A gaúcha Cowmed concluiu captação de R$ 5,9 milhões para levar sua tecnologia que "traduz" o sentimento das vacas leiteiras mundo afora.
Vacas
Leonardo Guedes e Thiago Martins, da Cowmed: tecnologia que dá voz a rebanhos capta R$ 5,9 milhões (Cowmed/Divulgação)

Uma máxima na agropecuária, a necessidade de lidar com intempéries e imprevistos acaba moldando o modo de operar dessa indústria como um todo, influenciando de grandes operações a pequenos fazendeiros. Olhar para uma série de fatores que podem influenciar o bom desempenho de uma lavoura ou de um rebanho é uma tarefa árdua e que pode ser simplificada com a ajuda de tecnologia. Esse é o racional que motivou Leonardo Guedes e Thiago Martins a empreender. Os dois irmãos juntos decidiram criar uma tecnologia capaz de fazer “vacas falarem” e que promete ser o braço direito de pacuaristas Brasil adentro.

Juntos, eles fundaram, em 2021, a Cowmed, uma startup que desenvolveu uma tecnologia capaz de “traduzir” os desejos dos animais a partir da coleta de informações relacionadas ao bem-estar e comportamento. Dedicada à pecuária leiteira, a proposta da Cowmed é ajudar produtores e criadores a tomarem melhores decisões e melhorarem suas produções.

Por trás da ideia está a percepção de que a lida no campo não é uma ciência exata, principalmente devido a incapacidade dos produtores rurais e agropecuaristas de identificarem as reais necessidades de seus rebanhos. “Muitas vezes, trabalham com suposições sobre o que acreditam ser melhor para seus animais, e isso nem sempre expressa o que eles realmente precisam”, explica Martins.

A ideia da empresa

A Cowmed é resultado de um projeto acadêmico que nasceu dentro da universidade federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul. A provocação veio do pai de Guedes e Martins, um engenheiro elétrico, acadêmico e pesquisador da área de microeletrônica. Durante viagens internacionais em busca de parcerias público-privadas para o desenvolvimento de tecnologias vistas apenas nos campus universitários, ele percebeu a possibilidade de melhoria produtiva a partir da adoção de tecnologia em uma cadeia em específico: a produção leiteira.

Com a ideia de criar algo para esse nicho, ele voltou ao Brasil com a provocação aos dois filhos, também engenheiros. “Sempre tivemos esse desejo de construir algo capaz de mudar o mundo”, diz Martins. “Quando a ideia surgiu, vimos que essa era a nossa oportunidade de criar impacto”.

Para o fundador, o impacto estava claro pelos números. A produção de leite é estratégica para economia global, e o Brasil, detentor do maior rebanho comercial do mundo e quinto maior produtor de leite global, poderia ser o melhor receptor da ideia.

A Cowmed foi fundada em 2010, mas levou seis anos para desenvolver a tecnologia proprietária. No início de 2017, um aporte veio para finalizar o roadmap tecnológico e para colocar o projeto na rua.

Como funciona a tecnologia

Para “traduzir” esses pensamentos bovinos, a Cowmed criou um colar que monitora variáveis comportamentais, como tempo de descanso e de atividade física a variáveis ligadas À saúde, como ritmo de respiração, batimentos cardíacos e tempo ruminando — todas elas informações vitais para a compreensão do que pode ser feito para melhor atender os animais e, assim, aumentar o nível produtivo.

Com inteligência artificial, o colar “interpreta” o que a vaca quer dizer, e com isso gera uma série de recomendações para o produtor. Entre as ações sanitárias estão:

  • identificar com até cinco dias de antecedência quando a vaca pode ficar doente;
  • tempo de cio com recomendações para melhorar ciclo reprodutivo das vacas;

Já do lado nutritivo, o colar também avalia os hábitos alimentares e preferências das vacas para que produtor possa definir, entre outras coisas:

  • Melhores horários para alimentar o rebanho;
  • Frequência para alimentação

Com tudo isso — e apenas atendendo aos “pedidos” das vacas — a produção pode crescer até 20 vezes, segundo o fundador.

Onde está a empresa

Hoje a startup já monitora mais de 35.000 vacas em mais de 400 fazendas, espalhadas em seis países. Além do Brasil, a agritech atua também no Paraguai, Uruguai, Bolívia, Canadá e Estados Unidos.

Recorde de captação

Segundo Martins, a empresa vem dobrando de tamanho nos últimos três anos. E, para acompanhar essa crescente, demanda capital.

A Cowmed acaba de encerrar uma captação via equity crowdfunding, modalidade de investimentos coletivos que funciona como uma pequena “abertura de capital”. Pela plataforma Captable, a startup levantou R$ 5,9 milhões, configurando o maior aporte já feito em uma startup nesta modalidade de captação no Brasil.

A escolha por financiar a empresa por meio do crowdfunding ao invés de recorrer a investimentos privados, segundo Martins, esteve baseada em dois pilares principais. O primeiro deles, a ausência de fundos especializados em agronegócio. O segundo, pedidos cada vez mais numerosos de clientes por tornarem-se acionistas da empresa. “Os clientes, os fazendeiros, são apaixonados pela tecnologia e pelo propósito, e muitos deles já haviam dito que viraram acionistas se abríssemos capital. Isso nos incentivou”, conta. “Pela fidelização, somos quase uma Apple das vacas”.

A rodada teve, ao todo, 547 investidores, entre clientes da Cowmed, apoiadores e também a Cotribá, cooperativa agrícola mais antiga do Brasil. Dos R$ 5,9 milhões aportados na Cowmed, a Cotribá foi responsável por R$ 3 milhões, marcando um novo momento do equity crowdfunding que permite a entrada incisiva de investidores pessoa jurídica em rodadas — até a mudança da regulamentação pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em julho deste ano, apenas pessoas físicas poderiam ser investidoras.

Segundo Marcelo Felipe Debortoldi, gerente de negócios da Cotribá, o investimento na Cowmed traduz a busca da coopeartiva centenária e com 8.000 associados por mais inovação. Atualmente, a cooperativa já monitora 19 fazendas que utilizam a tecnologia — todos associados. “Ouvir de um produtor que não é possível mais viver sem esse sistema, é algo que nos traz uma diferenciação e que nos aproxima das soluções para melhorar a vida dos associados”, diz.

Na Cotribá, essa busca pela inovação começou ainda em 2019, com a ida de representantes para o Vale do Silício. Dessas excursões, foi criada uma chamada aberta para startups com soluções ligadas ao agro, em workshops que pretendem conectar empreendedores a outros agentes do ecossistema de inovação agrocupecuário — e também da cooperativa.

A Cowmed, no entanto, é o primeiro investimento direto feito em alguma dessas empresas, mas não deve ser o último. “Somos uma empresa centenária, mas sabemos que nos trouxe até aqui podem não nos levar ao futuro”, diz Debortoldi.

Agora capitalizada, a Cowmed quer expandir geograficamente. Hoje, a startup monitora cerca de 35.000 vacas, e pretende chegar a 100.000 nos próximos dois anos, também em países onde ainda não atua. “Nosso objetivo é consolidar a Cowmed como a grande empresa de monitoramento de bovinos no mercado brasileiro”, diz Martins.

O documentário de curta metragem foi contemplado pelo edital da Lei de Incentivo Paulo Gustavo, conta com o apoio da Prefeitura Municipal e tem como objetivo apresentar a relevância cultural, social e econômica da produção de laticínios em Carambeí, município cuja história se entrelaça com a imigração europeia e com a própria história do leite no Sul do Brasil.

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