As importações de leite em pó voltaram ao centro da disputa entre o setor produtivo e o governo federal, após a CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil) denunciar, em audiência pública na Câmara dos Deputados, que a prática de dumping por parte da Argentina e do Uruguai está ampliando a crise enfrentada pelos produtores brasileiros. A reunião, requerida pelo deputado federal Domingos Sávio (PL-MG), reuniu lideranças políticas e técnicas em torno de um tema que, segundo a Confederação, exige ação urgente do Estado.
O vice-presidente da Comissão Nacional de Pecuária de Leite da CNA, Jônadan Ma, levou ao debate dados que, de acordo com a entidade, comprovam a prática de dumping e reforçam a necessidade de retomada do processo antidumping junto ao MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Em sua fala, ele recordou o histórico recente da crise: “Vivenciamos uma crise séria. Todas as medidas já tinham sido tomadas em 2023, restando apenas a abertura do processo antidumping, proposta pela CNA com recomendação do Ministério do Desenvolvimento Agrário”.
Segundo Ma, há evidências concretas da diferença de preços entre o mercado doméstico dos países vizinhos e suas exportações para o Brasil. Ele destacou que, em 2023, “o preço do leite em pó nos mercados internos da Argentina e do Uruguai foi de aproximadamente US$ 7,75/kg e US$ 7,91/kg, respectivamente, enquanto os valores de exportação foram de US$ 3,56 e US$ 3,71/kg — uma diferença de 54% e 53%”. Para o dirigente, esses números comprovam a prática de dumping e foram robustamente apresentados no processo enviado ao MDIC.
A principal crítica da CNA recai sobre uma mudança recente do entendimento técnico do Ministério, que passou a considerar que o leite in natura não é similar ao leite em pó. “Essa decisão foi inaceitável. Essa mudança retira do setor a principal ferramenta de defesa comercial”, afirmou Ma durante a audiência. A posição do MDIC, segundo o setor produtivo, enfraquece a capacidade de reação do país diante de práticas comerciais desleais.
A Confederação também mostrou que existe forte correlação entre o andamento da investigação de dumping e o comportamento das importações. Quando a petição para adoção de direitos provisórios foi apresentada, em março, as importações caíram 15%. Porém, após a divulgação do parecer preliminar desfavorável do MDIC, o volume importado avançou 28% entre agosto e setembro, revertendo a tendência de queda e pressionando ainda mais os preços internos.
“O antidumping é o único instrumento capaz de mitigar os impactos das importações sobre a produção nacional. Desde 2023 enfrentamos volumes recordes de entrada de leite em pó, e a tendência é que 2025 encerre com o terceiro maior resultado da série histórica”, destacou Ma.
Durante o debate, o deputado Domingos Sávio cobrou coerência técnica do governo. Para ele, a mudança de interpretação do MDIC ignora precedentes do próprio Brasil em processos anteriores. “O leite in natura sempre foi considerado similar ao leite em pó. Essa mudança de conceito impactará milhões de produtores, especialmente os pequenos.” O parlamentar completou: “Afirmar que os produtos não são similares exige justificativa técnica consistente. A natureza do leite em pó e do leite in natura é a mesma, e a OMC reconhece essa similaridade. Não podemos alterar regras internacionais ao nosso favor, nem contra”.
Sávio reforçou que a questão ultrapassa divergências técnicas e alcança impactos sociais: queda de renda, desaquecimento regional e abandono da atividade leiteira.
👉 Caso o setor produtivo “ganhe esta batalha” e o antidumping seja restabelecido, parte da pressão sobre o produtor pode ser aliviada — mas isso não garante, por si só, uma recuperação consistente de preços ao produtor. Medidas de defesa comercial funcionam como contenção, não como solução estrutural.
O preço ao produtor depende de fatores internos como produtividade, logística, escala e competitividade das indústrias. A redução das importações pode evitar novas quedas, mas dificilmente elevará valores de forma automática.
Para o consumidor, a tendência é inversa: com menor oferta e menor competição de preços externos, os valores no varejo tenderiam a subir no curto prazo. O desafio central é equilibrar proteção ao produtor sem penalizar o consumidor final — e isso passa por políticas estruturais, e não apenas por instrumentos de defesa comercial.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de O Paraná






