Iniciativa no Vale do Paraíba leva informações e tecnologia para melhorar as características do item em pequenas propriedades
Atrás de morros da Serra da Bocaina, onde muitas vezes só se chega de carro com tração nas quatro rodas, concentram-se cerca de 300 produtores, que, em pequenas áreas, produzem o leite que segue para os laticínios e, posteriormente, para a mesa da população da região, encravada no Vale do Paraíba, que concentra a maior bacia leiteira do estado de São Paulo.
Nesse contexto, o município de Cunha, que tem pouco mais de 20 mil habitantes e está distante cerca de 220 km da capital paulista, destaca-se como o principal produtor de leite na região de Guaratinguetá.
Para melhorar a qualidade da produção, a Casa da Agricultura local – com apoio da Coordenadoria de Desenvolvimento Rural Sustentável (CDRS) – Regional Guaratinguetá – em parceria com o Laticínio Campos Novos, idealizou um projeto para alcançar o maior número possível de produtores, com informações técnicas relevantes, em linguagem acessível.
“Quando falamos de leite, estamos enfocando um alimento importante para a saúde e qualidade de vida da população como um todo. Mas também estamos falando de renda e emprego para centenas de famílias que tem a bovinocultura leiteira como principal atividade, desenvolvida predominantemente em pequenas propriedades”, explica César Frizo, engenheiro agrônomo responsável pela Casa da Agricultura local, um dos idealizadores do projeto.
Material didático
O projeto consiste na elaboração de material didático, dividido em fascículos, distribuídos quinzenalmente para os produtores da Serra da Bocaina. “Durante acompanhamentos técnicos em algumas propriedades e Dias de Campo realizados, identificamos que uma grande parcela dos produtores dessa região tem pouco acesso a informações consistentes sobre as medidas sanitárias que levam à prevenção e ao tratamento de doenças e, consequentemente, à melhoria da qualidade do leite produzido. Sendo assim, junto com os técnicos do Laticínio, elaboramos uma estratégia para levar mais conhecimento a eles”, explica César, informando que o projeto faz parte de um conjunto de ações de extensão rural desenvolvidas na região, voltadas à bovinocultura de leite.
A ideia, então, de acordo com o agrônomo, se materializou na elaboração de um material com informações que abrangerão desde o que é uma bactéria até a identificação e o tratamento de doenças como a mastite, uma das principais causas de redução da produção e contaminação do leite, que baixa a qualidade e diminui a rentabilidade dos produtores.
“Como extensionistas, elaboramos o conteúdo e a área de comunicação da Secretaria de Agricultura fez o layout desses informes, os quais estão sendo impressos e distribuídos pelo Laticínio Campos Novos, por meio de seus caminhões que coletam o leite nas propriedades. Essa é a forma que encontramos de alcançar esses produtores, levando informação e orientação técnica a esse público que possui pouco ou nenhum sinal de internet e, muitas vezes, nem telefonia”, avalia César, acrescentando que os produtores que estão recebendo o material, por residirem em bairros de difícil acesso, sobretudo na Serra, dificilmente participam de eventos como Dias de Campo, palestras e seminários, entre outros.
Para Tiago Moreira Nunes, médico-veterinário do Laticínio, a parceria com a Secretaria de Agricultura e Abastecimento representa um ponto importante para que a empresa receba matéria-prima de melhor qualidade, o que garante a segurança dos alimentos produzidos.
“Há alguns anos observamos que o trabalho da Secretaria tem impactado positivamente a pecuária leiteira na nossa região, com as ações desenvolvidas junto aos pequenos produtores. E a Casa da Agricultura é uma grande parceira, desde antes da pandemia, quando realizamos juntos diversos eventos sobre qualidade do leite, as Normativas 76 e 77 e a necessidade de adequação dos produtores”, pontua.
“Com a pandemia e a suspensão de atividades presenciais, essa ideia do engenheiro agrônomo César de continuar a transmitir conhecimento por meio desses fascículos foi excelente e está fortalecendo ainda mais a educação sanitária, pois abordam aspectos relevantes sobre o manejo, principalmente na pequena propriedade leiteira, com orientações práticas e linguagem simples e clara, chaves do sucesso desse material”, diz.
“Por isso, os proprietários do Laticínio, Roque e Eduardo Sampaio, se comprometeram em auxiliar na comunicação e divulgação do material – que tem sido entregue aos produtores quando levamos o pagamento de cada um e enviado para o WhatsApp daqueles que têm acesso –, porque eles têm a certeza de que esse conhecimento contribuirá ainda mais para melhorar a qualidade do leite que recebemos e a vida daqueles que o produzem”, acrescenta.
