A vocação de Goiás para o agronegócio vai bem, obrigado. O Estado tem sete empresas que figuram entre as 100 maiores do país, de acordo com a revista Forbes. São elas: JBS, de Anápolis; Comigo, de Rio Verde; Laticínios Bela Vista, de Piracanjuba; São Salvador Alimentos, de Itaberaí; SJC Bioenergia, de Quirinópolis; Jalles, de Goianésia; e Boa Safra Sementes, de Formosa.
“Aproximadamente 70% da economia goiana está ligada a toda a cadeia produtiva do agronegócio. Grandes empresas agregam qualidade, tecnologia e padrão”, destacou o superintendente de Engenharia Agrícola e Desenvolvimento Social da Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Goiás (Seapa), José Ricardo Caixeta Ramos. E os números, na visão do superintendente, só confirmam o protagonismo goiano na agroindústria, que gera empregos para o Estado, mostram que o Cerrado é um “expoente na produção de alimentos para o mundo”, lembrou o superintendente.
As 100 companhias listadas pela Forbes faturaram R$ 1,38 trilhão no Brasil em 2022. Desse montante, as empresas que nasceram em Goiás somaram R$ 374,12 bilhões, muito por conta da que está no topo do ranking: a JBS, de Anápolis. Com uma receita de R$ 350,69 bilhões, segundo a publicação, é a segunda maior empresa de alimentos do mundo e a segunda maior companhia brasileira, sendo a maior empresa privada em faturamento.
Com toda essa grandiosidade conquistada, fica difícil imaginar que a gigante começou pequena em 1953, com capacidade de processamento de apenas cinco cabeças de gado por dia. Hoje, a JBS está presente nos cinco continentes, com 400 unidades produtivas distribuídas em 15 países e vai muito além do abate de carnes.
A segunda empresa goiana citada na lista da Forbes é a Cooperativa Agroindustrial dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano (Comigo), sendo a 21ª maior de Brasil. Com uma receita de R$ 10,30 bilhões, de acordo com a publicação, reúne mais de 10 mil cooperados na região de Rio Verde, que é o 5º município no ranking nacional de produção agrícola.
Para o prefeito Paulo do Vale (União Brasil), a criação da Comigo foi um divisor de águas na história da cidade. Na visão dele, foi a cooperativa que “viabilizou o desenvolvimento do agronegócio em toda a região Sudoeste e estabeleceu as bases de um modelo cooperativista de sucesso que se tornou uma referência e um modelo para todo o Brasil”, explicou.
A história pessoal do prefeito, inclusive, está ligada com o cooperativismo. Paulo do Vale foi diretor na Unimed por 10 anos e presidente do Sicredi. “Meu irmão mais velho foi o primeiro médico veterinário a compor os quadros da Comigo. Então sempre tive um respeito muito grande e uma admiração pela história da cooperativa”, comentou.
De fato, o agronegócio é o motor da economia de Rio Verde e responsável por 88% da arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da cidade e mais de 70% das riquezas geradas. “Se o agronegócio vai bem, a população como um todo se beneficia com a geração de mais oportunidades e um crescimento sustentável que nos trouxe onde estamos hoje como uma referência nacional do agronegócio e palco de uma das maiores feiras de tecnologia no campo do mundo”, lembrou o prefeito.
A terceira empresa goiana que figura na lista, na 32ª colocação, é a Laticínios Bela Vista, de Piracanjuba e dona da Piracanjuba. Fundada em 1955 e com uma receita de R$ 6,4 bilhões, hoje é uma das quatro maiores indústrias de lácteos do Brasil, operando com capacidade produtiva de 6 milhões de litros de leite por dia e empregando 3,5 mil colaboradores diretos, em sete fábricas e doze postos de resfriamento.
Outra goiana citada pela Forbes, na 55ª posição, é a São Salvador Alimentos, que nasceu de uma pequena granja, em 1973, na cidade de Itaberaí. Hoje sua receita é de R$ 2,83 bilhões e é dona de duas marcas: SuperFrango e Boua. Atualmente, exporta pra 65 países e trabalha com carne de aves, cortes suínos, peixes, vegetais congelados, lácteos, embutidos, defumados e hambúrgueres.
