Foi no final da década de 1970 quando Dudy e Luiz Fernando Paiva deixaram São Paulo para uma fazenda no estado brasileiro de Mato Grosso. Naquela época, a região estava no coração da revolução agrícola do país, que a transformaria de uma rede importadora de alimentos no início dos anos 70 para a potência agrícola que é hoje. O casal abriu a Fazenda Santana, uma fazenda de 1.500 hectares de gado bovino e leiteiro na fronteira da floresta amazônica com a savana tropical do Cerrado, dois dos mais importantes habitats ecológicos da América do Sul.
Os Paivas se propuseram a produzir alimentos de forma sustentável, tomando uma rápida decisão de expandir para um sistema agrícola integrado combinando gado e cultivos com plantio zero para proteger o solo. Hoje, seus campos são preenchidos com soja e milho durante grande parte do ano, embora durante a estação seca a terra seja seca, muitas vezes não vendo chuva durante vários meses. Manadas de gado pastam no mato deixado para trás. “Os diferentes sistemas trabalham juntos para ajudar o meio ambiente”, diz seu filho Juliano Ribeiro Graça Paiva. “Estamos fixando o carbono no solo”.
Hoje em dia, a agricultura se apresenta em grande escala em toda a região. Os campos de cultivo se estendem ininterruptamente em direção ao horizonte. A rodovia próxima ronca dia e noite com caminhões carregados com grãos, sementes e açúcar para as plantas de processamento locais da Cargill, Bunge e Cofco. Os cartazes alinham a estrada, empurrando as últimas máquinas e aparelhos para os agricultores locais.
Mas fazendas sustentáveis como as dos Paivas não são incomuns no Brasil. O país desenvolveu uma reputação terrível por seu histórico ambiental nos últimos anos, mas grande parte da produção agrícola do Brasil é livre de desmatamento. Um estudo de 2020 publicado na Science – intitulado “As maçãs podres do agronegócio brasileiro” – encontrou 2% das propriedades na Amazônia e no Cerrado, sendo responsáveis por 62% de todo o potencial de desmatamento ilegal.
“É um setor muito poderoso, muito conservador”. É também arrogante e odeia interferências”.
É uma mensagem que muitos no Brasil estão desesperados para se comunicar. “Uma coisa que me entristece é a generalização”, diz Marcos Fava Neves, especialista em agronegócios brasileiros, destacando que o Brasil é duas vezes a área da UE. “É como culpar Portugal por algo que está acontecendo na Polônia”. Sim, ambos estão na UE, mas por que você está nos misturando com outras coisas que estão acontecendo por lá”?
A Amazônia atraiu mais atenção dos formuladores de políticas e líderes empresariais europeus nos últimos anos. Os supermercados britânicos estavam entre aqueles que assinaram a Moratória da Soja em 2006, um compromisso voluntário que proibia a soja das áreas desmatadas no bioma amazônico. As intervenções tiveram muito sucesso, um estudo de 2020 na Natureza chamando-o de “um dos grandes sucessos de conservação do século 21”, após a taxa de desmatamento da Amazônia brasileira ter caído 84% entre 2004 e 2012.
Mas enquanto o desmatamento caiu na Amazônia, os impactos prejudiciais “vazaram” para outros biomas e “hoje, o bioma vizinho Cerrado é um hotspot de desmatamento”, concluiu um trabalho na Natureza no ano passado. No ano até julho de 2021, o desmatamento atingiu uma alta de seis anos no Cerrado com 8.531 km quadrados desmatados – uma área mais de cinco vezes o tamanho da Grande Londres.
Alarmante expansão
A extensão da expansão agrícola é alarmante para os ecologistas. O Cerrado é uma das savanas mais biodiversas do mundo, lar de milhares de espécies de plantas e animais, mas sua transformação em uma central de produção de soja significa que, desde 1985, quase metade de sua vegetação nativa desapareceu, de acordo com o projeto de monitoramento MapBiomas. A conversão também está contribuindo para a crise climática, já que as plantas enraizadas do Cerrado estão no coração de um enorme tanque de dióxido de carbono na região. À medida que são removidas, o gás é liberado na atmosfera. A situação está se tornando crítica, com um documento no ano passado concluindo que o Cerrado está “ficando mais quente e mais seco” e agora ameaça todo um colapso dos ecossistemas.
