A produção de leite de baixo carbono passou a contar com um novo conjunto de diretrizes técnicas no Brasil.
A Embrapa desenvolveu três protocolos específicos voltados à mitigação das emissões de gases de efeito estufa (GEE) na pecuária leiteira e ao aumento do sequestro de carbono no solo, oferecendo ao produtor um roteiro prático para alinhar eficiência produtiva, sustentabilidade ambiental e exigências de mercado.
Os protocolos integram uma publicação técnica lançada pela Embrapa Pecuária Sudeste e são resultado de anos de pesquisa científica aplicada em sistemas tropicais. As diretrizes abordam desde o manejo nutricional e reprodutivo dos animais até práticas de conservação do solo e uso mais eficiente de fertilizantes, com foco direto no avanço do leite de baixo carbono.
Segundo dados do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, referentes a 2022, o setor agropecuário responde por 30,5% das emissões brasileiras de GEE. Desse total, 19% correspondem ao metano, um gás com elevado potencial de aquecimento global. A maior parte dessas emissões tem origem nos bovinos, sendo 86% atribuídas ao rebanho de corte e 11% à pecuária leiteira.
Diante desse cenário, a pesquisadora Patrícia Perondi Anchão Oliveira, da Embrapa Pecuária Sudeste, avalia que a agenda climática deixou de ser periférica e passou a integrar a tomada de decisão dentro das propriedades. Segundo ela, além dos desafios produtivos e econômicos já conhecidos, os produtores enfrentam um ambiente de consumo cada vez mais atento à origem dos alimentos e ao impacto ambiental da produção.
O primeiro protocolo concentra-se na mitigação do metano entérico, emitido principalmente durante a digestão dos ruminantes. A lógica central, segundo a Embrapa, é que animais mais produtivos e bem manejados emitem menos metano por litro de leite produzido, diluindo o impacto ambiental da atividade.
Entre as práticas recomendadas estão a melhoria dos índices zootécnicos, o ajuste fino das dietas, o uso estratégico de aditivos, o manejo adequado das pastagens, a oferta de água de qualidade, além de cuidados com sanidade e bem-estar animal. A pesquisadora destaca que eficiência produtiva e redução de emissões caminham juntas.
Estudos conduzidos pela Embrapa mostram diferenças relevantes entre raças. Vacas holandesas puras, mantidas em pastagens de alta qualidade, emitem cerca de 18,4 gramas de metano por litro de leite, enquanto vacas girolandas podem chegar a 25,3 gramas por litro. A maior produtividade explica grande parte dessa diferença, reforçando a importância da gestão técnica do rebanho.
Simulações feitas com uma calculadora de emissões em desenvolvimento pela Embrapa indicam que falhas nos índices reprodutivos podem elevar as emissões em até 22% por quilo de leite corrigido para gordura e proteína. O dado evidencia, segundo os pesquisadores, que decisões de manejo têm impacto direto na pegada de carbono do leite.
O segundo protocolo aborda a redução das emissões de amônia e óxido nitroso no solo, gases associados principalmente ao uso de fertilizantes nitrogenados e à deposição de dejetos animais. O óxido nitroso, lembra a Embrapa, possui potencial de aquecimento global quase 300 vezes superior ao do dióxido de carbono e pode permanecer na atmosfera por mais de cem anos.
Entre as recomendações estão o uso de leguminosas consorciadas com gramíneas, capazes de fixar nitrogênio biologicamente e reduzir a dependência de fertilizantes químicos. A Embrapa estima que, a cada quilo de fertilizante nitrogenado evitado, deixam de ser emitidos 5,42 quilos de CO₂ apenas no processo industrial de fabricação.
Outras práticas incluem a distribuição mais uniforme dos dejetos, sistemas de lotação rotativa, fertilizantes de eficiência aumentada e técnicas para reduzir a volatilização da ureia, como incorporação ao solo e aplicação sincronizada com chuvas ou irrigação.
O terceiro protocolo trata do manejo do solo voltado ao sequestro de carbono, considerado um pilar da estratégia de leite de baixo carbono. Práticas como plantio direto, adubação verde, recuperação de pastagens degradadas, sistemas integrados e uso de bioinsumos aumentam o estoque de carbono no solo por períodos prolongados.
Pastagens tropicais bem manejadas apresentam elevado potencial de sequestro, inclusive em profundidades superiores a um metro. Em sistemas integrados com árvores, esse efeito é ampliado. Segundo a Embrapa, o crescimento de 52 eucaliptos pode compensar, em um ano, a emissão de uma vaca com produção diária de 26 quilos de leite.
Para o chefe-geral da Embrapa Pecuária Sudeste, Alexandre Berndt, o principal obstáculo à adoção das práticas ainda é o investimento inicial. No entanto, ele ressalta que o ganho de eficiência produtiva e rentabilidade ao longo do tempo tende a viabilizar novos aportes tecnológicos. Políticas públicas como o Plano ABC+ e arranjos envolvendo cooperativas e indústrias de laticínios são apontados como essenciais para acelerar a transição.
Todo esse conhecimento está sistematizado no livro Protocolos de boas práticas para a mitigação de gases do efeito estufa em sistemas de produção de bovinos, lançado em novembro de 2025, com foco em produtores interessados em descarbonizar a produção de leite em condições tropicais.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Canal Rural






