As bebidas funcionais deixaram o nicho de suplementos para atletas e hoje ocupam espaço relevante nas gôndolas brasileiras, impulsionadas por consumidores cada vez mais atentos ao impacto da alimentação na saúde.
Segundo executivos do setor, a combinação entre conveniência, bem-estar e inovação transformou o segmento em uma das principais apostas da indústria de alimentos e bebidas, que amplia investimentos para atender um público mais exigente, disposto a pagar por produtos enriquecidos com proteínas, fibras, vitaminas e minerais.
Analistas consultados por eDairyNews Brasil observam que o movimento ganhou força após a pandemia, quando ampliou-se a busca por artigos voltados a imunidade, disposição e saúde digestiva. A consultoria Imarc estima que o mercado global de bebidas com adição de nutrientes movimente atualmente cerca de US$ 143 bilhões, com projeção de chegar a US$ 238 bilhões em 2033 — um avanço superior a 8% ao ano.
No Brasil, essa tendência começa a se consolidar no varejo tradicional. A Ambev apresentou em novembro duas novidades que entram no portfólio funcional da companhia: o Guaraná Antarctica Zero com fibras e um energético da linha Fusion enriquecido com proteínas.
De acordo com o diretor de Estratégia e Insights da empresa, Gustavo Castro, os lançamentos atendem a um consumidor que “não quer apenas menos açúcar, mas também benefícios adicionais, desde que o sabor seja preservado”.
O executivo aponta que o desafio sensorial exige forte investimento. Somente nos últimos dez anos, a Ambev destinou quase R$ 10 bilhões a tecnologia e capacidade produtiva, incluindo o Centro de Inovação e Tecnologia (CIT), onde parte dessas formulações é desenvolvida. Os novos rótulos começam pelo mercado paulista, etapa inicial antes da expansão nacional.
A movimentação não ocorre isoladamente. A Coca-Cola já comercializa nos Estados Unidos a linha Simply Pop, posicionada como prebiótica e voltada à saúde intestinal. Embora ainda sem previsão para o Brasil, a multinacional reforça por aqui sua presença com isotônicos formulados para hidratação e reposição de nutrientes.
A Pepsi, por sua vez, prepara o lançamento internacional de seu refrigerante prebiótico, classificado pela companhia como sua maior inovação em duas décadas.
Entre empresas brasileiras de alimentos, a Piracanjuba tem diversificado o portfólio com bebidas prontas contendo chia, quinoa e linhaça, além de produtos proteicos e suplementos destinados a consumidores que utilizam medicamentos para controle de peso.
A Verde Campo aposta em probióticos como iogurtes e kefires enriquecidos com proteína, atendendo ao público que busca unir praticidade com rotinas de suplementação.
A Nestlé, uma das pioneiras no país em itens voltados ao bem-estar, acelera sua estratégia. Linhas como Puravida e Nutren ganharam reforços com novos rótulos, incluindo um achocolatado Nescau com proteína e uma aveia enriquecida. A divisão Nestlé Health Science receberá R$ 1,3 bilhão em investimentos na América Latina entre 2025 e 2027, com o Brasil concentrando a maior parcela.
Esse dinamismo abre espaço também para as foodtechs. A catarinense Pod, criada pelos irmãos Leonardo e Vinícius Mazurek, lançou o primeiro refrigerante prebiótico nacional. A empresa iniciou suas atividades produzindo kombucha em pequena escala e hoje mantém uma fábrica em Itajaí, onde desenvolve espumantes, smart drinks e bebidas fermentadas. O Poddi, carro-chefe atual, não tem conservantes nem açúcar adicionado, e utiliza fibras como inulina e polidextrose.
Seguindo caminho semelhante, o economista André Lee criou a Wondr após identificar falta de opções naturais com apelo funcional. O refrigerante Morango & Maracujá, adoçado com stevia e composto por cerca de 15% de fruta, já está presente em mais de cem pontos de venda na capital paulista.
Apesar do entusiasmo do mercado, nutricionistas reforçam a importância do equilíbrio. A especialista clínica Priscilla Primi observa que bebidas funcionais podem compor uma alimentação saudável, mas não substituem alimentos naturais.
Ela lembra que cereais, frutas e legumes contêm fibras, antioxidantes e vitaminas em sua forma integral, sem aditivos típicos de produtos industrializados. Em sua avaliação, o ideal é manter uma dieta em que 80% das escolhas envolvam itens minimamente processados.
Priscilla recomenda atenção especial aos rótulos, priorizando ingredientes conhecidos pelo consumidor. Com as novas “lupas frontais” exigidas pela Anvisa, torna-se mais fácil identificar excesso de açúcar, gordura saturada ou sódio — fatores que muitas vezes passam despercebidos diante do apelo funcional do marketing.
Para consultores de varejo, como Jean Paul Rebetez, da Gouvêa Consulting, o setor ainda tem amplo espaço para expansão, especialmente em categorias como prebióticos, colágeno e antioxidantes.
Ele destaca que os produtos enriquecidos garantem margens de 20% a 30% superiores aos similares tradicionais, o que explica a corrida por inovação. “Quando os grandes entram, é porque deixou de ser tendência e virou mercado real”, afirma.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de O Globo






