O leite em pó importado passou a ocupar um lugar central no debate do setor lácteo em Rondônia após a aprovação, nesta terça-feira (16), de um projeto de lei que proíbe seu uso como matéria-prima na fabricação de alimentos no estado.
A medida foi aprovada em sessão extraordinária da Assembleia Legislativa de Rondônia (Alero) e agora segue para as etapas finais antes da sanção.
O texto aprovado estabelece que a vedação se aplica às indústrias e laticínios que utilizam leite em pó e derivados lácteos importados em processos produtivos, especialmente na fabricação de alimentos industrializados. A restrição não alcança o consumidor final: o leite em pó importado continua liberado para comercialização direta no varejo, como supermercados e atacarejos.
Na justificativa do projeto, os parlamentares apontam que o uso do leite em pó importado tem sido destinado majoritariamente à chamada reconstituição industrial — processo no qual o produto em pó é misturado à água para obtenção de leite líquido, conhecido como leite reconstituído. Essa prática é regulamentada por normas federais vigentes desde a década de 1990, mas vem ganhando peso crescente em determinados segmentos da indústria alimentícia.
O alcance da nova lei, no entanto, vai além do mercado de leite fluido. Na prática, o leite em pó importado é amplamente utilizado como insumo na fabricação de alimentos processados, como sorvetes, biscoitos, massas, recheios, sobremesas lácteas e produtos compostos. É nesse elo da cadeia que o insumo importado exerce maior influência econômica, ao funcionar como referência de custo para a indústria de alimentos.
Embora esse uso não altere de forma direta e imediata o preço pago ao produtor de leite cru, ele define o pulso competitivo do setor industrial. Ao oferecer uma alternativa de menor custo, o leite em pó importado pressiona formuladores, indústrias e marcas a ajustarem receitas, margens e estratégias, criando um ambiente de concorrência assimétrica em relação a quem utiliza matéria-prima de origem local.
Segundo o texto do projeto aprovado na Alero, essa dinâmica tem contribuído para um desequilíbrio na cadeia produtiva do leite em Rondônia. O argumento central é que, ao reduzir a demanda por leite nacional na indústria de alimentos, o uso intensivo de insumos importados compromete a competitividade das agroindústrias locais e fragiliza a estrutura produtiva regional no médio prazo.
O projeto é de autoria do deputado estadual Ismael Crispin (PP), que defendeu a iniciativa como uma medida de proteção à economia local. Na avaliação do parlamentar, a lei não tem como objetivo interferir no consumo, mas sim estabelecer limites ao uso de insumos importados em processos industriais que impactam diretamente a dinâmica de preços e investimentos do setor.
A proposta recebeu apoio de deputados de diferentes partidos, entre eles Alex Redano (Republicanos), Jean Mendonça (PL) e Cláudia de Jesus (PT). Durante a votação, os parlamentares destacaram que a produção leiteira tem papel estratégico em diversas regiões do estado, tanto do ponto de vista econômico quanto social, e que políticas públicas devem considerar a sustentabilidade de toda a cadeia.
Nos bastidores do setor, a aprovação foi interpretada como um recado político claro à indústria de alimentos: Rondônia pretende fortalecer sua base produtiva local e reduzir a dependência de insumos importados em segmentos onde há oferta regional disponível. Para produtores e cooperativas, a expectativa é que a medida ajude a recompor espaço para o leite local nas decisões industriais, ainda que seus efeitos não sejam imediatos sobre o preço ao produtor.
Por outro lado, representantes da indústria alimentícia avaliam que a proibição pode gerar desafios operacionais, sobretudo para empresas que utilizam leite em pó importado como ferramenta de gestão de custos ou de regularidade de produção. A necessidade de reformular processos, contratos e cadeias de suprimento tende a elevar o debate sobre competitividade e eficiência industrial.
Especialistas observam que a decisão de Rondônia ocorre em um momento sensível para o mercado lácteo brasileiro, marcado por discussões sobre importações, margens industriais e políticas de proteção regional. Ao vedar o uso de leite em pó importado na fabricação de alimentos, o estado interfere diretamente no elo industrial da cadeia — mais do que na produção primária — e redefine as condições de concorrência no mercado interno.
Caso seja sancionada, a nova legislação colocará Rondônia em evidência no debate nacional sobre o papel dos insumos importados na indústria de alimentos. O impacto efetivo dependerá da regulamentação, da fiscalização e da capacidade das empresas de se adaptarem às novas regras, em um cenário onde custo, origem e estratégia industrial passam a estar ainda mais interligados.
*Escrito para o eDairyNews, com informações de Notícias de Rondônia






