O Governo Brasileiro tem planos para fortalecer a produção e o consumo de leite e de produtos lácteos, já a partir desta reta final de 2024.
Uma das medidas para alcançar esse objetivo foi a publicação de uma portaria interministerial – assinada por Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Agricultura e Pecuária e Assistência Social, Família e Combate à Fome – que institui a Estratégia de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar.
A portaria estabelece linhas gerais para aumentar a produtividade da pecuária de leite no Brasil e a qualidade do produto. Chama a atenção o fato de que a portaria aponta a necessidade de incentivar o consumo de leite no país. A estratégia, segundo a portaria, deve envolver o poder público nas três esferas de governo – União, estados e municípios – e a iniciativa privada.
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Outro ponto que se destaca, porque explicitado na portaria, é que a estratégia prevê especial atenção ao apoio e fomento a cooperativas de produção e distribuição.
De sua parte, para incentivar o consumo, o Governo Federal propõe fortalecer as compras públicas do leite produzido pela agricultura familiar, por intermédio de ações como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Em parceria com produtores e associações do setor, é possível prever a realização de campanhas de comunicação que exaltem o consumo de leite.
A escolha da agricultura familiar como espaço dessa política se explica, em parte, pelo fato de que esse segmento responde pela maior fatia da produção de leite no país. Segundo a consultoria Milk Point, de 1,2 milhão de estabelecimentos produtores, 955 mil são propriedades da agricultura familiar e respondem por 89% do leite que chega aos consumidores. Dessas pequenas fazendas vem parcela significativa do leite usado por grande marcas de produtos lácteos, como doces e iogurtes.
A Danone, por exemplo, afirma que 70% de seus fornecedores são agricultores familiares. O MST afirma que, em 2023, produtores e cooperativas a ela associados produziram 7 milhões de litros diários de leite, sendo 6 milhões de litros destinados à indústria.
Desafios do mercado interno
2023 foi apontado pelos produtores de leite “o ano do pesadelo”, como registrado no anuário produzido pela Embrapa Gado de Leite. Houve um aumento de 63,8% na compra de leite importado, na comparação com o ano anterior. Enquanto isso, o custo de produção para o leite brasileiro subiu 50% no período, e os preços ao consumidor, 38%.
O aumento das importações se deveu, segundo analistas, por conta da Tarifa Externa Comum (TEC) vigente no Mercosul. Segundo o setor, como forma de controle de preços, a compra dos excedentes, especialmente da Argentina e Uruguai, foi uma saída. A estratégia anunciada pelo Governo Federal pretende equacionar este problema, ao mesmo tempo em que aponta a busca pelo mercado externo para os produtos brasileiros, como nova frente de comercialização.
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Outro desafio vem dos hábitos de consumo. O leite tem enfrentado campanhas extraoficiais que desestimulam seu consumo, especialmente entre as novas gerações. Uma das fortes ideias disseminadas é que a produção de leite polui o ambiente em excesso, o que não é confirmado. Segundo números da Embrapa, 67% dos gases de efeito estufa oriundos da pecuária são produzidos pelo gado de corte, que produz oito vezes mais poluentes do que o gado de leite.
Outra ideia que acompanha a pecuária como um todo – a de que os animais são tratados com crueldade – respinga na pecuária de leite. E é desmentida pelos produtores do segmento. Em ambos os casos, a estratégia do governo é divulgar informações próximas da realidade e buscar, com a ajuda de pesquisa, reduzir os índices de carbonização e aperfeiçoar o manejo dos rebanhos.
Em 2023, o Brasil produziu 24,52 bilhões de litros de leite. Em 2020, segundo o Censo Agropecuário do IBGE, a produção foi de 35,4 bilhões de litros. Neste período, portanto, houve potencial reprimido. O consumo brasileiro aparente no mercado formal está em aproximadamente 116,7 litros/habitante, segundo dados do setor. No Uruguai, essa relação é de 232 litros de leite per capita anuais. Na Argentina, é de 193,5 litros por habitante.
