O setor de laticínios está atento aos impactos das mudanças climáticas. Quais práticas podem dar mais resiliência aos produtores rurais?
Congresso Mundial de Laticínios (World Diary Summit), evento anual organizado pela Federação Internacional de Laticínios (IDF), foi realizado em Paris.
Congresso Mundial de Laticínios (World Diary Summit), evento anual organizado pela Federação Internacional de Laticínios (IDF), foi realizado em Paris.

Tirando os discursos oficiais, o congresso mundial da indústria de laticínios este ano teve duas aberturas: uma inteiramente glamurosa e outra surpreendentemente sóbria. A glamurosa foi o coquetel de abertura. O Congresso Mundial de Laticínios (World Diary Summit), evento anual organizado a cada vez em um país pela Federação Internacional de Laticínios (IDF) dessa vez aconteceu em Paris.

No coquetel de abertura, os convidados foram recebidos no Museu do Louvre, embaixo da cúpula de vidro da grande pirâmide, em uma noite com mesas sempre abastecidas com alguns dos melhores queijos do mundo e também – é claro – com bons vinhos.

 

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Era o momento de confraternização do setor, com encontros e reencontros de grandes produtores de leite, pesquisadores e representantes das indústrias de beneficiamento de laticínios como queijos e iogurtes. Já no dia seguinte à abertura dos trabalhos do congresso, dessa vez em um centro de convenções de La Défense, área de prédios envidraçados e vocação executiva, teve um tom mais preocupado.

A primeira palestra da primeira sessão do primeiro dia da programação oficial do congresso foi ministrada pelo Bruce Campbell, estrategista-chefe de inovação da organização dinamarquesa Clim-Eat. Sua apresentação já dizia a que vinha pelo título: “Ficando dentro dos limites do planeta – Reduzindo os impactos ambientais da agricultura”.

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O primeiro slide exibido por Bruce no telão para todos os presentes na sala praticamente lotada era bem claro. Na imagem de fundo, uma nuvem carregada de tempestade se aproxima de um campo de savana. No texto, com letras pretas simples, as principais mensagens: “O sistema alimentar está quebrado. A agricultura está impactando o planeta de forma catastrófica.” Bruce iluminou o elefante na sala.

“A agricultura é, provavelmente, a maior ameaça para a humanidade ao ultrapassar os limites planetários”, afirmou Bruce, em entrevista depois do congresso. “Cientistas reconhecem nove diferentes limites planetários, muitos dos quais já foram ultrapassados, sendo a agricultura o principal impulsionador em diversos casos.

Embora haja muita conversa sobre a necessidade de melhorar a agricultura, as ações práticas ainda são limitadas, o que faz com que o futuro continue a parecer sombrio para mim”, disse.

 

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A forma como os produtores agrícolas enfrentarão o desafio ambiental será decisiva para garantir não só nossa alimentação, mas a própria estabilidade da vida humana. Com a produção rural depende totalmente do clima e de outros serviços da natureza, como água, polinização e biodiversidade, a agricultura é ao mesmo tempo uma das maiores ameaças e a maior vítima dos desequilíbrios ambientais.

O setor de leite e laticínios é um dos mais avançados em reconhecer isso, trazer esse debate para o centro de seu congresso mais importante, levar a pauta para a mesa de planejamento das grandes associações e começar a desenhar estratégias para se adaptar ao que vem por aí e para também reduzir seus impactos ambientais.

Alguns produtores mais modernos começam a adotar práticas restaurativas, boas para o meio ambiente e para a sociedade do entorno. Outros, por sua vez, recuperam práticas ancestrais, que já eram regenerativas há milhares de anos.

E não estamos falando apenas comunidades indígenas na Amazônia mas também de alguns fazendeiros de países desenvolvidos, que produzem, seguindo receitas passadas de uma geração para outra, alguns dos queijos mais finos da França. Eles fazem parte de uma frente de agricultores que podem estar plantando o futuro da nossa relação com a terra e com a Terra.

Os agricultores lidam com a variabilidade climática desde o início da agricultura, então, de certo modo, eles conhecem o problema. “No entanto, os extremos que vemos hoje são muito diferentes do passado”, diz Bruce Campbell.

“Estamos constantemente quebrando recordes de temperatura, quantidade de chuvas, às vezes em excesso, outras vezes escassas, ciclones e atrasos no início das estações. Não estamos preparados para lidar com esse novo clima, e a situação só deve piorar com o aquecimento global.” Para ela, em algumas partes do mundo, haverá escassez de alimentos, mas não em todas, pois em muitos lugares produzimos em excesso.

Por exemplo, há muito desperdício de alimentos que, se reduzido, poderia alimentar muitas pessoas. Além disso, em alguns lugares, grande parte da produção é destinada à alimentação animal e não humana. “Se estivermos dispostos a mudar nossas dietas, especialmente onde há um consumo excessivo de produtos de origem animal, poderíamos destinar essa produção ao consumo humano”, afirma.

Cita o exemplo da Dinamarca, onde mais da metade das terras agrícolas é dedicada à ração animal.

No caso da pecuária, tanto de corte quanto de laticínios, além do próprio impacto direto das mudanças climáticas nas condições das fazendas, há outros fatores indiretos. Um deles tem a ver com a percepção pública. “Com o aumento da preocupação com as mudanças climáticas, é provável que o comportamento dos consumidores também mude, como a redução da demanda por alimentos de origem animal. Isso já é visível em alguns países europeus, por exemplo”, diz Bruce.

