Todas as espécies animais conseguem dissipar o calor endógeno corretamente para manter a temperatura fisiológica em uma faixa específica de temperatura percebida e, uma vez que essa é ultrapassada, se incrementa a temperatura corporal e, com isso, o animal experimenta o estresse térmico (ET). Os bovinos, em um ambiente termoneutro, têm temperatura retal em torno de 37,5-39,5°C. A temperatura percebida é indicada pelo índice de temperatura e umidade (ITU), a saber:
ITU (°C) = Tar – (0,55 – 0,55 × Urel) × (Tar -58), onde:
Tar = temperatura do ar = [(1,8 × T°C) + 32]
Urel = umidade relativa (%).
Quando o ITU atinge 68 ou 78, o gado leiteiro e o de corte, respectivamente, apresentam sérias dificuldades para dissipar o calor. Quanto maior a umidade do ambiente, maior também a temperatura percebida (Tabela 1). As vacas leiteiras de alto desempenho não conseguem dissipar corretamente o calor endógeno e têm os primeiros sintomas de ET. Um deles, é a redução do consumo de alimentos e a seleção de concentrados, para reduzir a produção de calor endógeno por fermentação ruminal. Porém, a redução no desempenho produtivo possui vários fatores causais, não apenas esse primeiro aspecto.
Tabela 1: Índice temperatura umidade para vacas leiteiras calculado com base na temperatura (°C) e umidade relativa (%). Os valores são divididos por classes de risco: termoneutralidade (verde), risco médio (amarelo), alerta (laranja) e emergência (vermelho).
Saúde intestinal e função de barreira
O ET afeta fortemente a mucosa intestinal. Existem mudanças na circulação sanguínea, com o intuito de dissipar-se mais calor. Os enterócitos são muito sensíveis a fenômenos de hipóxia leve e à redução de nutrientes causados por essas alterações perfusionais. Assim, quando a temperatura corporal aumenta, existe a redução da disponibilidade de ATP e o aumento no estresse oxidativo e nitrosativo (presença de radicais livres de nitrogênio). O resultado é o rompimento da junção epitelial intestinal (estruturas proteicas intra e intercelulares com papel central na regulação da permeabilidade da membrana) e a diminuição da função de barreira desse tecido. Nesse caso, é importante sublinhar que a grande maioria da microflora intestinal, tanto benéfica quanto patogênica, é Gram-negativa, de modo que no lúmen intestinal existe uma enorme quantidade de LPS (lipopolissacarídeos, endotoxinas que estão incluídas na membrana celular Gram-negativa). Durante os períodos de ET, existe a presença simultânea desses LPS e uma maior permeabilidade da mucosa e, a consequência direta é o aumento da incidência de toxicose durante o verão. Ao mesmo tempo, o rompimento da integridade epitelial causa uma redução da absorção dos nutrientes da dieta pelo animal. Em poucas horas, essa má absorção causa a redução da produção: em 17 horas de exposição a um ITU de 68, talvez haja perda de 2,2 kg/cabeça/dia na produção de leite.
Outras consequências do estresse calórico
A redução do consumo de alimento não é a única consequência do ET. Para se avaliar as mudanças no metabolismo energético e na produção de leite, dois grupos de vacas leiteiras foram comparados. O primeiro grupo sofreu ET: o consumo de alimentos deste grupo foi registrado e usado para restringir o segundo grupo. O segundo grupo (controle) foi termicamente neutro (TN), mas alimentados com a mesma quantidade ingerida pelas vacas do grupo ET, com o intuito de eliminar o efeito relacionado à redução no consumo ou à disponibilidade de nutrientes da dieta.
- Benefício hormonal relacionado à produção de leite
A somatotropina e IGF-1 (fator de crescimento semelhante à insulina tipo-1), são os hormônios mais importantes para a produção leiteira. Sob condições fisiológicas, a somatotropina distribui os nutrientes absorvidos entre o úbere e os outros tecidos. Nas vacas leiteiras de alta produção, essa distribuição é favorável ao úbere. O mesmo hormônio estimula a produção hepática de IGF-1 que, consequentemente, induz o aumento da produção de leite. O balanço energético negativo (BEN) altera esse equilíbrio hormonal: a síntese de somatotropina aumenta, mas não o IGF-1. Assim, tanto a produção de leite quanto a fertilidade são afetadas: as fontes de energia são direcionadas às vias metabólicas fundamentais para a sobrevivência dos animais. Mesmo que a redução no consumo de alimentos cause o BEN, ficou provado que o grupo ET apresentou um desequilíbrio hormonal maior que os animais TN: as vacas do grupo ET apresentaram concentrações de IGF-1 significativamente inferiores às do TN. A consequência é que as vacas do grupo ET tiveram menor produção de leite e fertilidade.