Medidas para apoiar o setor vêm de antes. Uma câmara setorial do leite foi instituída pelo Governo Lula 1, em 2004. Em novembro de 2023, diante do ano ruim para o setor, o Governo Lula 3 criou, por meio de decreto, um grupo de trabalho Interministerial “com a finalidade de apresentar propostas para fortalecer a Cadeia Nacional do Leite”, de onde surgiu a portaria publicada no último dia 30 de agosto.
Os quatro principais produtores de leite no Brasil são os estados de Minas Gerais, em primeiro, com 27% de participação, seguido por Paraná, com 13%, Rio Grande do Sul, com 12%, e Santa Catarina, com 9,1%.
Confira a portaria publicada pelo Governo:
PORTARIA INTERMINISTERIAL MDA/MDS/Mapa Nº 5, DE 30 DE agosto DE 2024
Institui a Estratégia de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar.
OS MINISTROS DE ESTADO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO E AGRICULTURA FAMILIAR, DO DESENVOLVIMENTO E ASSISTÊNCIA SOCIAL, FAMÍLIA E COMBATE À FOME E DA AGRICULTURA E PECUÁRIA, no uso das atribuições que lhes confere o art. 87, parágrafo único, incisos II , da Constituição, e tendo em vista o disposto na Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, no Decreto nº 8.533, de 30 de setembro de 2015, no Decreto nº 11.771, de 9 de novembro de 2023, e o que consta do Processo nº 55000.009058/2024-96, resolvem:
Art. 1º Fica instituída a Estratégia de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar, com o objetivo de fomentar a produção leiteira, por meio de ações e estratégias para aumentar a produtividade, a qualidade, a industrialização e o consumo de leite, promovendo o aumento da competitividade, da renda, do bem-estar socioeconômico de seus produtores e viabilizando a permanência no campo e a sucessão rural.
Art. 2º São princípios da Estratégia de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar:
I – a soberania alimentar e nutricional;
II – a participação e o controle social;
III – a integração das políticas públicas no âmbito da promoção e fomento à cadeia produtiva do leite e derivados em bases sustentáveis; e
IV – o enfrentamento aos efeitos das mudanças climáticas e a responsabilidade ambiental.
Art. 3º São objetivos da Estratégia de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar:
I – promover o aumento da produtividade e da sustentabilidade da produção de leite e derivados, com base no manejo racional dos recursos naturais, na redução de custos e no fomento da produção a base de pasto e às boas práticas agropecuárias;
II – fomentar a organização dos produtores de leite em associações, cooperativas e parcerias produtivas;
III – estimular o melhoramento genético dos rebanhos adequado aos diferentes biomas, visando maior eficiência na produção de leite;
IV – viabilizar a capacitação técnica e a assistência técnica e gerencial na condução da produção de leite e derivados;
V – promover a instalação e reestruturação de agroindústrias vinculadas às organizações da agricultura familiar;
VI – fomentar a inserção e promoção do leite nos mercados institucionais, com destaque para o Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE e para as diversas modalidades do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA;
VII – promover leite e derivados produzidos pela agricultura familiar nos mercados nacional e internacional;
VIII – contribuir para a transição agroecológica e orgânica no contexto da produção de leite;
IX – promover a qualidade e a competitividade da cadeia produtiva do leite; e
X – estimular a adoção de tecnologias de baixa emissão de Gases de Efeito Estufa na pecuária de leite alinhadas com as metas do Plano ABC+.
Art. 4º São eixos da Estratégia de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar:
I – a disponibilização de linhas de créditos diferenciadas para os agricultores familiares, pequenos e médios produtores e suas organizações econômicas;
II – a promoção do associativismo, do cooperativismo e dos arranjos produtivos locais;
III – o fomento ao melhoramento genético dos rebanhos leiteiros;
IV – a melhoria da qualidade do solo e das pastagens;
V – a promoção e disponibilização de assistência técnica e gerencial aos agricultores familiares e aos pequenos e médios produtores e suas organizações;
VI – o fomento à instalação, à reestruturação e à legalização de agroindústrias familiares de leite e derivados;
VII – o aumento da aquisição de leite e derivados pelas políticas de compras públicas;
VIII – a promoção comercial dos produtos lácteos brasileiros no mercado nacional e internacional;
IX – o incentivo à produção agroecológica de leite; e
X – o apoio aos gestores de entes federativos na estruturação e fortalecimento de cadeias locais de produção e distribuição do leite e derivados com vistas à promoção da segurança alimentar e nutricional.
