A frase “não está fácil para ninguém” nunca pode ser aplicada com tamanha clareza ao setor leiteiro como agora.
Produção de leite caiu e setor vive crise sem precedentes (Foto: Marcello Casal Jr/ABr)

A frase “não está fácil para ninguém” nunca pode ser aplicada com tamanha clareza ao setor leiteiro como agora. Todos os elos da cadeia – produtores, indústrias, varejo e consumidores – enfrentam uma crise sem precedentes, segundo o setor, com queda na produção, nos valores recebidos e no consumo.

As indústrias do país devem deixar de vender até 500 milhões de litros de leite em 2021, o que, se confirmado, representa uma queda de cerca de 7% em relação aos 7 bilhões de litros comercializados no ano passado, segundo a ABLV (Associação Brasileira da Indústria de Lácteos Longa Vida).

Só que o cenário pode ser ainda pior nos próximos meses, já que atualmente a queda no consumo está entre 8% e 10%, num cenário que se agrava desde agosto e que gera incertezas para os próximos meses.

“É um número completamente fora dos padrões, nunca tínhamos visto, é assustador, porque como produto básico, [o leite] não sofre mudanças bruscas de consumo. É a maior crise que já enfrentamos, de longe. Nos últimos 50 anos não houve um momento tão difícil como agora”, afirmou o presidente da ABLV, Laércio Barbosa.

A deterioração do poder de compra dos consumidores – devido à inflação alta, ao desemprego e ao atraso na aprovação de medidas emergenciais de auxílio à população – é o principal motivo visto pelo mercado para o cenário.

Os preços subiram no decorrer do ano para os elos envolvidos na cadeia, mas não deixaram ninguém contente. Agora, começaram a cair, impulsionados pelo aumento da oferta no período, maior estoque nos laticínios e queda no consumo, o que deixa produtores ainda mais preocupados.

Para os consumidores, o preço do litro do leite longa vida acumulou alta de 4,18% de janeiro a outubro, segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), mas outros derivados subiram muito mais.

O leite condensado teve alta de 4,78% e o leite em pó, de 6,98%. Queijos subiram 14,37%, atrás de iogurtes (14,63%) e requeijão (16,50%).

Já o preço do leite captado em outubro e pago aos pecuaristas em novembro encolheu 6,2% e fez a média no país chegar a R$ 2,1857, 2,5% menos em termos reais, já descontada a inflação, que o mesmo mês do ano passado, segundo o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP.

Com essa queda, a segunda seguida no campo, o acumulado de 2021 está negativo em 5%, também já descontada a inflação do período. “Todas as commodities e insumos estão em alta, menos o leite. Fertilizantes, combustíveis, medicamentos, tudo subiu desproporcionalmente em relação ao leite, então não poderia haver uma baixa nesse momento”, disse o pecuarista Geraldo Borges, presidente da Abraleite (Associação Brasileira dos Produtores de Leite).

A avaliação do mercado e de pesquisadores é que, mesmo com a volta das chuvas, que melhoram as pastagens, a produção de leite segue limitada pela alta dos custos e desinvestimentos na atividade.

“Os aumentos não se traduziram em rentabilidade a ninguém, nem produtor, nem indústria, muito menos o consumidor”, disse Natália Grigol, pesquisadora da área de leite do Cepea.

De acordo com ela, itens como alimentação dos animais, insumos (adubos e corretivos) e suplementação mineral subiram por conta do patamar cambial.

“Os produtos com matéria-prima importada subiram e a desvalorização do real também acaba influenciando as vendas externas de grãos. Para os produtores de grãos é interessante, só que isso diminui a disponibilidade interna desses grãos, o que eleva o preço para produtores de leite, suínos e aves”, disse Grigol.

O clima, marcado por seca extrema e geadas em 2021, também não ajudou o produtor de leite, pois deteriorou pastagens. “O custo aumenta mais que o preço ao produtor, e o preço ao produtor aumenta mais que o preço dos derivados lácteos, porque temos na ponta o consumidor brasileiro com o poder de compra totalmente em frangalhos”.

Para a pesquisadora, a previsão é que dezembro tenha retração nos valores, apesar das festas de fim de ano, e a variável que deve determinar o caminho dos preços deve ser a demanda, que não deve crescer ao ponto de reverter o movimento de queda.

Segundo o Centro de Inteligência do Leite da Embrapa, dados preliminares de captação de leite mostraram um resultado abaixo do registrado em 2020 para o terceiro trimestre, com redução de 5%, o que indicaria que o aperto nas margens do produtor está afetando a produção. E, com esse cenário, as perspectivas apontadas pelo presidente da ABLV para o início do próximo ano não são animadoras.

“O poder de compra do consumidor está se deteriorando, a inflação continua, não vemos perspectiva. O país está melhorando, arrumando empregos, mas em número menor que o necessário. O atraso na aprovação do novo auxílio também foi um problema. Se produto básico como o leite está assim, está fazendo estragos em outros setores também”, disse Barbosa.

Pecuaristas pregam incentivo às exportações, desoneração do setor e, também, maior controle das importações como formas de auxiliar o setor. “O volume importado anualmente não prejudica, é de cerca de 5% do total, mas quando temos surtos de importação, com um volume grande de uma vez, gera desequilíbrio”, afirmou Borges.

Sobre os 500 milhões de litros de leite que não devem passar pela indústria neste ano, o executivo da ABLV diz que as indústrias estão direcionando para outros produtos que tenham mais facilidade de estocagem, como leite em pó, leite condensado e queijos – embora também estejam com queda nas vendas – e que as importações foram reduzidas.

“O que notamos é que o Brasil diminuiu bastante a importação, 30% menor que em 2020. Como estamos com sobra de leite nacional, o consumo caiu e precisa importar menos. O equilíbrio vai por esse lado, importando menos e destinando o excedente para outros produtos que estão forçando estoque maior”.

À medida que as populações globais continuam a crescer, com projeções que estimam um número impressionante de 10 bilhões de pessoas até 2050, os agricultores de todo o mundo enfrentam um imenso desafio: garantir a segurança alimentar para todos.

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