 

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Produtora de queijos Marie Roy, uma das proprietárias da fazenda Gaec du Sauget (Alexandre Mansur/Divulgação)

agricultura regenerativa tem ganhado espaço no mundo todo como uma alternativa viável e sustentável para aumentar a resiliência dos produtores rurais diante dos impactos crescentes das mudanças climáticas, como secas, inundações e eventos climáticos extremos.

Segundo estimativas, a área global de terras cultivadas com práticas regenerativas tem crescido a uma taxa de 16% ao ano, impulsionada pela demanda por soluções que diminuam a dependência de insumos químicos e melhorem a qualidade do solo.

Esses métodos, que incluem rotação de culturas, cobertura do solo e aumento da biodiversidade, ajudam a criar sistemas agrícolas mais robustos, capazes de reter mais umidade durante períodos de seca e resistir melhor ao excesso de chuvas, evitando a erosão do solo.

Pesquisas indicam que solos com práticas regenerativas retêm até 30% mais água, o que ajuda na adaptação a climas variáveis e extremos. Esses dados evidenciam que a agricultura regenerativa não só está crescendo, mas também se mostra como uma estratégia eficaz para enfrentar os desafios climáticos no campo.

A agricultura regenerativa pode ser uma saída para a produção de alimentos em um mundo de desafios ambientais? Bruce acredita que sim. “Mas todas as formas de agricultura são muito específicas de cada contexto”, afirma. “Posso dar um ótimo exemplo.

Existe um método fantástico de cultivo de arroz – irrigação alternada. Pode reduzir as emissões de metano em 25%, mas se você aplicá-lo em solos orgânicos, as emissões de gases de efeito estufa aumentam.” O contexto importa. “Mas reduzir o uso de fertilizantes, aumentar a saúde do solo e sequestrar carbono etc., são todas coisas que precisamos fazer. Eles fazem parte da agricultura regenerativa”, diz.

Os produtores estão se ligando nisso. Um exemplo disso é a pecuarista francesa Marie Roy, uma das proprietárias da fazenda Gaec du Sauget, na região de Jura, quase na fronteira com a Suíça. A fazenda produz um leite de alta qualidade que vai na produção do queijo tipo comté, um dos mais caros do país, com denominação de origem e uma tradição milenar.

Marie observa que as mudanças climáticas têm um impacto na produção de leite, especialmente porque as vacas da raça Montbéliarde, criadas nessa região, são rapidamente afetadas por temperaturas superiores a 25 graus. O que antes eram apenas duas semanas de calor em agosto, agora se estende por dois a três meses durante o verão. Os produtores precisam se adaptar de várias maneiras. Antes, os nascimentos eram distribuídos uniformemente entre duas estações: 50% na primavera (fevereiro a maio) e 50% no outono (setembro a dezembro).

Entretanto, devido ao clima, os partos na primavera enfrentam altas temperaturas durante o pico da lactação. Agora, 90% do rebanho dá à luz entre o final de agosto e fevereiro. “Para manter os custos baixos, ampliamos o período de pastagem livre”, diz. “No verão, os custos aumentam porque a grama desaparece completamente.

Nosso solo é raso e seco, e às vezes precisamos complementar até 100% da ração.” Para lidar com as temperaturas extremas, muitos produtores estão reintroduzindo variedades nativas de pasto na região. “As pastagens permanentes e nativas, adaptadas ao ambiente, se recuperam mais rapidamente após períodos de seca e têm menos falhas”, explica Marie.

Além de se adaptar às mudanças climáticas, a fazendeira menciona que também está tentando diminuir sua própria contribuição para as emissões. “Em resposta às mudanças climáticas, interrompemos a aragem da terra há cerca de 10 anos, para aumentar o armazenamento de carbono no solo.

Embora o impacto na fazenda seja pequeno, pelo menos não contribuímos para a degradação climática”, afirma. Este sistema é viável graças ao que eles chamam de pastoreio rotativo dinâmico. “Planejamos áreas cercadas para 24 horas, adaptadas ao tamanho do rebanho, permitindo uma gestão precisa da oferta e demanda de pasto”, explica.

Além de aumentar o estoque de carbono capturado pela vegetação e armazenado no solo, a fazenda também modificou suas práticas para reduzir as emissões de metano das vacas, que são a principal contribuição da pecuária leiteira para o aquecimento global. “Para diminuir a produção de metano e o balanço de carbono, reduzimos a idade do primeiro parto de 31 para 27 meses.

Isso resultou em uma diminuição de 15% nas emissões de carbono e aumentou nosso lucro bruto. O objetivo é manter o número correto de substituições e evitar animais improdutivos, que emitem metano e afetam o balanço de carbono.”

O que Marie faz contempla os princípios básicos da agricultura regenerativa: reduzir ou eliminar os químicos, aumentar a biodiversidade, cuidar da água, preservar os polinizadores, manter ou aumentar a cobertura florestal e, sempre, cuidar das comunidades.

No caso dos produtores de leite e queijo em Jura, eles fazem isso seguindo uma receita tradicional que inclui não só a lida do campo como a própria organização social dos cooperativados e a forma como eles se ajudam e partilham os benefícios e os lucros da produção e do beneficiamento e da agregação de valor desde o produto primário até o que vai para o supermercado.

É uma receita interessante de agricultura regenerativa de ciclo completo, que começa na fazenda e termina na mão (ou na boca) do consumidor.

Foram importados 209,5 milhões de litros em equivalente leite em novembro. As aquisições de leites em pó, que representam 67,3% do total, subiram 1,39%, chegando a quase 141 milhões de litros.

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