A alta dos preços do leite no varejo nos últimos anos assustou o consumidor brasileiro. E de tal modo que, nos primeiros meses de 2023, o consumo de produtos lácteos diminuiu no Brasil.
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Os custos para produção de leite aumentaram e o lucro foi desaparecendo.

A alta dos preços do leite no varejo nos últimos anos assustou o consumidor brasileiro. E de tal modo que, nos primeiros meses de 2023, o consumo de produtos lácteos diminuiu no Brasil. Nos supermercados da Grande SP, o leite comum — o UHT — na ocasião a R$ 5,00 o litro (salvo exceções), fez a venda cair 4% (a de leite em pó recuou 7%), segundo consultorias.

O pecuarista, no entanto, não desfrutou dessa alta. Os custos para produção de leite aumentaram e o lucro foi desaparecendo. Produtor menos preparado para a crise saiu da atividade. Não é para menos. Em 2023, os pequenos produtores de leite (maioria) de diferentes estados do país receberam em média menos de R$ 1,80 por litro entregue aos lacticínios.

A queda da renda nas fazendas de leite não é novidade. De 2020 até outubro de 2023, o preço pago ao pecuarista subiu 38%, mas os custos de produção subiram 50%. “A situação do produtor hoje é pior que nos anos anteriores”, ressalta Glauco Carvalho, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, em Juiz de Fora (MG).

LEITE DE FORA

Em 2023, a esperada recuperação de preço na entressafra (de abril a agosto) não veio. Com auxílio das águas, a produção aumentou 1,4% entre janeiro e setembro. Mas a importação de lácteos da Argentina, do Uruguai, do Paraguai e de outros países, a preços mais baixos, elevou a oferta em 5,3%.

No ano passado, Brasil comprou lá fora algo como 180 milhões de litros por mês. E o pecuarista tirou o pé do acelerador: no terceiro trimestre a produção de leite aumentou apenas 0,80% em relação a 2022.

Se para o consumidor brasileiro esse leite de fora ajudou — o litro do UHT no varejo caiu para até R$ 3,80 –, para produtores rurais e até alguns lacticínios piorou. “A crise do setor se mostra mais longa que a de 2016”, lembra o pecuarista Alberto Figueiredo, de Resende, no Rio de Janeiro.

Pressionado pela queda na produção interna, pelo alta dos preços no mercado internacional, e por reivindicação de associações e cooperativas de produtores, o Governo Federal reduziu incentivos aos lacticínios que importam produtos lácteos.

Mais: liberou crédito de R$ 707 milhões (a juros de 8% ao ano pré-fixados) para as cooperativas repassarem a pecuaristas já endividados com as próprias cooperativas. E em caráter emergencial fez a Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab, destinar R$ 200 milhões para comercialização, mas somente para leite em pó. Tentativa de baixar a febre sem tratar a doença. “Decisões sem eficácia para o setor”, comenta Alberto Figueiredo.

QUEM FICA NO PÁREO

Na economia, o setor de lácteos tem peso. Segundo o Ministério da Agricultura, são 1 milhão e 180 mil propriedades rurais produzindo perto de 35 bilhões de litros por ano, o que faz do Brasil o terceiro maior produtor mundial de leite. Mas a produção estagnou há uma década. Preocupante.

No entanto, o peso social é ainda maior. O leite brasileiro vem predominantemente de pequenas e médias propriedades, espalhadas por 98% dos municípios, empregando cerca de 4 milhões de pessoas. Mais preocupante ainda.

Sem uma política governamental e privada de estímulo à produção de leite e derivados, a tendência é outra crise no setor mais adiante. “Depois de um ano difícil, 2024 ainda não será o ano da recuperação”, diz o analista José Luiz Bellini, do Centro de Inteligência do Leite, da Embrapa Leite, em MG.

A exclusão de produtores pouco eficientes e de pequenos lacticínios continuará, o que confirma projeções do Ministério da Agricultura: até 2030 ficam no setor só pecuaristas adaptados a novas tecnologias, com gestão criteriosa e maior eficiência técnica e econômica. Vem aí forte concentração em grandes produtores, melhor estruturados.

RENDA MAIOR NO VAREJO

Com a exclusão de produtores e desânimo no campo, a oferta de leite diminuiu. Pecuarista que resistiu viu o preço médio no país reagir 1,3% em novembro passado para R$ 1,9981 por litro. Bom? Não. Produtor recebe 24,5% menos que em 2022 (valores reais deflacionados), segundo o Cepea, da Universidade de São Paulo.

Os preços pagos ao produtor rural ainda melhoram até meados de abril, relatou Natália Grigol, pesquisadora do Cepea/USP. E há quem veja uma pressão menor no campo e na indústria em 2024.

A queda nos preços de insumos e a melhoria do poder de compra do consumidor sinalizam pressão menor sobre o setor. “Há sinais de aumento de consumo”, diz Kennya Silveira, da Embrapa Leite, de Minas Gerais.

Com a nuvem negra da crise dissipando-se, produtores rurais e indústrias miram agora a forte concentração de renda do setor em um elo da cadeia: os varejistas. Estima-se que supermercadistas operem com margem entre 16 e 20% na venda do leite UHT, e margem entre 37 e 40% no queijo muçarela.

“Grandes redes do varejo, de fato, têm forte poder de negociação e pressionam lacticínios. E isso reverbera no produtor”, diz o economista Paulo Martins, hoje assessor da presidência da Embrapa. Nada fácil.

Bryce Cunningham, um produtor de leite escocês, proprietário de uma fazenda orgânica em Ayrshire (Escócia), lançou um produto lácteo para agregar valor ao leite de sua fazenda, que é um produto de ótima qualidade, sem aditivos, e é um exemplo de economia circular.

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