O leite como alimento básico acompanha a humanidade desde o momento em que o homem pré-histórico deixou o nomadismo para construir aldeias, domesticar animais e transformar a alimentação.
Pesquisas arqueológicas citadas por estudiosos como Julie Dunne, da Universidade de Bristol, mostram mamadeiras de cerâmica com biquinhos usadas há milhares de anos para alimentar crianças com leite animal — uma prova de que a relação alimentar com bovinos, caprinos e ovinos atravessa toda a história humana.
Na transição para o sedentarismo, no Oriente Médio neolítico, a vaca aparece como o primeiro animal domesticado para produção contínua de leite, seguida pela cabra e pela ovelha.
Achados na região da Mesopotâmia, datados de 8 000 a.C., revelam os primórdios da pecuária leiteira, enquanto pinturas rupestres de 5 000 a.C., encontradas na atual Líbia, retratam rebanhos ordenhados e o uso do leite para fazer queijo — um avanço notável para conservação de alimentos.
A Antiguidade também legou registros detalhados sobre o consumo de leites alternativos. Heródoto, historiador grego do século V a.C., descreveu o uso do leite de égua em várias culturas, incluindo os povos das estepes asiáticas, que o fermentavam para produzir o tradicional koumiss, bebida alcoólica leve que segue presente até hoje.
Aristóteles também situou esse leite na dieta dos mongóis, reforçando a diversidade das práticas lácteas ao longo dos séculos.
Com o passar do tempo, manteiga, queijos e derivados fermentados foram se tornando formas mais seguras de preservação. A verdadeira revolução, no entanto, viria apenas no século XIX. A partir de 1830, a industrialização europeia permitiu transportar leite fresco a longas distâncias.
Em 1864, Louis Pasteur estabeleceu o princípio da pasteurização; e, em 1886, Franz von Soxhlet recomendou aplicar o método especificamente ao leite. Esse marco transformou definitivamente a cadeia de abastecimento, dando origem ao leite moderno: seguro, durável e industrializável.
A história do leite no Brasil: das caravelas à industrialização
No Brasil, o consumo de leite para fins alimentares começou com a introdução de gado europeu por Martim Afonso de Souza, em 1532. Porém, como ressalta a historiografia citada por Edino Camoleze, durante quatro séculos o leite permaneceu quase irrelevante na dieta nacional.
Sem refrigeração, higiene ou controle de qualidade, o produto circulava cru, transportado em latões por escravos ou, posteriormente, por carroceiros. O resultado era um alimento instável, caro e frequentemente perigoso — muito distante da recomendação de médicos e nutricionistas.
A virada começou no início do século XX. O bioquímico americano Elmer McCollum, referência global na ciência das vitaminas, classificou o leite como o maior dos “alimentos protetores”, destacando seu conteúdo de minerais, proteínas e vitaminas.
Suas ideias influenciaram sanitaristas no mundo inteiro, incluindo o médico brasileiro Josué de Castro, que nos anos 1930 mostrou que famílias pobres de Recife tinham dieta insuficiente e indicou o leite como solução para suprir carências nutricionais essenciais.
Rio de Janeiro: a capital pioneira no consumo estruturado
Nos anos 1930, políticas públicas impulsionaram campanhas para aumentar o consumo. A Primeira Semana do Leite, promovida pelo prefeito Pedro Ernesto, reforçou as recomendações nutricionais internacionais.
No entanto, como observou Brinkmann em estudos históricos, a oferta carioca era precária: apenas 15% do leite era produzido localmente e chegava cru, sem inspeção e com alto risco sanitário. O restante vinha por trem de Minas e do interior fluminense, muitas vezes sem refrigeração adequada.
A era da pasteurização e o nascimento da indústria brasileira
A industrialização do leite no Brasil começou antes mesmo da República. Em 1888, a Fábrica de Laticínios Mantiqueira, em Barbacena (MG), inaugurou a produção moderna de queijos e manteiga, importando tecnologia holandesa.
Nas décadas seguintes, surgiram empresas que moldariam o parque lácteo nacional, entre elas Vigor, Mococa, Nestlé, Batavo, CCPL e Itambé — marcas que impulsionaram a popularização do leite pasteurizado e, mais tarde, do leite longa vida.
Políticas públicas e o ordenamento sanitário
Durante a Era Vargas, a criação da Comissão Executiva do Leite (CEL), em 1940, teve como objetivo modernizar o abastecimento e estimular a profissionalização dos produtores.
Já em 1952, o RISPOA — marco regulatório da inspeção de produtos de origem animal — classificou o leite nos tipos A, B e C, definindo parâmetros sanitários e organizando toda a cadeia produtiva.
Essas medidas consolidaram o leite como um dos alimentos mais importantes do país e permitiram ao Brasil integrar o grupo das grandes potências lácteas.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Ciência do Leite






