A Universidade Federal do Agreste de Pernambuco (UFAPE), sediada em Garanhuns, está à frente de um estudo pioneiro no Brasil que pretende disponibilizar leite de jumenta para hospitais neonatais até o início de 2026.
A pesquisa, em fase avançada, busca comprovar a segurança, o valor nutricional e o potencial de conservação desse produto, reconhecido por sua semelhança com o leite humano e pela menor incidência de reações alérgicas em comparação ao leite de vaca.
De acordo com o professor Jorge Lucena, coordenador do projeto, o objetivo é integrar o leite de jumenta tanto ao Sistema Único de Saúde (SUS) quanto à rede privada, seguindo modelos já adotados em países como a Itália. “Nas UTIs italianas, o leite asinino é amplamente utilizado em substituição ao leite de vaca, especialmente em casos de recém-nascidos com intolerância ou alergias. Buscamos aplicar essa experiência ao contexto brasileiro”, destacou o pesquisador.
O rebanho da UFAPE, mantido sob rigoroso controle sanitário, é composto por animais resgatados pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) desde 2018. Esses jumentos haviam sido abandonados nas estradas do Nordeste e passaram a integrar o projeto de pesquisa, que hoje é referência nacional.
Alternativa nutricional e preservação da espécie
O leite de jumenta apresenta uma composição que se aproxima da do leite materno, com teores equilibrados de proteínas, gorduras e lactose, além de possuir propriedades antibacterianas naturais. Essa combinação o torna especialmente indicado para recém-nascidos com necessidades alimentares específicas.
Além dos benefícios à saúde humana, o projeto também tem um impacto positivo na preservação da espécie asinina, cuja população sofreu uma queda drástica nas últimas décadas. Dados da UFAPE indicam que o número de jumentos no Brasil caiu 94% entre 1996 e 2025, passando de 1,37 milhão para cerca de 78 mil animais. “Cada litro de leite produzido representa também um passo na conservação dessa espécie emblemática do Nordeste”, ressaltou Lucena.
Produção sustentável e tecnologia de conservação
A equipe da UFAPE tem investido em técnicas de liofilização — processo de desidratação a frio que preserva os nutrientes e aumenta a durabilidade do leite. “Identificamos que a forma em pó é a mais viável para aumentar o tempo de prateleira, considerando a escassez de fazendas de jumentas leiteiras no Nordeste”, explicou o coordenador.
O leite é coletado sob supervisão veterinária, e as jumentas são vacinadas contra as principais enfermidades, com monitoramento constante de mastite e análises periódicas em laboratórios de São Paulo. Essa metodologia garante um produto com qualidade sanitária e nutricional certificada.
Em paralelo, o projeto também explora o potencial do leite asinino para o desenvolvimento de queijos, sorvetes e cosméticos, setores onde as propriedades antibacterianas e regenerativas do produto podem representar um diferencial competitivo.
Parcerias e expansão da pesquisa
Desde 2024, a iniciativa conta com o apoio de uma startup voltada à biotecnologia alimentar, que colabora com a UFAPE para viabilizar a produção em escala industrial. A meta é atender inicialmente hospitais públicos e privados de Pernambuco, com potencial de expansão para outros estados do Nordeste.
O professor Lucena ressalta que a integração entre ciência, inovação e responsabilidade social é um dos pilares do projeto. “Queremos transformar um problema — o abandono de animais — em uma solução de alto valor para a saúde pública e a economia local”, afirmou.
Desafios e perspectivas
Apesar dos avanços, a cadeia produtiva do leite de jumenta ainda enfrenta desafios logísticos e estruturais. O número reduzido de criatórios especializados, a baixa produtividade natural das jumentas e a falta de regulamentação específica são obstáculos que precisam ser superados para que o produto chegue de forma ampla ao mercado.
A UFAPE segue articulando parcerias com órgãos governamentais e empresas privadas para garantir a sustentabilidade da produção. A expectativa é que, com os resultados dos testes laboratoriais concluídos ainda em 2025, o leite de jumenta esteja pronto para uso clínico e comercial no ano seguinte.
O estudo, que une ciência e tradição, coloca o Nordeste brasileiro em destaque na inovação agroalimentar e reforça o compromisso da universidade com a saúde e o desenvolvimento regional.
*Adaptado para eDairyNews, com informações de Blog Dellas