Parágrafo único. As ações, no âmbito de cada eixo, poderão ser executadas por meio de contratos, convênios, acordos de cooperação, termos de execução descentralizada, termos de fomento, termo de adesão, ou instrumentos congêneres, firmados com órgãos e entidades da administração pública federal, estadual, distrital e municipal, com organizações da sociedade civil organizada e organismos internacionais, inclusive consórcios públicos, e com entidades privadas, na forma prevista na legislação.
Art. 5º A Estratégia de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar será implementada por meio do Plano Nacional de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar, com as seguintes diretrizes:
I – o Plano estabelecerá os recursos, as ações, as responsabilidades, as metas e os indicadores para o desenvolvimento da cadeia leiteira;
II – compete à Secretaria de Abastecimento, Cooperativismo e Soberania Alimentar, vinculada ao Ministério de Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, a elaboração do Plano Nacional de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar; e
III – compete ao Comitê Interministerial aprovar o Plano Nacional de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar.
Art. 6º No âmbito da Estratégia de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar, compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar:
I – coordenar, em articulação com os demais órgãos do Comitê Interministerial as formas de funcionamento e de implementação das ações da Estratégia de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar, no âmbito de suas respectivas competências;
II – estabelecer a forma de funcionamento e de implementação das ações do Plano no âmbito de suas respectivas competências;
III – promover a articulação com os órgãos, as entidades, as instituições públicas e privadas parceiras e os movimentos e as organizações da agricultura familiar, com o objetivo de assegurar a execução e o cumprimento das ações da Estratégia de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar; e
IV – estabelecer termos de cooperação com instituições públicas visando o aumento da produtividade e sustentabilidade da produção familiar.
Parágrafo único. A instituição, estruturação e o funcionamento do Comitê Interministerial serão feitos em ato posterior, observando o regramento do Decreto n.º 12.002, de 22 de abril de 2024.
Art. 7º No âmbito da Estratégia de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar, compete ao Ministério da Agricultura e Pecuária:
I – promover junto aos participantes do Programa Mais Leite Saudável a Estratégia de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar e fomentar a apresentação de projetos alinhados aos seus objetivos.;
II – desenvolver, em articulação com outros órgãos e instituições públicas e privadas, estratégias e ações para aumentar o consumo de leite e produtos lácteos brasileiros;
III – desenvolver, em articulação com outros órgãos e instituições públicas e privadas, estratégias e ações para ampliar o acesso dos produtos lácteos brasileiros ao mercado internacional; e
IV – estabelecer, no âmbito de suas competências, termos de cooperação com instituições públicas e privadas para fomentar a produtividade e sustentabilidade da cadeia produtiva do leite.
Art. 8º No âmbito da Estratégia de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar, compete ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome:
I – fomentar o consumo de leite no âmbito dos programas, ações e projetos implementados; e
II – fomentar a produção de leite do pequeno produtor e sua organização, em parceria com os estados.
Art. 9º As despesas decorrentes do cumprimento do disposto nesta Portaria Interministerial correrão à conta das dotações orçamentárias consignadas aos órgãos participantes da Estratégia de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar com programas e ações, observados os limites de movimentação, de empenho e de pagamento da programação orçamentária e financeira anual.
Art. 10. Serão de acesso público os dados e as informações de execução, de monitoramento e de avaliação do Plano Nacional de Desenvolvimento da Produção de Leite na Agricultura Familiar, os quais deverão ser disponibilizados em sítio eletrônico, em formato acessível, conforme diretrizes estabelecidas pelo Comitê Interministerial.
Art. 11. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.
LUIZ PAULO TEIXEIRA FERREIRA
Ministro de Estado do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar
WELLINGTON DIAS
Ministro de Estado do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome
CARLOS HENRIQUE BAQUETA FÁVARO
Ministro de Estado da Agricultura e Pecuária