A destruição é de grande importância para a indústria alimentar britânica, dado que o Brasil fornece quase dois terços de toda a soja do Reino Unido utilizada para alimentação animal, de acordo com pesquisas da London School of Economics. Em 2019, a Tesco prometeu £10 milhões para tentar incentivar os agricultores a cultivar soja em terras agrícolas existentes em vez de queimar floresta virgem, e neste verão, Sainsbury’s e Waitrose se juntaram a ela investindo um total de $11 milhões (£9,1 milhões) em um novo sistema de incentivos financeiros para que os agricultores brasileiros conservem a vegetação nativa.
“É muito claro que não precisamos cortar uma única árvore na floresta tropical amazônica para nos convertermos em agricultura”.
Também houve esforços para pressionar os comerciantes de soja como a Cargill a selecionar os agricultores que não cumprem com as leis de desmatamento, mas de acordo com um ambientalista brasileiro, estes caíram por terra. “Os comerciantes não puderam filtrá-los. Os fazendeiros ganharam. Houve um protesto tremendo das associações de soja como Aprosoja e Abiove [representando os produtores] que disseram ‘isto está infringindo nossa soberania nacional’. Faremos o que quisermos”. E se você não nos quer, vamos vendê-la à China”. É muito poderoso, muito conservador [como um setor]. É também arrogante e odeia inferências”.
Enquanto comerciantes como a Cargill, ADM e Bunge ainda são amplamente criticados pelos ativistas por suas ligações com o desmatamento, a fonte sugere que estas empresas estão “presas entre uma rocha e um lugar difícil” quando se trata de enfrentar o problema. Por um lado, elas estão tentando obter uma fonte mais sustentável para atender a demanda em mercados como a Europa e os EUA, enquanto simultaneamente tentam convencer “os agricultores inflamados pelo discurso anti-ambiental do Sr. Bolsonaro”.
O presidente Jair Bolsonaro é amplamente visto como um dos principais fatores por trás do declínio da história ambiental do Brasil. Desde que chegou ao poder em 2019, apoiado pelos ricos grupos do agronegócio brasileiro, ele cortou o orçamento da agência ambiental para seu nível mais baixo em 21 anos, colocou-o dentro do Ministério da Agricultura orientado para os negócios, e se gabou abertamente da falta de aplicação das leis ambientais. “Será que [multas] têm que existir? Sim”, disse ele em janeiro. “Mas nós conversamos, e reduzimos as multas na agricultura em mais de 80%.
Esta permissão tácita de atividade ilegal tem incentivado muitos agricultores a limpar terras. No Cerrado no ano passado, 98% das conversões de terras continham algum tipo de irregularidade, como a inexistência de licença ou a ultrapassagem do limite legal, estudo de Mapbiomas encontrado. Enquanto isso, na Amazônia, o desmatamento no primeiro semestre de 2022 aumentou 80% em comparação com o mesmo período em 2018, o ano anterior à tomada de posse de Bolsonaro, mostra uma análise do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia.
Isto representa um sério quebra-cabeças para as empresas britânicas de alimentos ligadas ao Brasil. O que elas podem fazer para conter os danos? A liberação de terras não é mais visivelmente necessária para o desenvolvimento agrícola com terras suficientes já em produção. Em todo o Brasil, há agora 72 milhões de hectares de terras de cultivo mais 90 milhões de hectares adicionais de pastagens degradadas, uma área total maior do que a Mongólia. “Temos problemas com incêndios, temos problemas com desmatamento ilegal”, diz Celso Moretti, presidente da Embrapa, a associação brasileira de pesquisa agrícola. “Mas é muito claro que não precisamos cortar uma única árvore na floresta tropical amazônica para nos convertermos em agricultura”.
Incentivos financeiros
Para combater o desmatamento, muitos concordam, portanto, que deve haver um maior incentivo financeiro para que os proprietários de terras preservem o que ainda existe. “É importante ver como incluir essas pessoas nas atividades econômicas porque quando perceberem que a floresta tem mais valor em pé do que destruída, acho que o que vemos hoje vai melhorar”, diz Fava Neves.
Uma opção é expandir a disponibilidade dos mercados de carbono para os agricultores brasileiros, diz ele, permitindo-lhes rentabilizar a terra preservada através da venda de créditos a outros poluidores que tentam compensar suas emissões. “Esta será uma verdadeira revolução”, diz Fava Neves. “Vai mostrar que deixá-la sozinha faz mais dinheiro do que produzir carne”.