A Jalles, a sexta empresa goiana da lista ocupando a 84º posição no ranking da Forbes com uma receita de R$ 1,08 bilhão, é fruto do espírito empreendedor do ex-governador de Goiás, Otávio Lage. Sua matéria-prima é a cana-de-açúcar, um produto sustentável e renovável que, para o diretor-presidente da empresa, Otávio Lage de Siqueira Filho, é uma planta abençoada que oferece energia em três estados: sólido (açúcar), líquido (etanol) e gasoso (bagaço).
A história da empresa nasce em 1980, quando Jalles Fontoura era prefeito de Goianésia e a pecuária já não era mais suficiente para empregar todo mundo no município. Nesse período, com a crise do petróleo, o governo federal criou o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), que investiu na produção e incentivou o consumo de combustível derivado da cana-de-açúcar.
Em uma época em que responsabilidade social e preservação do meio ambiente não pautava a sociedade, Otávio Lage já tinha essas preocupações e hoje a Jalles se destaca no setor sucroenergético pelo uso de tecnologias, pioneirismo e programas sociais e ambientais. Em 2001, foi a primeira empresa brasileira do setor a efetivar a venda de Créditos de Carbono, por meio do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) detalhado no Protocolo de Kyoto.
De acordo com o diretor-presidente da empresa, que é ex-prefeito de Goianésia, a Jalles gera atualmente 4,2 mil empregos diretos e faz da cana a principal atividade econômica do município de Goianésia. “Nossa atividade se diversificou com o passar dos anos e nosso diferencial competitivo é que valorizamos as pessoas, nosso maior patrimônio”, garantiu Otávio.
Justamente por isso, para o diretor-presidente, mão de obra qualificada ainda é um desafio para que a empresa cresça ainda mais. “Hoje temos a necessidade de investir recursos em capacitação e treinamento que poderiam ser voltados pra outros investimentos dentro da empresa”, alertou, pontuando que ainda faltam cursos técnicos e formação universitária adequada.
De Quirinópolis vem a outra goiana listada pela Forbes, na 72ª colocação. Movimentando uma receita de R$ 1,78 bilhão, SJC Bioenergia emprega cerca de 4,2 mil pessoas em duas unidades em Goiás. E em Formosa está a empresa que completa as sete da lista, na 86ª posição: Boa Safra Sementes, que é líder na produção de sementes de soja com uma receita de R$ 1,04 bilhão.
De acordo com a publicação, das 100 maiores empresas do agronegócio do Brasil, 41 estão concentradas no Estado de São Paulo. Paraná conta com doze empresas na lista e Minas Gerais, assim como Goiás, sete. O Rio Grande do Sul tem seis, Santa Catarina quatro, Mato Grosso três e Ceará duas. Oito estados contam apenas com uma empresa entre as maiores do país: Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Pará, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte. Dez empresas estrangeiras também foram citadas.
O assessor técnico da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg), Leonardo Machado, analisa o desempenho goiano no agronegócio é devido ao volume da produção e à qualidade dos produtos. E ele lembra que os números refletem em emprego e qualidade de vida. “Hoje, a cada 100 dólares que Goiás exporta, 82 vem do agro”, destacou.
Em 2022, os dois principais produtos que Goiás exportou foram a soja (55%) e a carnes (13,73%). Apesar disso, Leonardo lembra ainda que grande parte dos produtores ainda são pequenos. “O desafio é trazer tecnologia para aumentar a produtividade. E isso é feito dando crédito rural e assistência técnica”, explicou.
O futuro e as ameaças do agro
Apesar das chuvas intensas de janeiro, Goiás pode ter um período de seca maior neste ano. A previsão é do gerente do Centro de Informações Meteorológicas e Hidrológicas do Estado de Goiás (Cimehgo), André Amorim, que, ao avaliar os mapas climatológicos, vê possibilidade de que em meados de abril termine o período chuvoso no Estado. “Hoje a previsão é que as chuvas já comecem a diminuir no final de março”, alertou.
