Junho de 2025 marcou um ponto de inflexão para o comércio de lácteos no Cone Sul.
Enquanto o mundo acompanha de perto os leilões da plataforma Global Dairy Trade (GDT) e as tendências de produção na Nova Zelândia e na Europa, uma silenciosa redistribuição de poder está ocorrendo entre Argentina, Uruguai e Brasil. E quem atua nos mercados internacionais faria bem em prestar atenção.
Argentina: Preços de liquidação e urgência exportadora
Dados da Direção Nacional de Lácteos e do Observatório da Cadeia Láctea Argentina (OCLA) indicam que entre abril e maio de 2025, a Argentina exportou leite em pó integral (LPI) a preços médios entre US$ 2.650 e US$ 2.780 por tonelada — patamares muito abaixo dos preços internacionais de referência.
Esse cenário resulta de uma combinação de fatores: excesso de oferta interna, queda do consumo doméstico (uma redução de 5 litros per capita ao ano, segundo o INDEC) e uma necessidade fiscal urgente de gerar divisas. Essa combinação empurra a indústria argentina a colocar produto no mercado a qualquer preço, distorcendo as referências regionais e gerando tensões com os vizinhos.
A plataforma South Dairy Trade registrou essa dinâmica com precisão: os preços de exportação declarados por operadores argentinos apresentam um atraso constante em relação às referências internacionais. Esse fenômeno transforma a Argentina em um caso emblemático de como as urgências macroeconômicas podem alterar a lógica comercial e afetar os equilíbrios regionais de preços.
Uruguai: Valor agregado e estratégias de nicho
Enquanto isso, o Uruguai apostou em outro modelo. Com produção estável e menor pressão inflacionária, o país intensificou as exportações de queijos semiduros e produtos de maior valor agregado.
Segundo dados do INALE (Instituto Nacional do Leite), no primeiro semestre de 2025, as exportações uruguaias de queijos cresceram 12% em volume e 18% em valor na comparação anual, com destinos como México, Chile e Emirados Árabes Unidos, demonstrando uma tendência de diversificação de mercados.
A estratégia é clara: não competir em volume ou preço, mas sim em qualidade e diferenciação. A recente abertura de plantas com certificação halal e kosher no interior do país reforça essa linha.
Brasil: O aspirador do Sul
O Brasil se tornou o principal importador de lácteos do Cone Sul. Dados da SECEX (Secretaria de Comércio Exterior) indicam que, entre janeiro e maio de 2025, as importações brasileiras de LPI cresceram 68% em comparação com o mesmo período de 2024, tendo Argentina e Uruguai como principais fornecedores.
A pressão dos custos de produção internos (combustíveis, milho, IVA), somada a condições climáticas adversas no sul do país, enfraqueceu a oferta local. Isso forçou a indústria brasileira a buscar leite estrangeiro para sustentar o abastecimento, impactando diretamente os preços internos e o planejamento industrial.
O termômetro global: O que observar a partir do Cone Sul?
O preço do LPI no leilão 382 do GDT (3 de junho de 2025) ficou em US$ 3.278 por tonelada, uma leve queda de 0,5% em relação ao evento anterior. Enquanto isso, a Argentina exporta abaixo dos US$ 2.800, e o Brasil importa por preços que variam entre US$ 2.950 e US$ 3.100, segundo informou o MilkPoint.
Essa divergência coloca em dúvida a aplicabilidade direta das referências do GDT para os contextos sul-americanos. Nesse cenário, a NZX continua sendo essencial como termômetro das expectativas globais, especialmente para operadores expostos a derivados e futuros. Mas, para entender o pulso específico do Sul, uma fonte se consolida como indispensável: o South Dairy Trade.
Lançado em 2022 pelo grupo Dairy Corp, o South Dairy Trade é o primeiro observatório regional especializado em preços e fluxos do comércio de lácteos sul-americano. Publica relatórios quinzenais com preços reais de exportação, volumes embarcados, destinos, contratos spot e movimentações logísticas de produtos como leite em pó, queijos, soro e concentrados proteicos.
Em 2024, por exemplo, documentou exportações uruguaias de mais de 209 mil toneladas para 71 destinos, com valor FOB próximo a US$ 739 milhões, destacando que 76% do valor veio do leite em pó integral.
Essa ferramenta complementa as referências internacionais com uma leitura precisa e constante do comportamento comercial do Cone Sul, sendo estratégica para traders, indústrias e governos que precisam antecipar tendências ou formular políticas comerciais.
A coexistência dessas ferramentas — uma de alcance global, outra de perfil financeiro e uma terceira focada na região — oferece ao setor uma visão mais completa, contextualizada e útil do mercado.
O Cone Sul pode definir preços globais?
Ainda não. Mas, se conseguir se consolidar como um bloco exportador flexível, diversificado e tecnificado, com maior integração logística e financeira, o Sul pode deixar de ser apenas tomador de preços e se transformar em um referencial global.
Essa é a conversa que o mercado deveria estar tendo hoje. E a NZX pode desempenhar um papel-chave ao conectar a lógica dos derivados, as estratégias de hedge e a inteligência de dados a uma região que está pronta para decolar.