A crise do leite tem ditado o ritmo da atividade no Brasil ao longo de 2024 e segue moldando as perspectivas para 2025.
Em um ambiente de preços em queda, margens comprimidas e oferta elevada, produtores e indústrias tentam se reorganizar para atravessar um ciclo que, segundo lideranças do setor, ainda está longe de mostrar seu limite. Dados recentes do Cepea mostram que a “Média Brasil” fechou outubro com retração de 5,9%, levando o litro a R$ 2,2996. Foi o sétimo mês consecutivo de desvalorização, acumulando 21,7% no ano e pressionando toda a cadeia.
Para Allan Tormen, produtor de Erechim (RS), presidente do Sindicato Rural local e coordenador da Comissão de Leite e Derivados da Farsul, a situação atual é conhecida por quem vive o setor, mas ganhou intensidade. Em entrevista ao Canal Rural, ele reforça que momentos como este exigem resiliência, inteligência estratégica e preparação para o médio e longo prazo.
Na visão do dirigente, o cenário global explica boa parte da pressão. Países com forte presença no mercado internacional, como Nova Zelândia e Estados Unidos, além dos parceiros do Mercosul, também ampliaram suas produções. Isso significa uma oferta mundial mais robusta, que tende a empurrar preços para baixo em regiões importadoras, afetando diretamente a formação de valores internos no Brasil.
Tormen observa que o país também deve aumentar sua produção — algo em torno de 8% em 2025, segundo suas projeções — o que adiciona mais peso à equação da oferta. Em paralelo, as importações seguem em patamar elevado, reforçando a disponibilidade interna. Para ele, esse conjunto desloca o eixo de poder na negociação e acentua vulnerabilidades históricas.
Entre essas fragilidades, uma delas se repete ao longo dos anos: a percepção de “falta de poder de barganha”. Conforme explica, tanto produtores quanto indústrias enfrentam esse desafio, ainda que de formas diferentes. “A indústria vê o produtor como fornecedor. Se o volume e a qualidade são interessantes, ela não quer perder. Então valoriza fornecedores-chave”, afirma. Por outro lado, quem não tem escala, constância ou capacidade de negociação fica ainda mais exposto à volatilidade.
Essa dinâmica, segundo ele, se agrava pela baixa consolidação. O setor vive um movimento complexo em que muitos produtores deixam a atividade, enquanto propriedades mais estruturadas conseguem sobreviver, mesmo sem atingir todos os níveis de rentabilidade desejados.
“Quem vai fazer isso é o mercado”, resume Tormen, apontando que os ciclos de crise acabam selecionando os sistemas mais preparados para se manter competitivos. Ao mesmo tempo, ele acredita que o processo pode abrir oportunidades futuras, na medida em que a consolidação tende a trazer previsibilidade operacional e comercial.
Ainda assim, o diagnóstico é contundente: o caminho será longo. Tormen é direto ao afirmar que a crise atual ainda não atingiu sua profundidade máxima. “É uma crise longa, mas não chegamos ao fundo do poço”, reforça. Para ele, atravessar esse período depende tanto de fatores macroeconômicos e políticos quanto de mudanças internas no comportamento dos produtores, especialmente em gestão e tomada de decisão.
Nesse sentido, o dirigente defende maior profissionalização e organização dos elos da cadeia. Modelos contratuais mais claros e previsíveis são, na sua avaliação, fundamentais para reduzir a volatilidade e permitir planejamento. “Sem informação e sem um acordo claro, ninguém consegue tomar decisões assertivas”, ressalta. Ele lembra que outras crises já forçaram transformações estruturais no setor e que o momento atual exige, novamente, revisão de práticas, ferramentas de gestão e capacidade de adaptação.
Tormen também vê papel crucial para instrumentos como seguros rurais mais robustos e sistemas de acompanhamento constante de custos, produtividade e tendências globais. Com sete dos últimos 12 meses marcados por quedas no preço do leite, a palavra de ordem, segundo ele, é preparo. “O produtor vai ter que olhar para o que está acontecendo no mundo e pensar o negócio dele no médio e longo prazo.”
Mesmo prevendo meses ainda pressionados, Tormen acredita que propriedades bem estruturadas podem atravessar a crise e emergir mais fortes. O desafio de fundo, afirma, é transformar a atividade em um negócio sustentável, orientado por eficiência, custos controlados e estratégia clara. Em suas palavras: “Fica no mercado quem produz o que o cliente quer comprar, com o preço que o mercado diz que é o justo.”
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Canal Rural