- Metabolismo de lipídeos
O aumento da necessidade de energia durante o BEN é encarado pelo animal através da mobilização do tecido adiposo e do aumento plasmático de ácidos graxos não esterificados (AGNE). Altas concentrações de AGNE levam à síntese de corpos cetônicos. Essas moléculas são usadas como fonte alternativa de energia, mas podem causar cetose se são produzidas excessivamente. Sob ET, o metabolismo energético não é muito eficiente: os bovinos sob ET apresentaram níveis basais de AGNE inferiores aos do grupo TN. Nos animais sob ET, a epinefrina, que induz a lipólise e o aumento da concentração de AGNE, não foi tão eficaz. Independentemente da menor ingestão alimentar nos períodos de calor, o ET afeta a expressão e a função de muitas enzimas e moléculas envolvidas no metabolismo lipídico. Os animais são dependentes da glicose para o suprimento de energia, e com uma mobilização lipídica diminuída existirão dificuldades para restaurar o equilíbrio energético fisiológico.
- Metabolismo glicídico e muscular
O músculo esquelético é um dos principais responsáveis pela produção endógena de calor: se o ITU estiver alto, os animais se movimentam menos para reduzir a produção de calor. O aumento da temperatura corporal também aumenta a glicogenólise e a oxidação de carboidratos. Essas duas fontes de energia não são de origem dietética e sim, dos armazenamentos endógenos do animal. Os bovinos do grupo ET têm uma glicemia mais alta que os do TN, mas o músculo esquelético mantém boa sensibilidade à insulina, enquanto os animais TN têm maior resistência à insulina. Sob ET, o metabolismo muscular utiliza a glicólise anaerobicamente, produzindo altas concentrações de ácido lático. Assim, o animal modifica seu metabolismo (especialmente o ciclo de Krebs), tentando reduzir tanto os danos devidos às espécies reativas de oxigênio (ERO), quanto os processos metabólicos, com a particular inibição do complexo piruvato-desidrogenase, que reduz a produção de acetil-CoA, a partir do piruvato. Mesmo que sejam necessários mais estudos, essas modificações podem ser uma causa adicional para que os animais estressados pelo calor reduzam o desempenho.
Como manter os animais durante o período de verão?
Como o ET é uma condição inevitável, é necessário ajudar o gado a superar esse impasse e limitar as perdas de produção. É bom lembrar que a necessidade de água dos animais aumenta em mais de 50%, principalmente após a ordenha. A água deve estar em local de fácil acesso, fresca (20-30 °C), limpa e sempre disponível. A dieta de verão (TMR) deve conter ingredientes palatáveis, forragens de alta qualidade, açúcares e fibras digestíveis, relação de forragem: concentrado próxima a 40:60 % e ainda, deve fornecer aminoácidos metabolizáveis balanceados para compensar a redução de produção de proteína bacteriana. A produção de vitaminas do complexo B do rúmen é reduzida, sendo necessária a suplementação alimentar, de preferência, protegida da ação do rúmen. O aumento do estresse oxidativo pode ser resolvido com a adição de vitaminas A e E na ração. Outro aditivo útil é a niacina: ela causa uma ligeira vasodilatação, permitindo uma melhor dissipação de calor desde os tecidos internos até os periféricos, sem afetar a saúde intestinal dos animais. A niacina é altamente degradada pela microflora do rúmen: a microencapsulação dela permite obter os mesmos benefícios se comparada à forma livre, utilizando uma inclusão significativamente menor. Finalmente, foi demonstrado que a combinação de ácidos orgânicos e compostos idênticos aos da natureza, levam a uma melhora significativa na saúde intestinal e na função de barreira epitelial, melhorando a resistência à passagem de patógenos e toxinas, bem como a absorção de nutrientes.
Situação no Brasil
Os principais municípios produtores de leite no Brasil apresentam valores médios de temperatura e umidade que podem causar ET sazonal ao gado (Tabela 2), com as consequentes alterações metabólicas supracitadas.
