gordura proveniente exclusivamente do leite,  em uma porcentagem mínima de 80%.

Para produzir um quilo de manteiga, são necessários cerca de dez litros de leite. Essa mesma gordura também é usada para fazer creme de leite e alguns queijos. A manteiga, portanto, concorre com outros  produtos na demanda por gordura.

Embora sejam produtos absolutamente distintos, a margarina e a manteiga disputam o mesmo mercado. E em condições bastante desiguais.

A margarina tem como matéria-prima principal óleos vegetais hidrogenados e saborizados artificialmente. Como não são obrigadas a informar que tipo de óleo utilizam, as indústrias podem lançar mão de uma  combinação de gorduras baratas e com menor oscilação de preços.

Enquanto a fabricação de manteiga no Brasil é bastante pulverizada, dois conglomerados – BRF e JBS – concentram mais de 80% do mercado de margarinas, com maior poder de barganha na compra de  matérias-primas e maior capacidade de investimento.

Marcelo Henrique Thomé, gerente comercial da Laticínio Alto Alegre (Verê-PR), destaca que a manteiga precisa seguir uma legislação específica. “Tem requisitos, tem classificação: se é manteiga comum, se é  manteiga extra, se vai fazer só com creme de leite ou creme e soro. É bem diferente da margarina, na qual  você não sabe nem o que tem”, diz.

Há oito anos na empresa, ele afirma que a manteiga passou a ser um dos produtos mais rentáveis de toda a cadeia. “Houve uma mudança no perfil do consumidor. Além disso, indústrias grandes também alavancam  o consumo, e isso acaba inflacionando”, diz Thomé.

O ano da tempestade perfeita

Embora esteja entre os maiores produtores do mundo, o Brasil não é um grande exportador de leite e derivados. O setor não goza dos mesmos incentivos financeiros e políticas governamentais destinados aos  alimentos que se tornaram commodities e têm sua produção voltada à exportação.

“O setor lácteo brasileiro depende muito do andamento da economia brasileira. O que a gente produz é mais para consumo interno. Quando a economia cresce, o consumo e o setor também crescem. Quando a  economia encolhe, o setor não vai tão bem”, explica Glauco Carvalho, pesquisador da Embrapa Gado de  Leite.

Uma espécie de tempestade perfeita formou-se em 2015, ano em que o preço da manteiga disparou bruscamente. A combinação de encolhimento da economia (-3,5%), inflação de dois dígitos (10,67%) e  desvalorização do real atingiu em cheio a produção de leite no Brasil.

Foi também, a partir desse mesmo período, que teve início uma mudança no perfil da produção de leite no Brasil. Em 2015, o número de animais destinados à produção leiteira começou a ser reduzido  expressivamente: o rebanho perdeu 6,6 milhões de vacas ordenhadas entre 2014 e 2018. “Em 2015, foi o  ano em que a produção caiu pela primeira vez em uma série do IBGE que começa nos anos 1970”, destaca  Glauco Carvalho.

O desempenho ruim da economia levou a uma seleção entre os produtores de leite. “Os produtores vão ficando mais tecnificados, ficam os produtores maiores. Existe uma bonificação por volume, então quem  produz mais leite recebe um preço maior por ele. Quem produz menos recebe um preço menor”,  acrescenta o pesquisador da Embrapa.

Soma-se a isso a pressão pelo uso da terra. Exportar commodities torna-se mais vantajoso do que produzir para o mercado interno. Isso faz com que os produtores de leite sejam obrigados a investir em sistemas de  produção mais intensivos, confinados e com maior produtividade.

“A gente está perdendo os médios produtores. Ou eles se tornam grandes ou saem da atividade”, explica Kennya, pesquisadora da Embrapa Gado de Leite. “A gente acompanha esse movimento tanto pelo número  de produtores quanto pelo aumento na produção média de litros. Muitos dos que ficam na atividade têm  investimento alto”, completa Marcelo Henrique Thomé, da Laticínio Alto Alegre.

Mais ricos consomem oito vezes mais

O aumento no preço da manteiga foi atípico, diz o economista e professor da Fundação Getúlio Vargas Valter Palmieri Junior: “Uma coisa é entender a inflação geral. Quando sobe a gasolina, o custo fica mais  caro e você tem uma reação em cadeia. Outra coisa é entender o aumento de preço de algo específico. O  preço tanto da manteiga quanto do creme de leite subiu e não desceu mais. Foi bem atípico”, explica.

A despesa média de cada família com manteiga aumentou 73% entre 2007 e 2018, segundo dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF, 2018) do IBGE. Nesse mesmo período, os gastos com margarina  diminuíram 36%.

Os números revelam a desigualdade no consumo desses alimentos: as famílias mais ricas, com rendimento total superior a R$ 14 mil, consumiram oito vezes mais manteiga do que as mais pobres, que estão no estrato inferior, com renda total de R$ 1.900. Os dados são também da POF de 2018.

Valter Palmieri Jr. aponta para um aspecto que os economistas chamam de “elasticidade na renda”, ou seja, a capacidade de manter o consumo de um determinado produto mesmo quando seu preço sobe. “O mercado consumidor de manteiga é formado por um grupo de pessoas que continuou comprando mesmo  com o aumento”, diz.

Com a pandemia, o consumo de lácteos aumentou sob o efeito do auxílio emergencial. Novamente, a demanda maior que a oferta inflacionou os preços dos derivados de leite. E a desvalorização da moeda  brasileira também puxou para cima os custos de produção: grãos para ração, fertilizantes, melhoramento  genético e modernização.

Por enquanto, o aumento nos custos não foi totalmente repassado ao consumidor, afirma o professor Valter.

À medida que as populações globais continuam a crescer, com projeções que estimam um número impressionante de 10 bilhões de pessoas até 2050, os agricultores de todo o mundo enfrentam um imenso desafio: garantir a segurança alimentar para todos.

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