A preocupação surgiu após uma medida estabelecida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que definiu algumas regras para que o produto seja comercializado.
Uma delas é a obrigatoriedade do uso de leite pasteurizado no processo, ao invés de leite cru.
Só que, diante dessa mudança, muitos produtores de queijo no Espírito Santo e em vários estados perderiam a classificação de “produção artesanal” de seus queijos por usarem leite cru durante o processo de fabricação dos produtos.
A partir disso, técnicos da Secretaria de Agricultura do Espírito Santo (Seag) tentam comprovar a segurança do produto artesanal feito com leite cru e poder continuar produzindo o alimento como manda a tradição da região.
Essas novas regras têm procupado muitos produtores de João Neiva, no Norte do Espírito Santo, um polo na produção desse tipo de alimento. Produtores artesanais da região, inclusive, foram premiados recentemente no 6º Prêmio Queijo Brasil pela “explosão” de sabores proporcionadas pela iguaria.
Pedido dos produtores
Para receber a classificação de artesanal, o queijo precisa ser feito prioritariamente por mãos humanas. Mas, além disso, os queijos de João Neiva utilizam o leite cru, uma medida que já é tradição entre os produtores.
O estudo realizado pela secretaria estadual de Agricultura é uma demanda antiga dos produtores rurais. A caracterização dos queijos vai permitir a criação de uma legislação para regularizar e reconhecer os produtos capixabas e, com isso, os consumidores vão ter mais segurança ao comprar um produto regularizado.
Para isso, técnicos da Seag visitam vários queijeiros, principalmente em João Neiva. A cidade também é conhecida por ter uma rota dos queijos e atrair diversos turistas. A partir das visitas, são feitas anotações e o acompanhamento da produção.
De acordo com o técnico da Seag, Jackson Fernandes, o estudo ainda está no início.
“A gente busca, na verdade, comprovar que a produção do queijo artesanal de João Neiva é segura, porque eles trabalham com leite cru e aí a gente precisa fazer a comprovação de que esse produto, após todo o processamento, é seguro para consumo. Existe também a possibilidade deles ampliarem para o mercado nacional quando eles conseguirem comprovar que o produto deles é seguro, porque artesanal a gente já sabe que ele é. A gente acredita que vamos conseguir comprovar que o queijo de João Neiva é seguro”, pontuou o técnico.
Elda Del Caro é proprietária e produtora de uma queijaria na cidade e trabalha com diversos tipos de queijos há 20 anos. Para ela, a utilização do leite cru é um fator essencial.
“As pessoas vêm aqui no nosso empreendimento. O turista vem para comer um queijo artesanal. Mas, com leite pasteurizando, o sabor é outro. Vamos torcer que, com ese estudo, o nosso queijo continue no mercado”, pontuou Elda.
Manter a tradição
Desde a chegada do leite fresco, o mestre queijeiro Maciel Coutinho acredita que o destaque em todo o processo é a relação entre o queijeiro com a matéria-prima, em todas as etapas, da coalhada até a fermentação e o filamento, quando o queijo ganha forma.
“Tem a parte da coalhagem do leite. Nesse pedaço, ele já passou pelo processo da análise do fermento, fazemos análise do leite também. E depois tem o coalho. Para coalhar, a gente espera meia hora e depois a gente corta a massa. E disso sai o queijo cabacinha, montanhês e muçarela. O processo aqui vai de 1h a 1h30”, disse o queijeiro.
A queijaria da Elda faz parte da rota dos queijos, que fica às margens da BR-259. São mais de nove quilômetros com agroindústrias familiares focadas na produção de queijos artesanais.
A parte da frente da casa da produtora foi transformada em loja, onde vende os mais variados tipos de queijos: montanhês, cavalinho, cabacinha tradicional e recheado e até queijo no vinho.
“A queijaria em si tem mais de 20 anos. Mas aqui, nesse local, a gente faz a venda do queijo, na loja. O casario é centenário. É desde a época do meu bisavô. Ele comprou a casa em 1926. E aí passou para o meu avô. Era um comércio muito grande na época.
A gente reabriu já tem uns seis anos. E é nesse local que a gente recebe os turistas e clientes. A gente vai se aperfeiçoando cada vez mais e introduzindo novos queijos”, comentou a produtora.
O local também abriga um antiquário com peças que contam parte da história da família da Elda e uma área ao ar livre para os clientes degustarem os queijos.
“Meu avô vinha na casa fazer compra e tudo e o dono falava que queria vender a casa. Meu avô escutou, veio com dinheiro e comprou. As pessoas da região, os antigos, eles conhecem toda a história da nossa família e aí porque não abrir? As pessoas vêm aqui não só para comprar o queijo, mas também para conhecer a história”, destacou.
Turismo e economia
Dentro do cenário das agroindústrias familiares do Espírito Santo, as queijarias são as mais presentes e representam 40% do total de estabelecimentos.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o território capixaba contava, em 2017, com 1.763 queijarias em um universo de 4.148 agroindústrias desse porte.
Na rota do queijo artesanal de João Neiva, vários queijos são premiados em concursos nacionais e internacionais. As regiões das montanhas capixabas e do Caparaó também contam com queijarias tradicionais e premiadas.
A cidade de João Neiva se tornou oficialmente um destino gastronômico com o reconhecimento da Rota dos Queijos em 2023. Ela havia sido criada através de um decreto municipal e funcionava há mais de dois anos.