E as chuvas, seja pelo excesso ou, principalmente, pela falta, impactam diretamente na produção agrícola. O gerente do Cimehgo explicou que o período chuvoso em Goiás, tradicionalmente, vai de outubro a abril. No entanto, caso a previsão se confirme, “as chuvas podem finalizar um pouco mais cedo, o que pode aumentar o período de estiagem e causar crises hídricas em diversos municípios”.
O assessor técnico da Fieg lembra que, como o agronegócio é uma “indústria a céu aberto, o produtor deve se preparar para tudo”. “Se não chover, pode ter problemas. Precisa de irrigação, o que encarece a produção”, disse, destacando que está em Cristalina uma das maiores áreas irrigáveis da América do Sul.
O superintendente da Seapa reconhece que mudanças climáticas podem ser uma ameaça ao agronegócio, mas minimiza a previsão de André justamente por acreditar que os produtores goianos já estão adaptados a duas estações muito bem definidas: uma seca e uma chuvosa. Mesmo assim, no campo, de acordo com André, o prejuízo causado pelo clima já pode começar a ser contabilizado agora em fevereiro. Isso porque o excesso de chuvas que está sendo registrado desde janeiro pode causar problemas na colheita.
Mas Otávio Lage Filho é otimista. “Goiás é um Estado abençoado. Apesar de estarmos longe da costa, o que aumenta o custo do frete, temos um clima adequado, terras férteis e recursos minerais suficientes para a produção, com condições de termos duas safras por ano com a ajuda da irrigação”, comentou.
Quem concorda com Otávio é o superintendente de Engenharia Agrícola e Desenvolvimento Social da Seapa. Para ele, a combinação do solo ideal com o clima propício torna nosso Estado tão competitivo. “Goiás tem naturalmente vocação para o agronegócio”, afirmou.
Outra questão que pode trazer impactos significativos para o agronegócio goiano é o Green Deal, também conhecido como Pacto Verde Europeu, que estabelece um plano de ação para tornar a Europa o primeiro continente neutro em termos climáticos até 2050, o que impulsionaria a economia, melhoraria a saúde e a qualidade de vida, e preservaria a natureza. E essa é uma medida que pode trazer impactos diretos e indiretos nas principais cadeias produtivas do agro brasileiro e goiano.
O engenheiro florestal mestre em biodiversidade vegetal, Pedro Vilela, que é assessor da Seapa, explicou que “como a Europa é um grande comprador, o impacto vai ser grande em Goiás. O produtor vai ter que se adequar e se o Brasil e Goiás não se adaptarem, vão ficar menos competitivos”. Para ele, o continente europeu é forte na política global, mas não pode impor lei em outros países. “A Europa fazer isso não significa que o resto do mundo vai seguir o exemplo”, avaliou.
José Ricardo vê no Green Deal uma grande oportunidade. “Goiás trabalha para que se cumpra a legislação ambiental e a lei brasileira nesse aspecto é uma das melhores do mundo”, garantiu. E Pedro também lembra que uma produção mais limpa tem um custo inicial alto, mas destaca que como gera mais produtividade, traz retorno econômico. “O Brasil tem que sair na frente e oferecer o que o mercado procura e Goiás pode sair na frente se optar por políticas públicas mais verdes”, alertou.
José Ricardo reforça que investimentos nessa área aumentam a produção. Justamente por isso, para ele, precisamos “preservar o que nós temos e recuperar o que for preciso ser recuperado. A oportunidade está aberta para produções sustentáveis e o mundo não vai deixar de consumir”, resumiu.
Leonardo Machado, vê a decisão europeia como um “excesso” e uma “condenação injusta”. Para ele, nenhum setor preserva tanto quanto o agronegócio e isso por causa da legislação rígida que existe no Brasil. Só que Goiás, por exemplo, na visão dele, ainda tem como expandir dentro lei. “Nosso agro cresce e não podemos ser culpados por um crescimento legal”, argumentou.
O prefeito de Rio Verde também avalia que, assim como qualquer atividade, o agronegócio precisa ter uma base firme e segurança jurídica. “Precisamos de representatividade política à altura das demandas do campo e voz ativa nas grandes discussões nacionais”, completou.