As versões “tipo” de lácteos — como bebidas e misturas lácteas — vêm ganhando espaço nas prateleiras brasileiras, atraindo consumidores pelo preço mais baixo. Mas, segundo especialistas, essas alternativas sacrificam a qualidade nutricional em troca de custos menores, confundindo quem busca produtos saudáveis e autênticos.
No Paraná, a doméstica Jaqueline Moraes se deparou com uma prateleira de produtos que pareciam semelhantes: misturas lácteas a R$ 3,00 e leite condensado tradicional ao dobro do preço. A escolha, como a de muitos brasileiros, recaiu sobre o mais barato.
O mesmo acontece com iogurtes e bebidas lácteas, que frequentemente aparecem lado a lado nos supermercados, levando o consumidor a acreditar que se trata do mesmo tipo de alimento.
A nutricionista Fernanda Mattos explica que as bebidas e misturas lácteas substituem total ou parcialmente o leite por componentes como soro de leite, subproduto da fabricação de queijos. “O custo cai, mas o valor nutricional também”, afirma.
O soro de leite, embora aproveitável, não contém os mesmos nutrientes do leite integral — especialmente proteínas, cálcio e vitaminas lipossolúveis.
Além de reduzir custos, algumas indústrias alteram a formulação para enquadrar-se em categorias tributárias diferentes, pagando menos impostos. “Há empresas que mudam embalagens e nomes para fugir da tributação de determinados produtos”, acrescenta Mattos.
Um fenômeno que se espalha pelas prateleiras
A diferença entre o “tipo” e o original não se limita ao setor lácteo. Linguiças, sucos e biscoitos também aparecem em versões que imitam os produtos tradicionais, mas com composições alteradas e uso intensivo de aditivos químicos para reproduzir sabor e textura.
No caso dos lácteos, o impacto é particularmente preocupante. O leite e seus derivados autênticos — como o iogurte e o leite condensado — são fontes ricas de cálcio, proteínas de alto valor biológico e probióticos. Já as bebidas lácteas, em muitos casos, perdem esses benefícios ao incluir espessantes, aromatizantes e açúcares em excesso.
A dona de casa Narcele Guimarães resume o dilema: “É o que dá para comprar”. Com o orçamento apertado, ela opta pelas bebidas lácteas para os filhos, mesmo sem saber exatamente a diferença em relação ao iogurte.
O aposentado Rodolfo Martinscoski dos Santos vive situação semelhante. Procurando uma linguiça calabresa tradicional, só encontrou a versão “tipo” nas gôndolas. “Queria o original, mas não tinha”, relata.
O que dizem as indústrias
Procuradas, grandes marcas do setor como Aurora, Perdigão e Tirol foram questionadas sobre a diferença entre iogurtes e bebidas lácteas. Apenas a Tirol respondeu oficialmente:
“O iogurte é produzido pela fermentação do leite, processo que confere textura cremosa e sabor característico, sendo uma ótima fonte de proteínas, cálcio e probióticos”, afirmou a empresa.
“Já as bebidas lácteas podem conter leite ou soro de leite, além de açúcares, amidos e aromatizantes, com menor teor de nutrientes e ausência de culturas vivas em muitos casos.”
As demais empresas não responderam aos questionamentos até o fechamento desta reportagem.
O alerta dos nutricionistas
Para especialistas, o problema central é a falta de clareza nas embalagens e a disposição dos produtos nas prateleiras, que podem induzir o consumidor ao erro.
“Os produtos ‘tipo’ não são ilegais, mas deveriam ser claramente diferenciados. É uma questão de transparência”, defende Mattos. Ela reforça que o consumo eventual não traz grandes riscos, mas o uso contínuo de alimentos ultraprocessados pode impactar a saúde a longo prazo.
Enquanto os preços seguem pressionando o orçamento das famílias brasileiras, a escolha entre qualidade e acessibilidade torna-se um dilema diário. O consumidor, muitas vezes sem tempo ou conhecimento técnico, acaba levando para casa imitações de leite que entregam menos nutrientes e mais aditivos.
A orientação dos especialistas é simples: ler o rótulo. Se o leite foi substituído por soro, amido ou gordura vegetal, o produto não é o mesmo — mesmo que o preço e a aparência convençam do contrário.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Periódico