AAssociação Nacional dos Industriais de Laticínios (ANIL) alerta que o setor está “no meio de uma tempestade perfeita”, tendo em conta que a escala dos custos de produção provocada pela guerra na Ucrânia veio juntar-se os fatores conjunturais que têm vindo a penalizar a indústria. Em declarações ao ECO, a diretora-geral desta associação acusa as cadeias de distribuição de não repercutir nos seus preços de venda ao público os aumentos dos custos de produção de leite e pede um aperto na fiscalização.
“As perspetivas para o setor não são animadoras. Os fatores conjunturais e estruturais têm vindo a agravar-se há muito tempo. Já no ano passado tivemos um evoluir desta situação também agravada pela crise pandémica e pelas consequentes interrupções das cadeias de abastecimento, mas com o atual conflito bélico estamos, neste momento, no meio de uma tempestade perfeita”, sinaliza Maria Cândida Marramaque, diretora-geral da ANIL, em declarações ao ECO.
Com a invasão russa à Ucrânia, os custos de produção da produção de leite e derivados agravaram-se à boleia do aumentos do preços da matéria-prima, da energia e dos transportes. Tendo a montante os produtores e a jusante a distribuição, os industriais de laticínios dizem que estão “completamente estrangulados”, dado que não estão a conseguir repercutir os aumentos dos custos de produção para as cadeias de distribuição. “O bloqueio que existe ao nível das negociações com a grande distribuição traduz-se num enorme desequilíbrio“, lamenta a diretora-geral da ANIL, alertando que esta situação poderá levar a que se perca a capacidade de produzir leite, bem como a “capacidade de transformar o leite nos diferentes produtos lácteos”.
“Tendo em conta os aumentos de custos dos fatores de produção, o preço médio que pagamos ao produtor já estará nos 40 cêntimos por litro de leite em abril. Se pensarmos que a embalagem custa mais de 10 cêntimos, o custo ascende aos 50 cêntimos e neste momento temos marcas de distribuição nas superfícies comerciais a vender leite a 54 cêntimos. Sobram-nos quatro cêntimos (…) estes quatro cêntimos não chegam efetivamente para suportar a cadeia“, alerta Maria Cândida Marramaque.
Apesar de referir que não consegue adiantar um “valor justo”, dado que o preço do leite depende “de cada um dos produtores”, bem como da sua dimensão, a diretora-geral da ANIL defende que deve haver um aumento de preços por parte das cadeias de distribuição. “Sentimos como que um bloqueio enorme à progressão de todo o setor. O maior custo da indústria de laticínios é efetivamente o leite. Ora, se estamos a remunerar melhor os produtores temos que ir buscar essa remuneração também“, afirma.
Além do leite, a diretora-geral destaca que “estão em causa os preços de todos os laticínios”, pedindo, por isso, um “equilíbrio da cadeia”. Ainda assim, Maria Cândida Marramaque afasta uma intervenção do Governo, referindo que já “existem ferramentas que permitem quer ao nível da fiscalização, quer ao nível das relações comerciais” solucionar o problema. “É preciso é haver vontade”, diz, ao ECO.
“As empresas vão fazendo as suas negociações, têm os seus contratos, mas este ano ninguém consegue, face ao momento que vivemos, dar um preço para um ano. Por isso, se não houver por parte da grande distribuição aceitação disto é muito difícil a indústria continuar a laborar”, conclui.
Nos últimos anos, tem havido um decréscimo dos produtores de leite, e, consequentemente da produção em Portugal. Segundo os dados cedidos pela ANIL, entre fevereiro de 2018 e fevereiro de 2022, 985 explorações agrícolas de leite fecharam portas, havendo atualmente cerca de 3.811 produtores de leite em Portugal, dos quais mais de 2.000 estão nos Açores.
Em termos de volume de leite recolhido, e de acordo com os dados do INE, o ano de 2021 fechou já com um decréscimo 0,7% face a 2020, sendo que no arranque deste ano tem mantido a tendência. Entre janeiro e fevereiro foram produzidas menos cerca de 4.0000 toneladas de leite, o que representa um decréscimo de 1,4%, face ao período homólogo.