Herança das etnias que povoaram a Serra gaúcha, o queijo artesanal, uma tradição que passa de geração em geração desde o final do século 19, está se aperfeiçoando ano a ano. A produção é cada vez mais profissional, o que tem garantido mais qualidade ao produto. Com isso, vem ganhando destaque nos concursos de premiações gastronômicas.
Enquanto o queijo serrano é facilmente associado à região dos Campos de Cima da Serra — é patrimônio imaterial de São Francisco de Paula —, o colonial está diretamente relacionado à Serra. É o que demonstra um estudo elaborado pela Emater e pela Secretaria Estadual da Agricultura. Por isso, a região é considerada uma das principais produtoras do queijo colonial no Estado, assim como outras de povoamento italiano.
— Esse queijo era chamado de formaio. Com a migração para as cidades, as pessoas passaram a chamar de queijo colonial, porque era feito na colônia — explica Bruna Bresolin Roldan, presidente da Associação Gaúcha de Laticinistas e Laticínios e extensionista da Emater.
No estudo, as pesquisadoras se debruçaram em cima do perfil do produtor e as características do queijo. Elas identificaram uma baixa escolaridade entre os produtores: mais de 50% têm Ensino Fundamental incompleto. A faixa etária é de 49 anos e a maioria das queijarias tem mulheres na fabricação — responsáveis historicamente pela manutenção da casa e dos pomares, também são responsáveis pela ordenha das vacas e produção dos queijos, segundo Bruna.
Quanto ao processo de fabricação, o estudo aponta que o queijo é feito majoritariamente no formato redondo e pesa pesa em torno de 1,2 quilo. Ele tem em média, nove dias de maturação, ou seja, é um queijo com pouca maturação. Como é feito com apenas três ingredientes — leite, coalho e sal —, é visto pelos consumidores como um queijo mais natural e mais saudável, já que não tem adição de conservantes e outros produtos.
— O queijo merece ser visto em maior profundidade porque tem uma importância na sociedade gaúcha que até então parece negligenciada. Na maior parte das vezes, é vendido em circuitos curtos, direto na propriedade, em feiras. Não participa de cadeias maiores de comercialização. Mas tem uma importância econômica e social muito grande — frisa Bruna.
No caso do queijo serrano, um dos exemplos vem de São Francisco de Paula. A receita é centenária. Começou com o bisavô de José Luiz Marques Cardoso, em 1908, no interior do município, e atravessou gerações. O queijo da família leva apenas leite cru, coalho e sal, mas foi sendo aperfeiçoado e conquistou nos últimos anos diversas premiações, inclusive internacionais, tornando a Sopro do Minuano, queijaria de Cazuza Ferreira, uma referência. O prêmio mais recente foi o de melhor queijo do 1º Concurso Regional de Queijos Artesanais em Caxias do Sul, no início do mês.
A peça premiada tinha 110 dias de maturação o que, segundo Cardoso, pode ter sido fundamental para garantir o troféu.
— Isso (longa maturação) agrega aroma, sabor e qualidade ao queijo. A gente tem uma maturação na tábua, sem refrigeração, com temperatura ambiente — explica Cardoso, acrescentando que o leite é de vacas com pastagem nativa.
Cada queijo feito por Cardoso e pela esposa Inês tem cerca de 4,2 quilos. São formas redondas vendidas principalmente para Caxias do Sul, Porto Alegre, Cambará, Rio de Janeiro, São Paulo. A fabricação artesanal rende de sete a oito quilos por dia, mas no inverno aumenta por causa da maior produção de leite. A meta é chegar em um ano à produção de 25 quilos de queijo por dia.
— A premiação no concurso de Caxias foi muito importante porque valorizou o nosso trabalho. Sempre tivemos alguma premiação e agora essa nos fortalece porque é a nossa região. Temos grandes produtores na região e a gente conseguiu essa valorização. É uma satisfação — destaca Cardoso.
