O Brasil, o maior país da América do Sul, é amplamente autossuficiente no fornecimento de laticínios.
Brasil
Como quase todo o leite produzido no Brasil é consumido internamente e as importações se limitam em grande parte ao leite do Mercosul.

Para entender o que está acontecendo no setor de laticínios brasileiro, é preciso primeiro lembrar que (a) os produtores são pagos por litro; (b) a operação média da fazenda é muito pequena para os padrões da Nova Zelândia (110.000-274.000 litros/ano) e extremamente diversificada (variando de 18.000 a 33.000.000l/fazenda/ano); e (c) o país não é exportador.

Além disso, deve-se observar que os países do Mercosul (o acordo de livre comércio que engloba Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) aplicam uma tarifa de 28% a qualquer produto lácteo importado de fora do bloco.

O Brasil é amplamente autossuficiente no fornecimento de lácteos, geralmente importando apenas 1-4% de sua demanda, quase todos da Argentina ou do Uruguai. As exceções são os momentos em que a taxa de câmbio BRL/US$ favorece pequenas exportações ou quando os preços nacionais do leite estão muito altos em comparação com os preços mundiais, provocando maiores quantidades de importação. Essa última é a situação no momento em que este artigo foi escrito (Fig. 1).

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Com o aumento das importações, o preço do leite na fazenda (que é ajustado mensalmente) caiu de um recorde histórico em agosto de 2022 (US$ 1,08/L) para US$ 0,72/L em agosto passado, atingindo o ponto de equilíbrio da maioria das fazendas (Fig. 2). Como o leite brasileiro tem apenas 7,2% de sólidos lácteos (MS), isso equivaleria a US$ 10/kg de MS, uma conversão que deve ser feita com cautela, pois a maior parte do leite é produzida e comercializada para ser consumida como fluido, internamente (o leite UHT com 3% de gordura é o principal produto).

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Fig. 2. Preço do leite na fazenda e linha de ponto de equilíbrio atual no Brasil, mostrados em BRL (R$/L) e em NZD ($/L), de jan/21 a ago/23, deflacionados.

De acordo com a DairyNZ, os custos de produção de leite da Nova Zelândia foram tipicamente de US$ 9,17/kg MS durante a temporada 2022/23. Isso significa que o Brasil está produzindo a um custo aproximadamente 9% mais alto do que os últimos números de custo da Nova Zelândia disponíveis, em uma base de MS (ou seja, US$ 9,17 vs. US$ 10/kg MS), mas 13,9% mais baixo em uma base de volume (calculado a partir de US$ 9,17 x 8,9%MS = 0,82/L comparado a US$ 0,72/L no Brasil).

Portanto, a finalidade do leite (fluido versus sólido) e o sistema de pagamento ($/L versus $/kgMS) são fatores muito importantes de competitividade, dentro de cada tipo de negócio.

A Nova Zelândia, como exportadora, depende muito dos sólidos do leite. O Brasil, em grande parte, não depende. Apenas uma empresa brasileira (uma cooperativa de nível secundário) está fazendo a transição de um pagamento por volume para um pagamento por sólidos lácteos, pois depende quase inteiramente da produção e venda de leite em pó. Todas as outras compram leite por litro e, no máximo, pagam um preço de bônus pela porcentagem de MS, dependendo do mix de produtos. A mudança dessa cooperativa provavelmente estimulará os concorrentes que também dependem de sólidos lácteos a seguir o exemplo (por exemplo, empresas de queijo).

Custos e margens

A margem mensal estimada sobre o custo da ração é usada no Brasil para acompanhar as tendências de lucratividade. Um exemplo é mostrado na Fig. 3, para os últimos três anos. Embora as tendências sejam válidas para a maioria dos produtores, as margens reais sobre a ração tendem a ser menores do que as relatadas por esse tipo de estimativa.

A ração é responsável por 45-60% dos custos operacionais no Brasil. Quanto mais simples for o sistema, menores serão os custos indiretos e, portanto, maior será o peso da ração no composto de custos. A Tabela 1 mostra os custos recentes de produção de gramíneas e de compra de concentrados. Os valores de gramíneas e silagem de milho são derivados dos melhores fazendeiros. Os agricultores médios têm um custo mais alto.

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Tabela 1. Custo de produção de gramíneas e de compra de rações concentradas no Brasil, em 23 de agosto.

E quanto à mão de obra?

Embora possa não parecer, a mão de obra é um componente importante dos custos no Brasil. Embora o valor pago pela mão de obra nas fazendas de gado leiteiro (US$ 6,76/hora) possa parecer extremamente barato para os neozelandeses, quando a produtividade da mão de obra é calculada, um quadro completamente diferente é revelado (Tabela 2).

Embora o salário do ordenhador seja 70% menor no Brasil, ele custa ao empregador 125% a mais do que o seu equivalente na Nova Zelândia por litro de leite produzido. O exemplo considerou uma unidade de mão de obra em cada país, substituída durante os intervalos e feriados por uma pessoa que recebia o mesmo salário (os rebanhos brasileiros são ordenhados durante todo o ano, portanto, para que a comparação fosse válida, a mão de obra neozelandesa foi mantida durante a estação seca).

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Tabela 2. Comparação do custo de mão de obra entre duas fazendas típicas da Nova Zelândia e do Brasil.

Impacto dos preços da terra

A terra é outro fator-chave que determina a viabilidade econômica do negócio de laticínios. Embora a terra rural no Brasil possa ser extremamente cara em certas regiões, a terra média de uma fazenda de gado leiteiro é 61% mais barata do que na Nova Zelândia. No entanto, a produtividade é menor do que na Nova Zelândia, o que, na verdade, faz com que o custo seja 7,8% maior no Brasil se dividirmos o preço pago por hectare pelos litros de leite potencialmente produzidos em um ano por esse hectare (chamado de “custo relativo” na Tabela 3).

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Tabela 3. Preços da terra na Nova Zelândia e no Brasil, sua produtividade típica e a relação entre os dois (custo relativo da terra).

Apesar das diferenças nos preços do leite e nos custos dos insumos entre os dois países, ambos parecem ter uma proporção estimada semelhante de produtores (70-80%) que terão prejuízo, caso os preços e as previsões atuais se mantenham.

Como quase todo o leite produzido no Brasil é consumido internamente e as importações se limitam em grande parte ao leite do Mercosul, os principais determinantes diretos do preço do leite brasileiro são a oferta doméstica e o poder de compra do consumidor (atualmente corroído pela inflação).

Entretanto, não vamos nos enganar. Embora a Nova Zelândia dependa em grande parte das exportações, especialmente para a China, o Brasil também é afetado por seu sucesso comercial, já que o leite não vendido para a China compete mais ferozmente no mercado mundial, baixando os preços e tornando o leite do Mercosul mais atraente para os importadores brasileiros, o que diminui os preços na porteira da fazenda.

*Wagner Beskow é pesquisador sênior de laticínios e consultor de fazendas da Transpondo, Brasil.

 

 

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