Dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo) apontam que a gasolina está sendo vendida, na média, por R$ 5,40 no país e já pode ser encontrada a menos de R$ 5 em pelo menos 13 estados. Para o leite, não existe um índice nacional consolidado. Mas em SP e no RJ, o leite integral de caixinha ainda é encontrado por quase R$ 8 o litro.
A boa notícia é que os preços do leite devem melhorar a partir de setembro para o consumidor.
O que está acontecendo? De acordo com o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), a cotação média do litro de leite no atacado de São Paulo já caiu quase 17%. Mas ele ainda é encontrado nas prateleiras por R$ 7,59, como é o caso do leite Piracanjuba no site Extra.com. No Carrefour.com.br, o leite Danone, que estava na promoção com 16% de desconto na terça-feira (23), saía por R$ 6,49. Segundo a ANP, a média da gasolina em São Paulo é R$ 5,35.
No supermercado Guanabara, tradicional rede carioca, o leite integral Italac estava sendo vendido a R$ 4,78 cada na promoção, enquanto a média da gasolina no Rio é de R$ 5,44.
Mas por que o leite subiu tanto? Especialistas ouvidos pelo UOL explicam que a produção leiteira envolve um processo complexo e que os preços são justificados por um conjunto de fatores como entressafra, preço dos alimentos e da ração, custo dos fertilizantes e preço do diesel.
Por que existe entressafra do leite? A produção de leite no Brasil é afetada anualmente pela sazonalidade, ou seja, a estiagem característica do inverno dificulta a produção de pastagens —o que leva à necessidade de suplementação no alimento dos animais, explica João Paulo Pacheco Rodrigues, zootecnista e professor de bovinocultura de leite do Instituto de Zootecnia da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro).
Neste ano, diversas regiões do país enfrentaram a pior estiagem dos últimos anos. Menos pasto, menos alimento para as vacas e maior a necessidade de complementar a comida do rebanho.
Por que o preço dos alimentos e da ração influencia o valor do leite? O engenheiro agrônomo da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul Kaliton Prestes destaca ainda a alta no preço da ração, que é feita de milho, trigo e soja.
“É uma atividade que depende da produção agrícola e, neste período, foi produzido um milho com baixíssima qualidade. Tivemos lavouras de milho com perdas de até 100% em safra por causa da falta de chuvas. Os lotes produzidos foram de qualidade ruim, ou seja, com baixo valor nutricional, o que afeta o custo da ração.”
Os especialistas lembram ainda que a guerra da Rússia contra a Ucrânia, dois grandes exportadores de insumos agrícolas, prejudica a oferta de produtos que influenciam na cadeia produtiva do leite.
Fertilizantes também impactam no valor do leite: Os fertilizantes são usados nas plantações que fornecem insumos para ração. O engenheiro agrônomo diz que os preços dos fertilizantes triplicaram, o que também impactou a cadeia produtiva do leite. Prestes afirma que o custo de produção está entre 40% e 50% mais alto.
Qual a relação do preço do diesel com o leite? O diesel é o principal combustível usado tanto nos manejos das propriedades leiteiras, quanto no transporte das fazendas para a indústria. Com o preço elevado, os valores gastos com o combustível acabam sendo repassados para leite e derivados, afirma João Paulo Rodrigues.
Há expectativa de alívio no bolso? De acordo com o zootecnista, a expectativa é de queda para o preço do leite com a chegada da primavera, além do recuo do valor do diesel, verificado recentemente.
A tendência é que aumente a disponibilidade de pastagens para os animais e que a chegada da chuva resulte em maior oferta de leite no mercado, barateando os preços.
Também está havendo importação de produtos lácteos do Mercosul. A entrada de leite da Argentina e Uruguai não paga imposto, e isso aumenta a oferta, reduzindo os preços internos.
O governo poderia ter evitado a alta do leite? O professor da UFRRJ avalia que é necessário focar em políticas públicas aos produtores de leite para evitar os períodos de sazonalidade na produção e minimizar a desistência dos produtores na fabricação.
Segundo o professor, o número de produtores de leite no Brasil vem diminuindo pela dificuldade em obter bons níveis de rentabilidade face aos altos custos de produção.
Ele atribui parcialmente aos produtores a ausência de um planejamento apropriado para o enfrentamento da seca. Com planejamento, seria possível garantir alimentos para o gado o ano todo, evitando a queda na produção neste período.
Isso pode ser atenuado com políticas que estimulem o uso apropriado de tecnologias em diferentes regiões do país, afirma.
Prestes destaca a redução de verbas para os programas de incentivo à agricultura familiar, segmento responsável por mais da metade da produção de leite no país. Ele cita o Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), que possibilita o financiamento nas atividades rurais.
Por que o leite é relevante? Além de ser um alimento importante na mesa do brasileiro e que compõe a cesta básica, o leite tem relevante papel na geração de empregos e renda no país que conta com um pouco mais de 1 milhão de propriedades produtoras.
No entanto, o setor está em alerta. O número de produtores vem se reduzindo ao longo dos últimos 25 anos e isso se explica pela curta margem de lucro por litro de leite e ausência de assistência técnica a pequenos produtores, o que tem impactado a cadeia produtiva.
No Rio Grande do Sul, por exemplo, que consome 40% do leite produzido e envia os outros 60% para demais estados, como SP e RJ, o número de famílias produtoras de leite diminuiu 52% desde 2015, disse Prestes.