O queijo pode até enfrentar um declínio de consumo no Reino Unido nos últimos anos, mas um movimento paralelo — discreto, apaixonado e cheio de personalidade — está trazendo de volta variedades antes ignoradas, recolocando no mapa sabores tradicionais, perfis sensoriais ousados e histórias que evocam território e memória.
Em meio à queda geral de 12% no consumo desde 2021, segundo dados citados por analistas britânicos, o interesse renovado por queijos subestimados vem ganhando fôlego, especialmente entre consumidores que buscam experiências mais autênticas.
Enquanto o mercado total encolhe, o segmento premium avança com força. Informações do NIQ Homescan mostram aumento na frequência de compra, no volume e no número de compradores de queijos especiais no período analisado até outubro de 2025.
Para o público britânico, pressionado por inflação e incerteza econômica, o queijo premium tornou-se uma indulgência relativamente acessível, com preços mais estáveis que os de marcas tradicionais. Mas dentro desse universo, algo ainda mais interessante acontece: o ressurgimento dos “queijos esquecidos”.
Para entender esse movimento, a reportagem ouviu o premiado cheesemonger Nick Bayne, da The Fine Cheese Company, que observa diariamente o comportamento dos consumidores diante de balcões cada vez mais curiosos. Ele identifica três grupos de queijos frequentemente negligenciados — mas que agora começam a reconquistar atenção e respeito.
1. Queijos territoriais britânicos: tradição que insiste em sobreviver
Bayne conta que os queijos territoriais britânicos, muitos deles produzidos em pequenas fazendas e com leite cru, ficaram fora de moda por trazerem sabores mais sutis. São queijos que não competem com tendências explosivas; ao contrário, entregam leve acidez, notas delicadas e uma complexidade que se revela aos poucos.
Para o especialista, essa discrição é justamente o charme — e também a razão pela qual foram subestimados. Ele cita nomes como Kirtle’s Lancashire, Applebee’s Cheshire, Charles Martel’s Hinkelboscher, Yordale Winsleydale e o tradicional Sparkenhoe Red Leicester como exemplos de produtos que carregam história, terroir e uma forma de vida rural que muitos britânicos tendem a associar a gerações passadas.
A redescoberta desses queijos tem relação direta com a busca por autenticidade. Em um mundo dominado por produtos processados, consumidores mais atentos voltam a valorizar métodos artesanais, sabores menos óbvios e o vínculo com agricultores locais.
2. Torta-style: o segredo cremoso ibérico que intriga os britânicos
Entre os perfis mais subestimados, Bayne destaca sua paixão declarada pelos queijos de torta, típicos da Extremadura, região espanhola vizinha a Portugal, e também encontrados em áreas montanhosas do lado português.
Com formato semelhante a um bolo e interior quase líquido, esses queijos conquistam consumidores ousados com uma combinação de textura indulgente, aromas pronunciados e complexidade rara.
Segundo Bayne, eles fogem completamente do que o britânico médio espera de um queijo. O visual rústico e a cremosidade exagerada podem assustar num primeiro olhar, mas a recompensa sensorial é intensa: são queijos para comer de colher, perfeitos para quem busca experiências gastronômicas que misturam conforto e decadência.
O renascimento desse estilo no Reino Unido refletiria o apetite crescente por produtos diferenciados, viagens culinárias e sabores vindos da Península Ibérica, sempre muito admirada pela sua tradição queijeira ancestral.
3. Queijos azuis: do medo ao fascínio
Os blues, ou queijos azuis, talvez sejam o caso mais emblemático do preconceito sensorial. Bayne reconhece que muitos consumidores ainda os evitam por causa do visual marcante, do aroma intenso e da fama de “difíceis”. Mas ele defende a tese de que existe “um blue para cada pessoa”, e que o segredo é apenas encontrar o exemplar certo.
Para iniciantes, a jornada normalmente começa no balcão, conversando com especialistas e provando pequenos pedaços até achar o azul que combina com seu paladar.
Bayne ressalta a diversidade dessa categoria: há blues leves e cremosos, outros mais secos e quebradiços, alguns picantes, outros delicados. Esse universo amplo vem seduzindo cada vez mais consumidores, abrindo espaço para queijos britânicos e europeus que antes ficavam esquecidos nas prateleiras.
Um renascimento guiado pela curiosidade
Seja por nostalgia, seja por desejo de explorar novos sabores, o Reino Unido vive um momento especial no mercado de queijos subestimados.
A retomada dessas variedades mostra que nem sempre o produto mais popular é o mais desejado. Muitas vezes, basta um olhar mais atento, uma boa conversa com um cheesemonger e um pouco de coragem para descobrir que um queijo deixado de lado por décadas pode virar protagonista em uma nova geração de mesas.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Dairy Reporter