Formalização do produto
Embora a fabricação de queijo na família esteja completando 115 anos, a formalização só veio em 2017. O casal participou de capacitações e, com o apoio da Emater, conseguiu regularizar a queijaria que fica na localidade de Potreiros.
— Eu e a Inês trabalhamos nisso desde que casamos, há 43 anos, mas trabalhamos muito tempo informal. A Emater, nosso braço direito, nos trouxe conhecimento. Veio a legislação e nós aperfeiçoamos nosso trabalho e passamos a trabalhar dentro da lei. Agregou valor ao nosso produto e a gente tem segurança no que faz — ressalta Cardoso.
O produtor destaca ainda que os cursos ajudaram a ter maior controle sobre o trabalho. Eles passaram a fazer anotações e estudos para aprimorar o queijo da família e garantir maior eficiência no processo. A produção, mesmo artesanal com cada peça única, tem sido equilibrada, ou seja, peças muito parecidas.
— Temos dificuldade de logística e transporte. Para cidades mais perto, usamos caixa de papelão para o envio, e para mais longe caixas de isopor, mas aumenta custos. A gente tem a preocupação que o queijo chegue no destino como foi embalado — diz.
Melhor colonial e melhor parmesão
De uma produção para consumo próprio até a uma variedade de 12 tipos de queijos. Essa é a trajetória da Queijaria Somacal, de Farroupilha. Criada em 2008, ela fabrica atualmente 300 quilos por dia. Mais da metade é colonial, o primeiro a ser desenvolvido pela agroindústria. Foi o queijo colonial maturado 90 dias, aliás, o premiado no concurso regional de Caxias do Sul.
— É um queijo com maior maturação. Vai maturando nas tábuas, tem uma cura maior, vai ressaltando o sabor — explica Marcelo Somacal, proprietário da queijaria ao lado da esposa Sirlei.
— A gente não tira a gordura do queijo, não desnata o leite, fazemos o integral. É mais gordo, mas o queijo fica mais macio, mais cremoso, amanteigado. Não fica um queijo seco — acrescenta.
O processo vale também para o parmesão, igualmente premiado no concurso regional, na categoria autoral. A gordura não é retirada e ele não fica tão duro. A maturação, no caso do parmesão, é de seis meses.
— É bem aromático, com sabor intenso — diz Somacal.
Esse queijo venceu um concurso internacional realizado no ano passado em Minas Gerais assim como o colonial ao vinho da agroindústria.
A Somacal vende para todo o Estado. Em Caxias, o queijo está nas prateleiras das principais lojas especializadas. A família também participa de feiras — recentemente, estava na Expoagro Afubra, em Rio Pardo. O contato direto com os consumidores permite, segundo Marcelo, tirar um termômetro da qualidade dos produtos:
— A gente percebe que o público gosta do nosso queijo. O queijo artesanal está na vitrine, está em alta.
Há cerca de dois meses, a Somacal recebeu o selo artesanal de queijo colonial e poderá vender para todo o país. A queijaria premiada tem quatro colaboradores e oferece um varejo próximo ao Santuário de Caravaggio.
— Não é que você vai ganhar sempre, mas se você participa e ganha, é importante. Sempre ajuda a divulgar a marca. É uma prova que o trabalho está sendo bem feito — orgulha-se.
Memória afetiva
Catia Pasquali Perini nasceu no interior de Caxias do Sul e, como grande parte dos jovens da colônia, foi para a cidade quando chegou a hora de cursar uma faculdade. Formou-se em Ciências Contábeis, mas nunca exerceu. As lembranças da infância no campo foram sempre muito fortes e falaram tão alto que ela voltou para a propriedade da família em Vila Seca.
Retornou como produtora de leite, mas o desejo mesmo era fazer queijos, assim como os pais quando ela era criança:
— Para mim, tem uma memória afetiva. Lembro da sala dos queijos, do aroma, da ordenha das vacas. Fez parte da minha infância, vivenciei isso com a minha família, claro, em pequena escala.
