A caseína sem gado deixou de ser promessa futurista e passou a ocupar o centro das atenções no avanço industrial dos laticínios.
Com ambição global e foco em escala, a francesa Nutropy quer redefinir como queijos fermentados podem ser produzidos — sem animais, sem resíduos e com um modelo pensado para fabricantes que desejam eficiência imediata, sem reformular suas linhas produtivas.
Fundada em 2021, a startup captou 7 milhões de euros para desenvolver um leite em pó funcional capaz de gerar queijos, iogurtes e sorvetes com sabor e textura equivalentes aos produtos tradicionais.
O ingrediente, produzido por fermentação de precisão, deve chegar ao mercado em 2027 como uma solução B2B desenhada para atender indústrias na Europa, América do Norte, Ásia e Oriente Médio — regiões onde a demanda por laticínios cresce ao mesmo tempo em que aumentam as pressões ambientais e os custos operacionais.
A estratégia da Nutropy está baseada em um ponto-chave: oferecer um substituto funcional que viabilize escala. Em vez de reproduzir toda a complexidade proteica do leite bovino, a empresa identificou uma combinação otimizada de proteínas que forma estruturas semelhantes às micelas naturais.
Segundo Maya Bendifallah, cofundadora da startup, essa escolha reduz custos e acelera a escalabilidade industrial sem comprometer desempenho em elasticidade, derretimento ou textura — características essenciais para queijos.
Fermentação de precisão com lógica industrial
Para fabricar a caseína sem gado, microrganismos geneticamente modificados recebem açúcares e nutrientes em biorreatores e excretam as proteínas diretamente no caldo.
O processo se assemelha à produção de cerveja e permite controle rigoroso, padronização e repetibilidade — elementos fundamentais para manufaturas que operam com margens apertadas e volumes altos.
A empresa mantém em sigilo a cepa microbiana usada, mas confirma que trabalha com matérias-primas de primeira geração, com planos de incorporar resíduos agrícolas no futuro para reduzir custos e ampliar sustentabilidade.
Essa evolução pode gerar vantagem competitiva adicional frente aos agentes tradicionais, que dependem de cadeias rurais complexas e cada vez mais pressionadas pela volatilidade climática e pela redução global de produtores de leite.
Do pó ao queijo — e sem soro
Depois de extraída, a proteína passa por uma etapa de funcionalização, responsável por definir textura, cremosidade e perfil sensorial.
O produto final é um leite em pó com sabor e comportamento de queijo, composto por caseína e ingredientes de origem vegetal. Misturado com água, ele fermenta, coalha e derrete como o leite de vaca — mas sem gerar soro, um subproduto que causa desafios ambientais e exige tratamento especializado.
O formato em pó facilita transporte, reduz perdas e permite integração direta em infraestruturas já existentes. Isso atrai fabricantes que querem testar novas linhas sem paralisar produção, investir em equipamentos ou correr riscos elevados. Uma vantagem adicional é o prazo de validade maior, ampliando competitividade logística.
Modelo econômico orientado ao mercado de queijos
A Nutropy sabe que, para competir, precisa atingir paridade de preço — especialmente no segmento de queijos, onde a concentração de caseína é maior e o valor agregado compensa o investimento inicial. Assim, a empresa mira primeiro esse mercado, para depois expandir para iogurtes, sobremesas e outras categorias lácteas.
A escolha por um produto funcional e escalável responde a um cenário global desafiador: projeções indicam déficit de 30 milhões de toneladas de leite até 2030, impulsionado pela queda do número de produtores e por restrições ambientais crescentes.
Nesse contexto, alternativas como a caseína sem gado surgem não apenas como inovação, mas como resposta estratégica para manter o abastecimento.
Uma transformação para além da tecnologia
Se alcançar suas metas, a Nutropy pode remodelar a cadeia de produção de alimentos. A redução no uso de terra, água e antibióticos, somada à eliminação do metano e do soro residual, reposiciona a proteína como uma solução de impacto real, não apenas conceitual.
Países com escassez hídrica ou alta dependência de importações podem ganhar autonomia; centros urbanos podem aproximar produção e consumo; fabricantes podem operar com menos risco e maior previsibilidade.
A Nutropy agora se concentra na expansão produtiva e na entrada em mercados regulados, um desafio que combina certificações, escalabilidade e narrativa sustentável. Se a estratégia prosperar, a caseína sem gado poderá ocupar um lugar central na próxima geração de laticínios industriais — mais limpa, mais eficiente e, principalmente, global.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de CPG Click Petróleo e Gás