Tabela 2. Temperatura e umidade dos principais municípios brasileiros na produção de leite
Estado | Município | Temperatura média (°C) | Umidade média (%) | ||
Mínima | Máxima | Mínima | Máxima | ||
MG | Coromandel | 14 | 29 | 55 | 80 |
MG | Ibiá | 14 | 30 | 81 | 64 |
MG | Monte Alegre de Minas | 16 | 31 | 55 | 79 |
MG | Patos de Minas | 12 | 31 | 53 | 81 |
MG | Patrocínio | 14 | 29 | 81 | 52 |
MG | Pompéu | 13 | 30 | 57 | 78 |
MG | Prata | 13 | 32 | 53 | 79 |
MG | Unaí | 14 | 32 | 51 | 76 |
PR | Arapoti | 11 | 27 | 72 | 81 |
PR | Carambeí | 9 | 27 | 80 | 85 |
PR | Cascavel | 8 | 28 | 71 | 84 |
PR | Castro | 7 | 27 | 80 | 86 |
PR | Mallet | 9 | 26 | 75 | 83 |
PR | Mamborê | 12 | 29 | 68 | 80 |
PR | Marechal Cândido Rondon | 12 | 31 | 71 | 84 |
PR | Palmeira | 10 | 28 | 76 | 83 |
PR | Toledo | 10 | 30 | 71 | 84 |
RS | Alvorada | 11 | 30 | 71 | 83 |
RS | Carlos Barbosa | 6 | 28 | 74 | 81 |
RS | Fortaleza dos Valos | 10 | 29 | 70 | 83 |
RS | Santa Vitória do Palmar | 8 | 27 | 75 | 85 |
RS | São José do Ouro | 9 | 28 | 72 | 81 |
RS | Vila Flores | 9 | 27 | 73 | 81 |
SC | Iomerê | 6 | 25 | 75 | 85 |
SC | Macieira | 9 | 26 | 71 | 80 |
GO | Jataí | 13 | 32 | 53 | 80 |
GO | Piracanjuba | 14 | 32 | 50 | 75 |
SP | Araras | 11 | 30 | 62 | 80 |
Média | 11 | 29 | 68 | 80 |
Fonte: INMET (2021)
Devido ao ET foram estimadas no Brasil quedas na produção leiteira que variam de 0,5 a 7,9 kg/vaca/d dependendo do grau do estresse térmico e do potencial de produção do animal (Tabela 3).
Tabela 3. Estimativas de perdas de produção de leite devido ao estresse térmico em diferentes regiões de Brasil
Estado | Município ou região | Perda | Potencial de produção | Referência |
kg/vaca/d | ||||
ES | Marilândia | 0,5 | 10 | Oliveira et al., 2013 |
2,5 | 20 | |||
PR | Maringá | 3,15 | 32,5 | Klosowski et al., 2002 |
PR | Maringá | 0,6 | 20,6 | Souza, 2008 |
MG | Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba | 1,9 | 10 | Nascimento et al., 2014 |
7,9 | 30 | |||
Média | 2,8 | 20,5 |
Embora menos evidentes e estudados, os efeitos do ET também se apresentam em gado Bos indicus e seus mestiços (Azevedo et al., 2005; Lima et al., 2013). Algumas raças zebuínas (ex., Gir e Guzerá) foram geneticamente melhoradas para a produção de leite em condições tropicais, como linhagens puras ou cruzadas com raças mais especializadas. No entanto, entre várias raças de Zebu, o Gir mostrou ser a raça menos adaptada às condições climáticas quentes da região central do Brasil (Cardoso et al., 2015). Essa menor tolerância ao calor da raça Gir é resultado de sua seleção para a produção de leite (Santana et al., 2015). A situação piora no cruzamento com o Holandês (Girolando), porque à medida que se aumenta a proporção de Bos taurus, diminui-se, ainda mais, a tolerância ao calor (Lima et al., 2013).
Considerações finais
Índice de temperatura e umidade (ITU) maior que 68:
- Altera a integridade e permeabilidade intestinal, com um maior risco de toxemia e distúrbios metabólicos;
- Reduz a ingestão de alimentos e a absorção de nutrientes, com uma diminuição no desempenho produtivo e reprodutivo dos animais;
- Reduz a síntese de IGF-1, com a consequente diminuição do crescimento e produção de leite;
- Afeta a eficiência do metabolismo energético, fazendo com que o animal tenha que usar seu armazenamento endógeno de glicogênio.
A dieta balanceada e os aditivos nutricionais protegidos da ação do rúmen, como aminoácidos, vitaminas e a combinação de ácidos orgânicos e compostos naturais, podem ajudar os ruminantes a manterem o desempenho e o estado de saúde, mesmo com ET.
O MecoVit® (blend de vitaminas do complexo B e doadores de grupos metil, que promove a saúde hepática de vacas leiteiras em transição, Zang et al., 2019), o Microtinic®B-Complex, o Microtinic®B12 e o Microtinic®PP (fontes microencapsuladas de vitaminas do complexo B, que melhoraram a eficiência alimentar de vacas holandesas) são soluções da Vetagro, distribuídas exclusivamente pela Farmabase, para encarar o estresse térmico em todo o território brasileiro.