No banco dos réus, está o leite. A promotoria traz fortes acusações contra ele, como causar – em algumas pessoas – vômitos, diarreia e dor abdominal logo após a sua ingestão, e também, cerca de 30 minutos depois, flatulência (os famosos gases) e distensão abdominal.
Nesse momento, a defesa se levanta e diz: “Senhor juiz, protesto. As duas situações em questão são diferentes, e o meu cliente não é 100% culpado. A culpa é da lactose e da proteína do leite”. Após horas no tribunal, anuncia-se o veredito: o leite é absolvido porque, nos dois casos, há medidas a serem tomadas para que os danos aos consumidores sejam controlados.
Brincadeiras à parte, estamos falando aqui de dois tipos de “vilania” associados a essa bebida: a intolerância à lactose e a alergia à proteína do leite de vaca (APLV). São dois problemas bem diferentes, mas, o melhor, ambos têm tratamento satisfatório, permitindo que suas “vítimas” – na maioria dos casos – possam vol- tar a tomar um bom copo de leite quentinho. E no que, exatamente, essas duas condições se diferem? Bem, de fato, é a ingestão da bebida produzida pela vaca que dá o pontapé inicial aos sintomas, que podem se confundir porque há alguns em comum, como os já mencionados dor abdominal, diarreia, náuseas e vômitos. Porém, outros sinais também se juntam a esses, dando mais pistas sobre qual dos dois problemas está afetando a pessoa.
Porém, a maior diferença está no responsável por tudo isso. Em relação à intolerância, a culpa recai sobre a lactose, que está presente em cerca de 5% a 8% dos laticínios, com uma função nobre: servir de fonte de energia para o desenvolvimento do sistema nervoso, facilitando a absorção de cálcio, fósforo e vitamina D, além de favorecer a retenção de cálcio e prevenir a osteoporose. Já quanto à APLV, o problema está na proteína do leite. A seguir, vamos entender melhor as duas condições.
O que é intolerância a lactose
Para falarmos sobre intolerância, primeiro é preciso entender o que acontece toda vez que tomamos um copo de leite ou comemos algum de seus derivados (queijo, manteiga, iogurte, coalhada, creme de leite, leite condensado, etc.). A lactose – que é o açúcar do leite – necessita ser quebrada em carboidratos mais simples (glicose e galactose), para que ocorra uma melhor absorção no intestino e a energia seja gerada – quem faz esse processo é a enzima lactase.
Só que, na maioria das pessoas, a atividade dessa enzima diminui após o desmame, já que o leite deixa de ser a principal fonte de energia e de nutrientes para o organismo. E, com o passar dos anos, isso tende a piorar. “Aproximada- mente 60% da população brasileira, em algum momento da vida, vai se tornar intolerante à lactose”, afirma Adélia Carmen Silva de Jesus, vice-presidente da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG).
Como a lactase é de extrema importância para a digestão da lactose, quando há a deficiência ou a ausência da enzima na mucosa do intestino delgado, ocorre a má digestão desse açúcar do leite e a consequente intolerância. É então que surgem todos aqueles sintomas desconfortáveis, citados no quadro ao lado, que costumam ser mais comuns em pessoas com mais idade. Porém, Adélia informa que ninguém está livre de se tornar intolerante: “O problema é mais comum nos extremos da vida, como em crianças e idosos, mas pode acometer em qualquer fase”.
Seja quando acontecer – e se acontecer –, o importante é que existem tratamento e alternativas alimentares. Após o diagnóstico ser feito junto a um gastroenterologista – que poderá pedir exames específicos –, uma das medidas é prescrever a ingestão da enzima lactase (em pó, tabletes, pílulas ou líquido) sempre que o intolerante à lactose for consumir produtos lácteos. Ou seja, para não precisar dizer não àquela pizza com os amigos, basta tomar essa enzima cerca de dez minutos antes de se sentar à mesa.