Distribuição
“Sempre que temos condições procuramos a Casa da Agricultura, que nos apoia com informações e acompanhamento para melhorar nossas instalações e também o manejo com o gado e a produção de leite. As orientações técnicas que recebemos foram um dos principais motivos que nos fizeram conseguir melhorar a qualidade do leite, entregar no laticínio e receber um valor melhor pelo litro, o que tem possibilitado uma qualidade de vida melhor para minha família e a dos vizinhos também. Então estamos felizes pelo César (agrônomo responsável pela Casa da Agricultura) e o pessoal do laticínio nos trazerem mais informações dessa forma, pois aqui o acesso é difícil e quase não temos sinal de internet e telefone”.
Com essa fala, Ananias de Campos, que produz 80 litros de leite diários no sítio Santa Cruz, mostra a satisfação após receber os dois primeiros fascículos da série Qualidade do Leite. Para ele, que é a terceira geração da família na pecuária leiteira, “sem conhecimento, profissionalismo e tecnologia será impossível para os pequenos produtores se manterem no mercado”.
Segundo o engenheiro agrônomo César, não existe um número definido de fascículos. “Esse é um assunto amplo, com muitos temas a serem abordados. Mas, para elaboração, também estamos levando em consideração a demanda dos produtores e os questionamentos que já começaram a ser feitos. E, apesar da necessidade de distanciamento social, imposta pela pandemia, temos empreendido esforços e integrado cada vez mais as ações com os técnicos do Laticínio, para continuar o acompanhamento desses produtores, esclarecendo suas dúvidas, incentivando a tecnologia, o conhecimento e gestão da propriedade e da comercialização, como ferramentas de geração de renda, emprego e qualidade de vida, o que fomenta a permanência no campo, para essas centenas de famílias”, salienta.
Até o momento, já foram produzidos quatro informes:
– O que é bactéria?
– Você sabe o que é Contagem de Bactérias Totais (CBT)?
– O que fazer para que as bactérias não prejudiquem a qualidade do leite e sua renda?
– Por que as vespas e abelhas picam o peito das vacas?
Gestão
Para o produtor Renato Campos Magalhães, há cerca de um ano e meio, a esperança de melhorar a renda da família, que já está na quarta geração trabalhando com a bovinocultura leiteira, estava expressa apenas no nome de sua pequena propriedade: Sítio Boa Esperança. Com seis vacas, uma produção de 20 litros por dia e um alto teor de bactérias no leite, não obtinha renda suficiente para manter a propriedade nem sua família.
“Várias vezes pensei em desistir, mas o que eu ia fazer? Eu nasci e cresci na roça, vendo e trabalhando com meus avós e meus pais. E eu adoro ser produtor rural e não queria ir para a cidade fazer número entre os desempregados”, desabafa.
Mas o que parecia ser um “beco sem saída” se tornou uma porta de sucesso aberta com gestão e assistência técnica. “Tudo mudou, quando há um ano e meio comecei a ter mais conhecimento e enxergar as coisas que estavam erradas aqui no sítio. O técnico da Casa da Agricultura me passou muitas informações e fez um levantamento junto comigo de todos os problemas que tinha no manejo e indicou o que deveria e poderia ser mudado, mesmo sem investimento de recursos; que, na realidade, eu não tinha”, revela.
Hoje, após um ano e meio de trabalho e acompanhamento direto da extensão rural da Secretaria de Agricultura, o sítio Boa Esperança poderia agregar mais um nome na placa de entrada: Boa Nova.
“Pela falta de capital do produtor, no primeiro ano fizemos um projeto para reduzir os desperdícios e melhorar o manejo na propriedade, incluindo a correção do solo, que conseguimos implementar com a doação de calcário feita por uma empresa da região. Com ferramentas de gestão, adoção de tecnologias simples e diretrizes de educação sanitária, atualmente, o produtor tem apenas três animais, porém com boa genética, e uma produção diária de 60 litros de leite. E o mais importante: ostenta o título [comprovado por laudos de CBT] de ter um leite de excelente qualidade, considerado o mais limpo do município de Cunha, tendo uma redução de 800 para 1, na contagem de bactérias totais, número melhor até do que grandes fazendas tecnificadas”, celebra o agrônomo César.
Com essa chancela recebida do Laticínio Campos Novos, onde comercializa a sua produção, o produtor tem obtido um valor superior por litro de leite e conseguido, não apenas o sustento da família, mas projetar melhorias para ampliar a produção.
“Depois dessa assistência que a Secretaria de Agricultura tem dado para a gente, eu consegui dar um grande passo na minha caminhada como produtor. Todo o conhecimento que o agrônomo da Casa da Agricultura nos passou, mudou o jeito que eu pensava e o jeito tradicional que eu trabalhava. Descobri que tinha que plantar uma área de cana para complementar a alimentação do gado, principalmente no período de seca, adotei práticas conservacionistas que melhoraram o solo e, hoje, posso dizer que estou feliz e não pretendo mais deixar a atividade nem vender o sítio. Agora, só penso em dar continuidade ao amor que a nossa família tem pela terra e à produção de alimentos”, conclui.