A crise enfrentada pelos produtores de leite voltou ao centro da agenda política em Brasília, onde o Sistema OCB participou, nesta quarta-feira (3), de uma audiência pública da Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR).
O encontro, solicitado pela deputada Ana Paula Leão (MG), reuniu parlamentares, representantes do governo e lideranças do setor para discutir os fatores que aprofundaram o cenário crítico vivido no campo — um problema que, segundo especialistas presentes, vai muito além do comércio exterior.
Entre os participantes, esteve Marcelo Candiotto, coordenador da Câmara do Leite da OCB e presidente da CCPR, que reforçou o caráter multidimensional da crise. Ele lembrou que o setor já convivia com preços historicamente baixos, aumento dos custos de produção, baixo investimento em tecnologia e um consumo interno que permanece estagnado, independentemente das condições de mercado internacional.
“Os desafios não começaram agora. O produtor vem perdendo renda há anos e muitos já não conseguem manter suas operações”, afirmou.
A audiência reconheceu que as importações de leite em pó do Mercosul se intensificaram nos últimos meses, contribuindo para pressionar ainda mais o mercado interno. Porém, o consenso entre cooperativistas e técnicos foi claro: tratar o problema como se fosse exclusivamente relacionado ao comércio exterior seria ignorar a complexidade da cadeia láctea brasileira.
Para Candiotto, “as importações agravam o quadro, mas não são a origem do desequilíbrio. O setor já estava fragilizado por fatores internos que precisam ser enfrentados.”
Entre esses fatores, lideranças apontaram a manutenção das margens de varejo, que impedem que reduções de preços industriais cheguem ao consumidor, e a falta de políticas estruturantes de longo prazo capazes de impulsionar produtividade, gestão e escala.
Também foi citada a dificuldade de acesso a crédito adequado e a defasagem tecnológica de milhares de propriedades, especialmente entre pequenos e médios produtores.
Os participantes criticaram ainda a morosidade em processos regulatórios, como a análise de medidas antidumping, e defenderam mais transparência e previsibilidade nas decisões governamentais. Segundo eles, a falta de agilidade aumenta a volatilidade e dificulta o planejamento de toda a cadeia.
No curto prazo, Candiotto defendeu um conjunto de ações emergenciais para aliviar a pressão sobre o produtor. Entre elas, mencionou ajustes nos mecanismos de monitoramento do mercado, revisão de instrumentos de apoio à comercialização e maior coordenação entre governo federal, estados, cooperativas e indústria para mitigar distorções.
Ele ressaltou que medidas voltadas exclusivamente ao comércio exterior não serão suficientes para reverter o quadro se o restante da cadeia continuar desajustado.
Já para o médio e longo prazo, a Câmara do Leite prepara um pacote de propostas estruturantes. As ações incluem ampliar a assistência técnica, capacitar produtores em gestão, investir em melhoramento genético, estimular aumento de produtividade e fortalecer a intercooperação entre cooperativas. “Precisamos construir competitividade real, e isso só acontece com planejamento, tecnologia e políticas estáveis”, afirmou Candiotto.
Parlamentares presentes destacaram a necessidade de reconstruir a confiança do produtor e criar um ambiente favorável à sucessão familiar, tema constantemente citado como ponto de atenção. Lideranças do setor também reforçaram que a cadeia do leite precisa ser tratada como estratégica, não apenas pelo impacto econômico, mas pelo papel social que desempenha em milhares de municípios brasileiros.
Ao final da audiência, ficou claro que a crise requer uma resposta sistêmica, técnica e articulada. As importações foram reconhecidas como um elemento de pressão, mas não como o centro do problema. O foco, segundo os participantes, deve ser a construção de um ambiente que permita ao produtor sobreviver, investir e competir — condições essenciais para que o setor volte a crescer de forma sustentável.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de EasyCOOP






