“Quem produz para exportação obtém, primeiro, grandes financiamentos públicos, coisa que a agricultura familiar não tem. Segundo, isenção completa de pagamento de impostos. Obviamente, toda a cadeia do agronegócio, dominada por grandes empresas, vai buscar o mercado internacional.”
Impactos na cadeira leiteira
É nessa conjuntura que quem produz leite no Brasil encontra dificuldades crescentes para manter negócios destinados ao abastecimento interno. A dolarização da economia e a elevação da taxa de câmbio aumentam os preços dos insumos necessários para manter a criação.
A produção já costuma ter altas sazonais por causa do período anual de estiagem, que acontece no inverno em boa parte do país. Para piorar o cenário, não há assistência governamental suficiente para enfrentamento das consequências de secas históricas que atingiram especialmente a região sul recentemente.
De acordo com a Embrapa, em dois anos houve alta de 62% nos custos para produtores e de 43% consumidores.
“Nesses últimos três anos, o preço do leite não reagiu. Em contrapartida, tudo aquilo que é custo para a produção de leite aumentou. Se falarmos na soja e no milho, que fazem a ração, tudo aumentou. Se falarmos em em adubo, três anos atrás estava R$ 80 a R$ 100, hoje está R$ 300”, afirma o produtor Sebastião Vila Nova.
Ele é presidente da Cooperoeste, cooperativa que atua na maior bacia leiteira do estado de Santa Catarina, um dos grandes produtores do Brasil. Segundo Vila Nova o número de produtores vem caindo consideravelmente. A abertura de novos negócios e a continuidade dos que já estavam no setor não têm atrativos.
“No nosso entendimento é uma estrada que não tem volta. Serão aumentos constantes e corremos o risco de chegar ao momento em que daremos graças por encontrar (o produto). Temos visto muitos laticínios parando as atividades porque não tinham lucratividade nenhuma. Nos próximos meses, consequentemente, o consumidor vai pagar a conta final da inflação, do diesel, do aumento dos insumos e assim por diante”, ressalta.
A Embrapa identifica uma escalada dos custos desde meados do ano passado. Segundo dados da empresa, de janeiro a junho deste ano, o preço médio do leite pago ao produtor caiu cerca de 3,8% na comparação com o mesmo período de 2021, deflacionado pelo custo de produção.
Entre os insumos e serviços que mais subiram de valor estão fertilizantes, combustíveis e o frete marítimo internacional, que sofrem influência da guerra entre Rússia e Ucrânia.
Sebastião Vila Nova afirma que o poder público deveria agir com a criação de subsídios para a compra de insumos para redução de custos. Ele cita também a necessidade de incentivos aos produtores, financiamento para acesso a novas tecnologias – inclusive para a indústria – e controle do preço dos combustíveis. O produtor conta que, nos próximos meses, até o custo das embalagens deve aumentar.
“O poder público é uma decepção nesses últimos quatro anos. Não tem contribuído em nada com a agricultura familiar. Antes, tínhamos a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que fazia uma autossustentação, que fazia o contrapeso, que adquiria os produtos lácteos e distribuía para a população mais carente e, nos últimos anos você não vê isso. Falta a mão pública atuar com vontade nesse setor, porque se não vai faltar leite. Essa é a verdade”, alerta.