O setor lácteo europeu avança para uma transformação estrutural que deve marcar profundamente a próxima década.
A lógica do crescimento baseado em volume perde espaço para uma estratégia centrada na geração de valor, na diferenciação de produtos e na adaptação a exigências ambientais cada vez mais rigorosas. Essa mudança de eixo foi destacada durante as Jornadas Agroalimentares realizadas recentemente em Bruxelas, onde especialistas, representantes da indústria e formuladores de políticas discutiram os rumos do setor até 2035.
Segundo as análises apresentadas no encontro, o futuro do setor lácteo europeu não estará atrelado a aumentos expressivos da produção de leite, mas à capacidade de transformar matéria-prima em produtos de maior valor agregado. Ingredientes lácteos, proteínas, gorduras especiais, alimentos funcionais e produtos com certificação de origem e rastreabilidade tendem a ganhar protagonismo tanto no mercado interno quanto nas exportações.
Essa mudança de perfil também redefine o padrão de investimentos ao longo da cadeia. Em vez da ampliação pura da capacidade produtiva, ganham espaço projetos voltados à eficiência operacional, inovação tecnológica, redução da pegada ambiental e desenvolvimento de novas categorias. A busca por competitividade passa, cada vez mais, pela agregação de valor e não pelo aumento do volume.
No campo dos preços, as projeções indicam que o valor do leite ao produtor na União Europeia deverá se manter relativamente elevado no médio e longo prazo. Esse cenário é sustentado pela demanda consistente por produtos de maior valor agregado e pela limitação estrutural da oferta. No entanto, especialistas alertam que a estabilidade conviverá com episódios frequentes de volatilidade, influenciados por fatores climáticos, custos de energia, logística e alimentação animal.
Diante desse ambiente mais instável, produtores e indústrias são pressionados a adotar ferramentas de gestão de risco mais sofisticadas e modelos produtivos mais resilientes. A previsibilidade deixa de ser a regra, e a capacidade de adaptação passa a ser um diferencial estratégico.
A geopolítica e o clima surgem como fatores estruturais incontornáveis na trajetória do setor lácteo europeu até 2035. Tensões comerciais, conflitos regionais e mudanças nas relações internacionais continuam afetando o fluxo de comércio e o acesso a insumos estratégicos. Ao mesmo tempo, os impactos do aquecimento global já se fazem sentir na produção forrageira, no bem-estar animal e na qualidade do leite.
Essas variáveis aceleram a adoção de práticas sustentáveis e sistemas produtivos mais adaptativos em toda a cadeia. A sustentabilidade deixa de ser um atributo opcional e se consolida como condição básica de competitividade. Regulamentações ambientais mais rígidas, pressão da sociedade e novas preferências dos consumidores obrigam o setor a reduzir emissões, otimizar recursos naturais e melhorar a eficiência energética.
No cenário da demanda global, o crescimento do consumo de lácteos deve se concentrar nos mercados emergentes, especialmente no Sudeste Asiático, no Oriente Médio e no Norte da África. O avanço populacional, a urbanização e o aumento da renda nesses países ampliam o espaço para produtos lácteos, abrindo oportunidades relevantes para a União Europeia.
Entretanto, grandes importadores, como a China, seguem fortalecendo sua produção doméstica, o que pode limitar o ritmo de expansão das importações em alguns segmentos. Ainda assim, analistas avaliam que a qualidade, a segurança alimentar e a diversidade do portfólio europeu seguem como diferenciais competitivos importantes.
Nesse contexto, os queijos permanecem como um dos principais pilares do comércio exterior do setor lácteo europeu. A ampla variedade de estilos, denominações de origem e níveis de qualidade sustenta a posição da União Europeia como líder global nas exportações desse produto. Paralelamente, os derivados do soro despontam como um dos segmentos de maior potencial de crescimento, impulsionados pela demanda por nutrição esportiva, alimentos funcionais e ingredientes industriais.
A evolução dos hábitos alimentares também pressiona por inovação. Consumidores buscam produtos com maior teor de proteínas, menor lactose, formatos mais práticos e soluções direcionadas a públicos específicos. O desafio para o setor será equilibrar tradição e inovação, incorporando ciência e tecnologia sem perder identidade.
O horizonte até 2035 aponta para um setor mais complexo, segmentado e orientado ao valor. O setor lácteo europeu não deverá viver grandes saltos produtivos, mas sim uma década marcada pela capacidade de adaptação, diferenciação e resiliência de produtores e indústrias diante de um ambiente global cada vez mais desafiador.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de EDairyNews Español






