Um dos contos mais conhecidos do mundo, “As Aventuras de Pinóquio”, do autor italiano Carlo Collodi, foi publicado pela 1ª vez em 1881. A história do boneco de madeira criado pelo carpinteiro Geppetto, cujo sonho era ter um filho, é cheia de lições.
Uma das principais é que, ao mentir para encobrir erros, o nariz de Pinóquio cresce descontroladamente. Ao observar os debates sobre os alimentos chamados de ultraprocessados, é inevitável traçar um paralelo com essa história, mas sem um final feliz.
Os “ultraprocessados” nasceram de uma hipótese abstrata e confusa, que classifica da mesma forma quase 6.000 alimentos completamente diferentes entre si.
Mas a hipótese, como o boneco do Geppetto, ganhou vida. E a narrativa segue apoiada em estudos de qualidade questionável, que demonstram, no máximo, correlação, e não causalidade. Conceitos completamente diferentes.
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Dentre eles, um teve grande destaque por atribuir, ao consumo desses alimentos, 57.000 mortes por todas as causas, incluindo homicídios e acidentes. Fica difícil entender como os alimentos poderiam estar relacionados a tais fatalidades.
E essa é só uma das falhas da pesquisa, que utilizou dados de risco relativos de outros países, e não do Brasil. Desconsiderou, portanto, as especificidades culturais e comportamentais da nossa população, como padrões alimentares e acesso à saúde.
O estudo não consegue identificar qual alimento seria “o problema”. Daí, joga todos os alimentos chamados de ultraprocessados no mesmo cesto, e assim fica mais fácil criticar, sem ter a obrigação de provar.
A ausência de diferenciação entre causas específicas de mortalidade também dificulta o entendimento do impacto direto desses alimentos em condições de saúde.
Os próprios autores reconhecem que são necessários estudos prospectivos e experimentais no Brasil para fornecer relações causais mais robustas. A extrapolação dos achados para toda a população brasileira é inadequada, dado o uso de dados observacionais e as limitações do modelo.
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Esse estudo foi requentado na semana passada e fomos inundados por manchetes alarmantes sobre alimentos matarem milhares de pessoas no Brasil: 6 por hora.
As informações, que têm como fonte um relatório encomendado por uma ONG a um pesquisador da área, foram erroneamente apresentadas à imprensa como um estudo de uma importante instituição de pesquisa do Brasil, a Fiocruz.
O tal relatório diz que alimentos ultraprocessados são responsáveis por 1 em cada 10 mortes. Ora, se antes acusavam esses alimentos de causarem a morte de 57.000 pessoas por ano no Brasil, seriam então 570 mil o número total de mortes em 2019.
Porém, morreram 1,3 milhão de pessoas naquele ano, segundo o IBGE. Matemática simples, mas a conta não fecha.
Parece que não é importante a conta fechar. Tampouco parece importante que pão, iogurte, requeijão, biscoito e linguiças sejam completamente diferentes entre si.
Também não parece importante que os ingredientes utilizados no processamento de alimentos sejam amplamente estudados e autorizados há décadas por FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, na sigla em inglês), OMS (Organização Mundial de Saúde) e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Parece muito menos importante que os achados dos estudos sejam falhos ou inconsistentes. Que não se utilize dados da população brasileira.
O que mata não é o alimento, mas a falta dele. É preciso esclarecer que essa narrativa tem como objetivo sobretaxar os alimentos e fazer com que a população pague mais caro. Mas nada disso importa, porque o nariz do Pinóquio tem que continuar crescendo para manter a história viva.