A demanda global por créditos de carbono deve crescer 15 vezes até 2030 para um valor total de US$ 50 bilhões, de acordo com a Taskforce on Scaling Voluntary Carbon Markets, e o Brasil está agora tomando medidas para se juntar à festa. Em maio, o Presidente Bolsonaro assinou um decreto para criar um mercado nacional de carbono, mas há dúvidas entre os investidores quanto a sua viabilidade. Em um mercado legítimo de carbono, a verificação é crucial, mas Bolsonaro não deu nenhuma garantia de que isso acontecerá. “Se a questão de alto nível de desmatamento não for tratada de forma eficaz… será difícil para o Brasil atrair investimentos para o mercado de carbono”, disse Graham Stock, estrategista da BlueBay Asset Management, à Associated Press em janeiro.
Tesco, Sainsbury’s e Waitrose também estão tentando incentivar os fazendeiros de soja, fornecendo financiamento de baixo custo em troca de conter o desmatamento legal em suas terras. Os US$ 11 milhões colocados pelos três supermercados serão usados para fornecer empréstimos anuais aos agricultores para a compra de sementes, fertilizantes e outros insumos agrícolas a uma taxa cerca de 25% mais baixa do que sua taxa de juros atual.
Como este é seu custo primário, os agricultores poderiam aumentar seus lucros em até 25%, diz Pedro Moura Costa, CEO da Sustainable Investment Management, a empresa financeira que administra o incentivo. O esquema se concentra inicialmente em 36 fazendas, mas com a expansão do pote para 100 milhões de dólares no próximo ano à medida que outras empresas de alimentos e bebidas se inscreverem, espera-se que seu alcance cresça, diz Moura Costa.
Os formuladores de políticas europeus e britânicos também estão procurando incitar a mudança. A UE está procurando implementar leis até 2025 que tornarão ilegal a importação de bens de terras ilegalmente desmatadas, e o Reino Unido pode não estar muito atrasado. Embora ainda haja dúvidas sobre se e como isto pode ser aplicado com sucesso, alguns no Brasil afirmam que já estão se preparando para a mudança.
“Precisaremos fornecer 100% de transparência nos navios que vão para a Europa”, diz André Nassar, presidente executivo da Abiove. “Mas é claro que precisamos de outras tecnologias, precisamos melhorar o sistema de rastreabilidade”. Então é isso que estamos fazendo aqui no Brasil”. Desenvolver os sistemas para todas as empresas que compram soja porque todas as empresas têm que fornecer a origem”.
Nassar adverte, entretanto, que as mudanças inevitavelmente aumentarão os preços, pois a eficiência na atual cadeia de fornecimento de soja será comprometida. “É preciso mudar a logística e então os preços aumentarão porque perderemos eficiência”.
Em última análise, muito dependerá das próximas eleições brasileiras em outubro. A lei brasileira já especifica que os agricultores devem proteger uma certa quantidade de vegetação nativa dependendo do bioma, variando de 80% na Amazônia a até 35% no Cerrado. Mas a falta de fiscalização está minando seu potencial. “O Código Florestal Brasileiro, a meu ver, é uma das leis que tem o mais tremendo potencial de transformação de conservação”, diz Moura Costa. “O problema é que o governo nunca colocou os recursos para verificar se as informações estão certas ou erradas”. É autodeclaratório, portanto ninguém está atualmente dizendo ‘você não tem reserva legal suficiente, então você tem que fazer algo a respeito disso'”.
Muitos ambientalistas esperam que Lula da Silva, o atual líder nas pesquisas e ex-presidente de 2003 a 2010, possa vencer em outubro e replicar seus esforços durante seu primeiro mandato. Embora não seja de forma alguma um recorde perfeito, ele superou quedas recordes de desmatamento na Amazônia e se comprometeu a buscar “desmatamento líquido zero” no país se eleito.
“Uma coisa que me entristece é a generalização. É como culpar Portugal por algo que está ocorrendo na Polônia”.
No entanto, nunca haverá uma bala de prata, com cenouras e bastões necessários para garantir que os bolsos existentes de uma agricultura brasileira sustentável se tornem a norma. Algumas delas podem ser um prêmio internacional, outras podem ser financiamentos de baixo custo de empresas alimentícias européias. Em breve também haverá exigências para que todas as cadeias de abastecimento na Europa sejam livres de desmatamento.
No entanto, o resultado da eleição de outubro irá superar tudo o resto. Se Bolsonaro vencer novamente, poderá definir uma direção de viagem impossível de ser revertida.