As salvaguardas aprovadas pelo Parlamento Europeu nesta segunda-feira reacenderam tensões diplomáticas e colocaram em xeque a reta final do acordo de livre-comércio entre União Europeia e Mercosul, cuja assinatura está prevista para 20 de dezembro em Brasília. Segundo avaliações feitas tanto em capitais europeias quanto no governo brasileiro, o novo mecanismo restringe ainda mais o já limitado espaço para expansão das exportações agrícolas do bloco sul-americano.
A decisão foi tomada pelo Comitê de Comércio Internacional do Parlamento Europeu, que aprovou o mecanismo por ampla margem: 27 votos favoráveis e apenas oito contrários. Pelo texto validado, a UE ganha instrumentos adicionais para suspender reduções tarifárias concedidas ao Mercosul caso identifique que a entrada de produtos agrícolas do bloco “prejudica” os produtores europeus.
Diplomatas ouvidos por jornalistas em Bruxelas observaram que o resultado do comitê tende a se repetir no plenário, que votará o tema na próxima terça-feira, dia 16.
Em Brasília, a notícia foi recebida com forte preocupação. Altos funcionários brasileiros admitem que a reação interna foi imediata, com a avaliação de que a UE tenta modificar substancialmente o equilíbrio negociado ao longo de duas décadas de conversas. Fontes relatam que a posição brasileira é de resistência à inclusão das salvaguardas, consideradas uma barreira adicional num acordo marcado por concessões assimétricas para o setor agrícola.
O mecanismo europeu não surge isolado. Ele responde, sobretudo, à pressão de países que historicamente resistem à abertura do mercado agropecuário, como França, Polônia, Irlanda e Itália. Esses governos enfrentam lobbies agrícolas influentes e vêm insistindo para que o pacto com o Mercosul contenha proteções mais robustas a seus produtores. A Comissão Europeia, braço executivo da UE, apresentou então uma proposta que permite suspender benefícios caso determinadas condições de mercado sejam atingidas.
A versão aprovada pelo comitê ampliou as travas. O texto estabelece que investigações comerciais poderão ser abertas automaticamente se, ao longo de três anos, as exportações de produtos considerados sensíveis — como carne bovina, aves e suínos — crescerem, em média, 5%. Outro gatilho ocorre se os preços internos europeus para esses mesmos produtos caírem 5% no mesmo período.
Especialistas do setor agrícola do Mercosul afirmam que tais percentuais são facilmente alcançáveis em mercados voláteis, o que transformaria o mecanismo num instrumento quase permanente de pressão. A leitura é de que as salvaguardas criam um ambiente de imprevisibilidade, reduzindo a atratividade do acordo para exportadores do Cone Sul.
As cotas anuais previstas no pacto já eram limitadas: 99 mil toneladas de carne bovina, 180 mil toneladas de carne de frango, 25 mil toneladas de carne suína, 180 mil toneladas de açúcar e 30 mil toneladas de queijos. Para um alto funcionário brasileiro ouvido reservadamente, se nem essas cotas reduzidas puderem ser utilizadas plenamente, o acordo perde sentido para parte relevante do agronegócio regional.
A tensão cresce porque o cronograma político é apertado. No dia 18 de dezembro, dois dias antes da cerimônia de assinatura, o Conselho Europeu — formado pelos chefes de governo dos 27 Estados-membros — fará a deliberação final. Para aprovar o tratado, o colegiado precisa de 55% dos países, representando pelo menos 65% da população do bloco. Com várias nações mantendo posições ambíguas ou contrárias, o clima de incerteza ganhou força nas últimas horas.
Diplomatas europeus consultados avaliam, contudo, que o voto expressivo no comitê ajuda a acomodar resistências internas, enviando o sinal de que o Parlamento está disposto a dar respaldo à Comissão Europeia. Ainda assim, esse movimento não elimina o risco de um impasse de última hora, sobretudo se o Brasil endurecer o discurso ao interpretar as salvaguardas como desequilíbrio estrutural no acesso ao mercado europeu.
Para observadores experientes das negociações, o tabuleiro político indica que os próximos dias serão de intensa diplomacia. Enquanto a UE tenta atender pressões agrícolas internas sem inviabilizar o acordo, o Mercosul busca preservar as poucas conquistas que obteve na área que mais lhe interessa: o mercado agropecuário. Entre salvaguardas ampliadas e cotas reduzidas, cresce a percepção de que o futuro do pacto — após vinte anos de tratativas — pode depender de ajustes delicados de última hora.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de CNN Brasil






