A umbilical relação entre fabricação, inspeção e comercialização.
A comercialização do leite cru e dos seus derivados é um assunto complexo e cheio de nuances, aqui nos atentaremos ao impacto da falta de inspeção oficial em boa parte dos produtos lácteos comercializados em nosso estado.
Primeiramente, são indiscutíveis a qualidade genética e a produtividade do rebanho sergipano, prova disso, segundo o IBGE (2019), Sergipe ocupa a sexta colocação nacional na produção anual por vaca.
Segundo estimativa da Federação de Agricultura e Pecuária do Estado de Sergipe (FAESE), possuímos uma produção diária de leite próxima, ou pouco mais, de 1 milhão de litros.
Dessa produção, aproximadamente 500 a 600 mil litros/dia são processados em dez agroindústrias localizadas em nosso estado, sendo mais de 90% processadas em três estabelecimentos com SIF e o restante em sete unidades com SIE. Ou seja, da produção diária estimada pela FAESE, facilmente concluímos que metade do que se produz de leite diariamente são destinadas, aproximadamente, a 200 fabriquetas informais processadoras de leite cru, sem nenhuma inspeção oficial. (Fonte: MAPA e EMDAGRO).
Para uma melhor compreensão esclarecemos que o Serviço Oficial de Inspeção é responsável por garantir a qualidade e a segurança alimentar dos produtos de origem animal e pode ser: Federal (SIF), Estadual (SIE) e Municipal (SIM). Onde, dentre outras coisas, definem a abrangência territorial da comercialização dos produtos feitos por uma determinada agroindústria, ou seja, quem possui o selo SIF pode vender para todo país, quem tem SIE só vende para o estado de origem e os que possuem SIM só para o seu município.
A responsabilidade de emitir o SIF é do Serviço de Inspeção de produtos de origem animal do MAPA, o SIE é emitido pela EMDAGRO, quanto ao SIM, não se tem nenhum selo emitido por municípios sergipanos.
Ademais, como forma de padronizar os procedimentos de inspeção foi criado o Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal (SISBI-POA), onde os estados e os municípios podem solicitar a equivalência dos seus serviços e, por consequência, os estabelecimentos cadastrados podem comercializar seus produtos para todo o país sem a necessidade de possuir o selo SIF.
Infelizmente, Sergipe, através da EMDAGRO, é o único estado nordestino que ainda não conseguiu aderir ao SISBI, em que pese os recentes esforços à adesão.
Pois bem, alguns dias atrás, minha sogra comprou meio quilo de queijo coalho nessas tradicionais barracas que vendem produtos lácteos nas ruas de Aracaju, só que para nossa surpresa esse veio “recheado” com uma mosca.
Esse fato nos leva a algumas reflexões, dentre elas, vejamos:
Os consumidores têm uma falsa impressão de que produtos vendidos desta forma são mais naturais, chegando até se pensar que quanto mais “furos” tivessem os queijos coalhos melhores seriam, exatamente o contrário, já que os tais “furos” são consequências da formação de gases por fermentação das bactérias coliformes.
Os estabelecimentos inspecionados oficialmente enfrentam fortes dificuldades comerciais em concorrer com os produtos feitos sem nenhuma inspeção, mais sensivelmente sentidas pelas unidades de pequeno porte, as quais, são frutos de espírito empreendedor de quem era, inicialmente, apenas um produtor de leite.
O acesso aos processos de regularização deveria ser mais incentivado e menos burocrático para as chamadas queijarias informais e para aqueles que pretendem começar um empreendimento.
Por tudo que foi exposto, concluímos que é necessária uma ampla campanha de conscientização do consumidor sobre o que é um produto lácteo seguro e saudável; bem como uma maciça empreitada dos órgãos responsáveis pela regularização das fabriquetas informais e, urgentemente, que o estado de Sergipe reestruture e priorize o serviço de defesa e inspeção agropecuária da EMDAGRO, por ser o órgão oficial, o único que pode emitir o selo estadual (SIE).
Entendemos se nada for feito, o produtor de leite ficará cada vez mais com menos alternativa para vender sua produção, já que, uma ora ou outra, por força da lei, essas fabriquetas informais não poderão mais existir, impactando fortemente nas opções de escoamento da produção leiteira e, em especial, na agregação do valor da produção.
Nota: A capacidade de processamento dos três laticínios com SIF é maior do que os 500-600 mil litros/dia, pois também recebem leite produzidos na Bahia e Alagoas.