Há dois anos, Catia Perini abriu, então, a queijaria Monterra, na mesma propriedade onde cresceu. Foi a realização de um sonho que ela imaginava para somente após a aposentadoria. E, em pouco tempo, já foi reconhecida pela produção: ganhou três ouros e um super ouro no concurso estadual de melhores queijos do ano passado. No concurso regional realizado em Caxias, recebeu terceiro lugar na categoria colonial com o queijo maturado 90 dias.
— Usamos o leite do dia. As vacas ficam soltas, sem alimentam da flora nativa e o queijo é feito logo após a ordenha. Acho que faz toda a diferença. Fiquei surpresa com as premiações, mas feliz, porque mostra que estou no caminho — comemora.
Embora tenha crescido vendo os pais produzindo queijo, a receita da Monterra não é de família. Catia desenvolveu sua própria receita e vem aprimorando. Começou fabricando cinco quilos por dia e hoje a média diária fica entre 70 e 80 quilos.
_ Não quero aumentar a escala de produção, porque quero manter a qualidade. Não utilizo todo o leite produzido no dia e o que sobra, prefiro vender, não armazeno _ destaca.
A Monterra vende para outras cidades, como Porto Alegre, e estados como São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Mas os principais clientes são os empórios de Caxias do Sul.
Saiba mais
- O 1º Concurso Regional de Queijos Artesanais em Caxias do Sul também premiou a Queijaria Tradição, de Nova Petrópolis; a a Agroindústria Bolicho do Chapéu, de São Francisco de Paula; a Queijaria 4 Es, de Jaquirana; e a Queijaria Cichelero, de Carlos Barbosa.
- Será lançado, na próxima quinta-feira (30), em Porto Alegre, o 2º Concurso de Queijos Artesanais do Rio Grande do Sul.
NO ESTADO
- 532 famílias estão cadastradas no programa estadual de agroindústrias de fabricação de laticínios.
- Na regional de Caxias do Sul da Emater/RS-Ascar (que reúne 50 municípios), são 30 agroindústrias formalizadas.
Fonte: Emater
CAXIAS
- São três agroindústrias: Monterra Queijos, Bolson & Camêlo e Agroindústria Rosa.
- A Agroindústria Rosa produz queijo colonial. A Bolson & Camelo colonial, serrano e os autorais (temperados).
- A produção anual é de 42.362 quilos.
- A Monterra conquistou o terceiro lugar no Concurso Regional de Queijos Artesanais em Caxias do Sul com o queijo colonial maturado 90 dias.
Fonte: Secretaria da Agricultura de Caxias do Sul
FARROUPILHA
- São duas agroindústrias formalizadas.
- A Queijaria Somacal produz cerca de 66 mil quilos por ano.
- A Queijaria Cambruzzi fabrica 2 mil quilos anuais.
Fonte: assessoria de imprensa da prefeitura de Farroupilha
SÃO FRANCISCO DE PAULA
- São três agroindústrias formalizadas.
- A Sopro do Minuano produz, atualmente, entre sete e oito quilos de queijo por dia.
- A Bolicho do Chapéu tem produção diária de três quilos. A queijaria produz doce de leite também.
- A São Francisco é a única que produz queijo colonial e em escala industrial.
Fonte: Emater de São Francisco de Paula
Diferenças
QUEIJO COLONIAL
- Elaborado em diversas partes da região sul do Brasil, incluindo todo o Rio Grande do Sul.
- Utiliza matéria-prima de gado leiteiro, sendo as raças mais comuns a holandesa e a jersey.
- Alimento do gado leiteiro não tem restrições, podendo ser até mesmo ração.
- Tempo de maturação de cerca de nove dias.
QUEIJO SERRANO
- Produção restrita a 16 municípios gaúchos e 18 de Santa Catarina.
- Feito a partir do leite cru de raças de corte ou mistas, das quais se produz tanto carne quanto leite.
- Gado se alimenta apenas com pastagem do campo.
- Tempo de maturação é de 60 dias.