O queijo artesanal australiano enfrenta uma das fases mais desafiadoras de sua história recente, marcada pelo fechamento de renomadas queijarias e pela pressão crescente de produtos importados.
Em abril, a tradicional Section28 Artisan Cheeses, conhecida por seus queijos de estilo alpino, anunciou o encerramento de suas atividades após uma década de atuação. Essa decisão, que resultará na última produção saindo neste mês, gerou apreensão entre consumidores e produtores.
O episódio soma-se a outras perdas recentes no setor. Em janeiro de 2024, a icônica Holy Goat Cheese fechou suas portas, deixando uma lacuna significativa no mercado premium.
Até mesmo a King Island Dairy, referência na Tasmânia, esteve à beira do fechamento, sendo salva de última hora por empresários australianos.
De acordo com Janine Waller, diretora-executiva da Australian Dairy Products Federation (ADPF), um dos principais desafios é o avanço das importações.
Em entrevista à ABC, ela revelou que um quarto dos produtos lácteos vendidos no país no último ano era importado, dificultando a competitividade dos produtores locais que enfrentam custos crescentes de produção.
Para Kym Masters, proprietário da Section28, a decisão de encerrar as atividades foi motivada pela soma de custos elevados e queda nas vendas.
“Tentamos vários modelos para manter o negócio, mas chegamos a um ponto em que os riscos superavam os benefícios”, afirmou. Segundo ele, alternativas como explorar mercados de exportação ou reduzir investimentos em equipe e qualidade foram descartadas. “Não faz parte do que construímos”, acrescentou.
Gerard Callanan, da Lilyarra Artisan Cheeses, localizada na Península Fleurieu, compartilha das mesmas preocupações.
Finalista do prêmio Delicious Harvey Norman Produce 2025, ele defende maior apoio governamental e a importância de associações como a Australian Specialist Cheesemaker’s Association (ASCA), que oferece capacitação e suporte profissional aos pequenos produtores.
“Raramente entramos no negócio com todas as habilidades necessárias. Ter suporte onde faltam competências é fundamental”, ressaltou.
Além do apoio institucional, a conscientização do consumidor é apontada como elemento crucial para a sobrevivência do queijo artesanal australiano. Callanan acredita que ainda há espaço para educar o mercado sobre a qualidade superior desses produtos.
“O consumidor encontra queijos aceitáveis no supermercado, mas quando prova um artesanal, percebe a diferença e entende que vale a pena pagar um pouco mais”, disse.
Alison Lansley, diretora da Long Paddock Cheese e secretária da ASCA, destaca outro ponto: a falta de massa crítica na indústria de queijos artesanais, diferentemente do setor vinícola, que conseguiu se estruturar com maior solidez.
“Quando uma empresa como a Section28 fecha, sentimos o impacto com força porque ainda não temos escala suficiente”, observou.
Apesar das dificuldades, Lansley se diz otimista. Sua empresa, premiada pelo Delicious Harvey Norman Produce Award, também opera uma escola de queijos em Castlemaine, Victoria, incentivando novos empreendedores a entrarem no setor. “A criação é o que nos move. Superar os problemas e oferecer produtos incríveis é o que nos mantém”, disse.
O consenso entre os especialistas é claro: o maior concorrente do queijo artesanal australiano não está dentro do país, mas nas prateleiras ocupadas por queijos importados.
Para os defensores do setor, o caminho para a recuperação passa por políticas que valorizem a produção local e pelo engajamento direto dos consumidores. Comprar queijo australiano, afirmam, é a maneira mais eficaz de preservar essa tradição.
Enquanto isso, a Section28 realiza uma venda online de seus últimos estoques, disponibilizando queijos antes restritos a restaurantes e lojas especializadas.
O desfecho marca o fim de um ciclo para a marca, mas também reacende o debate sobre como garantir a sobrevivência e o crescimento de um dos segmentos mais saborosos e culturais da Austrália.
*Adaptado para eDairyNews, com informações de delicious.com.au
