Nas Terras Altas da Mantiqueira, a mais de mil metros de altitude, o relógio parece correr em outro ritmo. É ali, no pequeno município de Alagoa, sul de Minas Gerais, que o produtor Jayr Martins de Barros mantém viva uma tradição que desafia o tempo e a lógica do mercado: a fabricação artesanal do Queijo de Alagoa, um dos produtos mais emblemáticos do portfólio mineiro.
Feito de leite cru, fermento natural e sal, o queijo passa por um processo de maturação lento, que varia de alguns dias a meses, conferindo textura firme, sabor intenso e aromas que evoluem conforme o tempo de cura. Nada é apressado — e talvez seja justamente essa lentidão o segredo de sua excelência.
Uma rotina que atravessa gerações
O dia começa cedo na Fazenda Serra do Condado. Às cinco da manhã, Jayr inicia a ordenha; antes das oito, as formas já repousam, iniciando o período de descanso. Todo o processo é manual: corte, mexedura, aquecimento e prensagem. Cada detalhe depende da sensibilidade do produtor — algo impossível de automatizar.
Esse conhecimento veio de seu pai e hoje é compartilhado com os filhos. Tatiane, que produz seu próprio queijo artesanal em Aiuruoca, volta sempre que pode para trocar experiências. Flávio, o outro herdeiro, cuida do rebanho. “Não há queijo bom sem leite bom”, repete Jayr, reforçando a conexão entre solo, animal e produto final — um tripé que a indústria muitas vezes ignora.
Mais que queijo: um legado cultural
O Queijo de Alagoa é um patrimônio sensorial e afetivo. Sua identidade reflete o clima de montanha, o capim das pastagens e o jeito mineiro de transformar o simples em arte. Mas não se trata apenas de nostalgia: há uma economia viva por trás dessa tradição. Segundo dados da Emater-MG, dezenas de famílias na região dependem da produção artesanal para sustentar suas propriedades e movimentar o turismo rural.
Com apoio técnico da instituição, produtores aprimoraram o manejo do gado, o controle de qualidade e a maturação, garantindo segurança alimentar sem perder autenticidade. Esse equilíbrio entre tradição e profissionalismo é o que tem levado o Queijo de Alagoa a conquistar prêmios em concursos nacionais e internacionais.
Exportar cultura, não apenas produto
A fama cruzou fronteiras. Queijeiros de várias partes do Brasil e até de outros países visitam Alagoa para aprender as técnicas da família Barros. Jayr recebe todos com simplicidade: “O que a gente aprende, tem que passar adiante”. A frase resume a filosofia de quem vê no queijo não só um alimento, mas uma herança coletiva.
O desafio, no entanto, é manter essa chama acesa em um cenário cada vez mais competitivo. A pressão de grandes laticínios, a burocracia sanitária e o custo de produção ameaçam o futuro de muitos produtores artesanais. Ainda assim, Alagoa segue firme, mostrando que há espaço para o pequeno quando há qualidade e identidade.
O futuro do queijo mineiro
A valorização dos queijos artesanais tem crescido no Brasil, impulsionada por consumidores que buscam origem, autenticidade e sabor real. O Queijo de Alagoa representa esse movimento, colocando Minas Gerais no mapa dos grandes produtores mundiais de queijos de terroir.
Enquanto o mercado se volta para escalas e padronizações, Alagoa ensina que há outro caminho possível: o da resistência artesanal com excelência técnica. Cada peça maturada na serra é uma prova de que tradição e inovação podem, sim, caminhar juntas.
Jayr resume com simplicidade o que muitos chamariam de filosofia de vida: “A gente não faz queijo só com leite. Faz com alma”. E talvez seja justamente isso que o torna tão especial — um produto que carrega a alma de um povo, o sabor da terra e o orgulho de quem nunca desistiu de fazer o melhor.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Globo Rural






