Por volta das 19h desta segunda-feira (6), Guilherme Portella, diretor de Comunicação e ESG da Lactalis, estava tenso. Dos cerca de 40 funcionários da empresa que perderam tudo nas enchentes que assolam o Rio Grande do Sul desde o fim de abril, uma jovem aprendiz, Jully, continuava em situação crítica.
“Pelas últimas informações que recebi agora à noite, ela está ilhada no telhado de uma casa [em Teutônia], com o namorado, uma criança e alguns animais”, disse Portella à Folha de S.Paulo, enquanto recebia atualizações sobre a situação da jovem.
A empresa já havia acionado uma lancha para chegar ao local, sem sucesso. O resgate só poderia ocorrer por jet ski, o que não seria possível à noite, por causa da baixa visibilidade. Na noite de domingo (5), a empresa conseguiu resgatar dois funcionários que estavam ilhados.
Uma das maiores fabricantes de leite e derivados do país, dona de marcas como Parmalat, Itambé, Elegê, President e Batavo, a Lactalis vai reverter a produção de leite em Teutônia, a 111 km de Porto Alegre, para água envasada. A ideia é distribuir até 1 milhão de litros.
Assim como a Lactalis, as enchentes no Sul mobilizam os setores produtivos na ajuda à população gaúcha e também causam impactos nos negócios.
Hoje, há congelamento de preços em mercado, empresas reveem operação logística e o comércio eletrônico sofrerá atraso nas entregas. A indústria e o agronegócio sofrem com os efeitos da tragédia.
O estado é o quarto PIB (Produto Interno Bruto) do país, atrás de São Paulo, Rio e Minas. Abastece o mercado nacional, além de ter forte comércio exterior.
No caso da francesa Lactalis, por exemplo, 5 das suas 20 fábricas no Brasil estão no Rio Grande do Sul, onde emprega 3.000 dos seus 12 mil funcionários.
Em Teutônia, a produção foi reduzida em 70% por causa da enchente no Vale do Taquari, que contaminou poços artesianos e afetou a captação de água.
“Mas agora que o nível da água baixou, conseguimos retomar a captação e vamos começar a produção de água potável no lugar do leite”, diz Portella. A entrega está prevista até sexta-feira (10) em razão da crise de desabastecimento na capital.
A iniciativa conta com o apoio de fabricantes de embalagens como Logoplaste, Packseven e Converplast. A dificuldade agora é encontrar um parceiro para disponibilizar 45 caminhões para levar a água a Porto Alegre.
Até esta segunda, as chuvas haviam deixado 85 mortos e 310 feridos, além de 134 desaparecidos, segundo a Defesa Civil. O número de municípios afetados chegou a 380 de um total de 497 cidades gaúchas.
A Lactalis decidiu antecipar o 13º salário para todos os funcionários prejudicados pelas cheias.
Já a Panvel, quinta maior rede de farmácias do Brasil, tem 67% das operações concentradas no Rio Grande do Sul. Ela e a Lojas Quero-Quero (55%) são as duas companhias de capital aberto mais afetadas pela tragédia, segundo relatório do BTG Pactual.
Varejista de materiais de construção e eletrônicos, a Quero-Quero afirmou que a extensão do impacto da catástrofe na companhia ainda está sendo avaliada e que no momento dá prioridade ao bem-estar e à segurança dos funcionários.
Em comunicado, a Panvel lamentou o impacto das chuvas e “em especial a devastação sofrida por Eldorado do Sul”, onde fica sede do grupo. “Nossa prioridade acima de tudo é cuidar das pessoas”, disse o CEO da Panvel, Julio Mottin Neto, em nota.
O acesso ao centro de distribuição da empresa em Eldorado do Sul está bloqueado. A Panvel redirecionou a logística para o seu centro de distribuição em São José dos Pinhais (PR), que já abastece as lojas de Santa Catarina, Paraná e São Paulo.
A empresa prepara uma remessa de milhares de caixas de medicamentos contra leptospirose para doação.
Já a Renner, com sede em Porto Alegre, disse que cerca de 4% das unidades do grupo (o equivalente a 27 lojas) estão fechadas. Segundo o BTG, 13% das lojas do grupo estão no Rio Grande do Sul (com exceção da rede Camicado).
A empresa afirma que não tem CD no estado, o que não compromete o fornecimento fora da região.
O Carrefour, por sua vez, afirmou que a partir desta terça (7) todas as suas lojas no Rio Grande do Sul terão congelamento de preços de todos os seus produtos.
A medida é válida para todas as bandeiras da companhia no estado: Carrefour, Atacadão, Sam’s Club e Nacional. O congelamento terá data-base de 1º de maio. No momento, 20 lojas da rede estão fechadas no estado.
Com sede em Parobé, a fabricante de calçados infantis Bibi suspendeu “as operações industriais do Sul” e está “dando suporte de atendimento aos clientes e fornecedores”. A empresa destaca que as entregas do ecommerce poderão ser afetadas.
Já a Arezzo, que mantém um polo de produção de calçados e acessórios em Campo Bom, a 56 km de Porto Alegre, afirmou que vai “flexibilizar o vencimento de títulos de franqueados e lojas multimarcas, antecipar recursos financeiros e auxílio, com itens de consumo, aos colaboradores afetados.”
Maior produtora brasileira de aço, a Gerdau paralisou as atividades das unidades de Charqueadas e Riograndense (Sapucaia do Sul) “em respeito aos seus colaboradores, colaboradoras, familiares e parceiros”, por segurança.
De acordo com o grupo, não houve unidades impactadas e a paralisação não vai afetar as entregas.
Segundo a ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal), dez unidades produtoras de carne de aves e de suínos estão paralisadas ou com dificuldades extremas de operar pela impossibilidade de processar insumos ou de transportar colaboradores.
O estado produz 11% da produção de carne de frango e 19,8% da produção de suínos nacional, que são direcionados para consumo nas gôndolas do próprio Rio Grande do Sul e para a exportação.
A associação diz que a prioridade é salvar vidas e alimentar os animais. “Núcleos de produção enfrentam não apenas perdas estruturais, mas também itens básicos como água, luz e telecomunicações”, afirma, em nota.
No setor de transportes, Latam, Gol e Azul suspenderam voos para Porto Alegre ao menos até 30 de maio. O aeroporto Salgado Filho está debaixo d’água. Já a Rumo afirmou que a operação de trens foi parcialmente afetada e “os danos aos ativos ainda estão sendo devidamente mensurados”.
A Febraban (Federação Brasileira de Bancos) anunciou no domingo (5) pausa em pagamento de dívidas. Itaú, Bradesco, Santander, BTG Pactual, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal aderiram à iniciativa.
Haverá liberação do chamado “saque calamidade” do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), ações de auxílio para funcionários e familiares na região, abertura de agências para recebimento de doações e o reforço de orientações às equipes de seguros para o atendimento da população local.
Até o início da noite de segunda, o Magalu havia doado 1.840 colchões para ONGs, escolas, igrejas e prefeituras.
De acordo com a varejista, a operacionalização das entregas das doações é feita de forma voluntária pelos funcionários das lojas e do centro de distribuição, com a utilização dos caminhões da companhia.