Como tomar leite sendo intolerante à lactose
Para colaborar na prevenção de problemas relacionados à falta de cálcio, a indústria produz laticínios sem lactose. E será que dá para confiar neles? Neste teste, a PROTESTE avaliou oito lotes de leites semidesnatados zero lactose. Em todos os produtos, os resultados foram excelentes, sendo que alguns cometeram pequenos deslizes na rotulagem.
Começamos nossas análises pela saudabilidade. Foi nesse critério que todos os lotes, sem exceção, tiraram nota máxima em todos os quesitos avaliados: quantidade de carboidratos, proteínas, gorduras totais, gorduras saturadas, gorduras trans, fibras, sódio, quantidade de cálcio e presença de aditivos. “Porém, vale saber que não é obrigatório informar o teor de cálcio nos leites. Ainda assim, nós verificamos isso”, informa Mylla Moura, especialista responsável por este teste.
Numa porção de 200 ml da bebida, encontramos uma média de 2,1 g de gordura, sendo 1,2 g de gordura saturada. Como espera- do, a quantidade encontrada no leite semidesnatado é menor do que a média constatada no teste do leite integral (será publicado na próxima edição da Revista PRO- TESTE) – 6,3 g em 200 ml. Mylla, contudo, faz uma orientação: “O consumidor não precisa focar apenas na quantidade de gorduras totais do leite para definir se deve ou não consumir o produto.
Na verdade, é importante verificar o teor de gordura saturada, cujo excesso está associado ao aumento do risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Entre- tanto, as quantidades presentes no leite não são preocupantes diante de uma alimentação equilibrada”.
Quanto ao cálcio, a média encontrada foi de 233 mg por porção de 200 ml. O lote de Ninho, além de apresentar no rótulo a quantidade de cálcio, também informa quanto oferece de vitamina A, D, E, C, ferro e zinco. “A presença desses nutrientes torna o produto mais atrativo para o consumo, mas vale destacar que foram adicionados ao leite”, explica a especialista. Entre os aditivos, a legislação estabelece que leites só podem conter estabilizantes. E isso foi respeitado em todos os produtos.
Nesse caso, como não podem levar conservantes, é importante destacar que o prazo de validade está intimamente relacionado ao manuseio em todo o processo e ao tratamento térmico. Então, fique de olho à data de valida- de no rótulo e, em casa, acondicione bem o produto para não aumentar as chances de estragar por mudanças bruscas de temperatura. “Antes de aberto, pode ser armazenado em temperatura ambiente. Mas, depois, deve ser mantido na geladeira durante o tempo indicado pelo fabricante”, avisa Mylla.
Consumindo leite de forma segura
No consumo seguro, encontramos apenas alguns pequenos equívocos em relação à rotulagem dos lotes Parmalat e Barra Mansa. O primeiro informa como parâmetro a porção de 100 ml em seu rótulo, enquanto, de acordo com a legislação, deveria apresentar a porção de 200 ml. Já o Barra Mansa não traz a recomendação de armazenamento após o produto ser aberto, o que é obrigatório.
Quanto ao restante dos critérios obrigatórios no rótulo, todos os lotes se saíram bem. Por exemplo, no painel frontal, imprimiram a frase dizendo que não pode ser consumido por crianças menores de 1 ano e informaram o percentual de gordura: Barra Mansa (1,3%), Ninho (1,2%) e Italac, Itambé, Parmalat e Tirol (1%).
Além disso, fique atento a um fato: não opte por um leite, em detrimento de outro, só por ele estampar no rótulo que é fonte de cálcio. “Algumas marcas fazem uso dessa alegação, mas isso é inerente ao produto. Portanto, independentemente da presença ou ausência dessa frase, o consumidor se beneficiará do consumo de cálcio de qualquer forma”, diz a especialista. Todos os lotes têm menos de 0,10 g de lactose por 100 g, podendo ser consumidos por intolerantes.
Avaliação de marcas de leite sem lactose
Foram avaliadas 8 marcas de leite que oferecem a opção sem lactose. As que ganharam nota máxima, foram: Italac, Piracanjuba, Itambé, Ninho/Nestlé, Taeq e Tirol. Em segundo lugar, ficou a Parmalat e, em terceiro lugar, Barra Mansa.