Queijo foi o centro de uma polêmica em Ribeirão Preto (São Paulo), após a apreensão de 270 quilos do produto no Mercadão Central, expostos sem o selo obrigatório do Serviço de Inspeção Municipal (SIM).
A operação da Vigilância Sanitária, realizada em 25 de agosto, reacendeu um debate antigo: como equilibrar tradição, sabor, identidade cultural e segurança alimentar na produção e comercialização de queijos artesanais?
Segundo a Prefeitura de Ribeirão Preto, a ação foi de rotina e atingiu cinco estabelecimentos. Os produtos interditados não apresentavam certificação sanitária, embora não houvesse indícios de vencimento ou impropriedade para consumo.
Ainda assim, a medida gerou desconfiança entre consumidores e tensão entre permissionários do Mercadão, um dos símbolos da tradição queijeira na região.
Risco invisível
Para o secretário municipal da Saúde, Maurício Godinho, a questão não é meramente burocrática. “Sem a garantia de inspeção sanitária, esses produtos podem estar contaminados por bactérias como Salmonella, Listeria ou Brucella, que causam infecções graves, intoxicações alimentares e até doenças crônicas”, explicou.
Godinho reforça que o selo SIM funciona como um mecanismo de proteção ao consumidor, pois assegura que a produção siga padrões mínimos de higiene e qualidade.
“A ausência de informações sobre a origem impede que o consumidor responsabilize o fabricante em caso de problemas. Por isso, não é apenas um selo, mas um instrumento de saúde pública.”
O que é o selo SIM
De acordo com a chefe do Serviço de Inspeção Municipal, Jéssica Martins, o SIM foi criado para atender pequenos produtores que não conseguem registro estadual ou federal.
O certificado, que pode ser obtido de forma gratuita por microempreendedores e agroindústrias de pequeno porte, inclui etapas de vistorias técnicas, análise de documentos e fiscalizações periódicas.
“O SIM atesta que o processo de fabricação de produtos de origem animal é adequado e seguro. Com esse selo, o comerciante tem segurança para vender dentro do município. Sem ele, não há garantias de que o alimento esteja apto para o consumo”, afirmou Martins.
Tradição em conflito
No entanto, comerciantes do Mercadão afirmam que o problema vai além da legalidade. Um vendedor que preferiu o anonimato relatou que a insegurança se reflete diretamente nas vendas. “Quando a notícia corre, muita gente fica com receio de comprar. O mais difícil é reconquistar a confiança do cliente.”
A especialista em queijos Juliana Veloni lembra que o queijo artesanal carrega significados que ultrapassam a legislação. “O queijo é identidade, memória e território. Criminalizar o pequeno produtor não resolve. É preciso criar caminhos para a regularização sem perder a essência do produto”, defende.
Veloni cita exemplos de países como França e Itália, que transformaram seus queijos artesanais em patrimônio cultural, sem abrir mão de normas de segurança. Para ela, o Brasil poderia trilhar caminho semelhante, com investimento em assistência técnica e valorização dos pequenos produtores.
Entre lei e balcão
No Mercadão, a tensão é palpável. De um lado, fiscais exigindo certificação. Do outro, comerciantes que enxergam na fiscalização um distanciamento da realidade. “O queijo artesanal não é uma peça de fábrica. Ele depende do leite, do clima, da época do ano. Padronizar demais é matar o que os torna especiais”, afirmou um lojista.
Ainda assim, o consumidor tem papel decisivo. “A recomendação é verificar sempre a procedência do produto. Queijos devem conter informações claras sobre fabricante, validade e registro de inspeção”, reforçou o secretário Maurício Godinho.
Peso cultural e econômico
Apesar da polêmica, o setor queijeiro segue em expansão no Brasil. Em 2024, a produção nacional cresceu cerca de 6%, alcançando 1,46 milhão de toneladas, segundo dados da Associação Brasileira das Indústrias de Queijo (ABIQ).
No caso do Mercadão de Ribeirão Preto, a Associação dos Comerciantes declarou que os permissionários estão em processo de regularização, em diálogo constante com a Vigilância Sanitária e o SIM. A nota destacou o esforço em conciliar segurança, transparência e a preservação da tradição do mercado.
O dilema permanece: como garantir que o queijo continue sendo símbolo cultural e econômico, sem abrir mão da saúde pública? Para Juliana Veloni, a resposta passa pelo diálogo. “O selo deve ser visto não como obstáculo, mas como reconhecimento.”
*Adaptado para eDairyNews, com informações de Revide – Notícias de Ribeirão Preto e região