A complexidade e a disputa que envolvem a poluição plástica ao redor do mundo ficaram escancaradas com o fracasso de uma tentativa da ONU de firmar um tratado global para lidar com o problema.
De um lado, há quem defenda medidas para reduzir a produção de plástico no mundo e, do outro, aqueles que apostam na melhoria da reciclagem e gestão de resíduos.
A solução provavelmente está num meio termo, com uma redução gradual do uso desses derivados do petróleo e o avanço da economia circular – que ainda tem impacto muito pequeno diante da enormidade da crise.
Danone | Metade da poluição dos plásticos vem de 56 empresas
É no segundo grupo que estão grandes consumidores de plástico, como Unilever, PepsiCo, Mondelez, Dow Chemical, Danone e Procter & Gamble, além da petroquímica Chevron Phillips Chemical.
Juntos, eles integram a lista de investidores da Circulate Capital, uma gestora sediada em Singapura que foca em fortalecer a circularidade e evitar que o plástico chegue aos oceanos. A International Finance Corporation (IFC), do Banco Mundial, e a Proparco, do governo francês, também fizeram aportes.
Fundada em 2018, a Circulate tem US$ 256 milhões (cerca de R$ 1,5 bilhão) sob gestão e, no ano passado, voltou sua atenção para a América Latina.
Terceiro veículo da gestora, o CCOF LAC, como foi batizado, tem US$ 68 milhões (aproximadamente R$ 410 milhões) em carteira e conta com o BID Lab, laboratório de inovação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), como investidor-âncora.
O plástico é leve, versátil e barato e por isso não deve desaparecer tão cedo, diz Nataly Acosta, gerente de relações com investidores da Circulate Capital para América Latina. Anualmente, o mundo produz 400 milhões de toneladas do material.
EDAIRY MARKET | O Marketplace que Revolucionou o Comércio Lácteo
Inovações em coleta, rastreabilidade e reaproveitamento de materiais podem sustentar uma economia circular mais resiliente e com retornos financeiros saudáveis, segundo ela.
“Faltava no mercado um gestor que conseguisse ver a economia circular do plástico de forma estratégica, não só pensando na rentabilidade, mas também no impacto. Foi assim que a Circulate Capital surgiu”, disse a executiva ao Reset.
Brasil, México, Colômbia e Chile são os mercados na mira da gestora. Até agora, foi feito um investimento no Brasil e outro na Colômbia. A meta da Circulate na América Latina é evitar que 3 milhões de toneladas de plástico cheguem aos oceanos até 2030. Só no Brasil, 1,3 milhão de toneladas são despejadas nas águas, estima a ONG Oceana.
Modus operandi
A ideia é que a expertise adquirida pela Circulate no mercado asiático seja compartilhada com as empresas latinas e que, dada a estreita relação da gestora com o mundo corporativo, sejam criadas pontes com possíveis clientes.
“Nossa relação com esses investidores faz toda a diferença para que consigamos o sucesso das empresas em que investimos”, diz Acosta, “São empresas que já têm desenvolvido protocolos que a indústria por si só não tinha. A Unilever, por exemplo, é uma grande compradora de plásticos reciclados aqui no Brasil”.
A Circulate também busca aprimorar estratégias de governança nas empresas em que investe – muitas vezes pequenas ou familiares – e ocupa uma cadeira no conselho para posicionar a experiência que tem com a economia circular.
Atuação global
O fundo latino-americano deve seguir princípios parecidos com os do primeiro veículo da gestora, focado no Sul e Sudeste da Ásia. Desde 2018, foram desembolsados US$ 112 milhões para 16 empresas.
Soro do leite | Startup chilena transforma subproduto de laticínios em plástico biodegradável
O capital é para crescimento de companhias que já têm anos de expertise e desenvolvem projetos consolidados. No geral, elas trabalham com a parte de coleta e separação dos plásticos, produção da resina plástica a partir de reciclados ou a produção de produtos com componentes reciclados. A digitalização para melhor rastreabilidade dos materiais também está no radar.
No caso da América Latina, o fundo deve encarteirar o mesmo número de empresas, mas com cheques menores, de US$ 3 milhões a US$ 10 milhões, segundo Acosta.
A primeira empresa brasileira a receber investimento foi a Cirklo, uma plataforma de economia circular de plástico controlada pela eB Capital. Na prática, ela reúne as recicladoras Green PCR e a Global PET. O investimento foi divulgado em setembro, mas o valor não foi revelado. Novos aportes no Brasil devem ser anunciados no próximo ano.
Segurança alimentar | Desafios ambientais nos laticínios: Ocorrência e implicações dos microplásticos
Além da Cirklo, a colombiana Polyrec, especializada na reciclagem de plásticos flexíveis, também está na carteira.
O mais global dos fundos da Circulate foca em soluções inovadoras e disruptivas, e tem US$ 76 milhões sob gestão. Investimentos já foram feitos nos Estados Unidos, Austrália e países da Europa. É por meio desse veículo, por exemplo, que iniciativas que buscam substituir o plástico tradicional, usando alternativas de bioplástico, podem receber investimento da gestora.
Zoom no Brasil
O Brasil tem características diferentes de outros países latino-americanos, com empresas de reciclagem instaladas há décadas, observa Acosta.
“Vimos que as empresas aqui têm muito conhecimento, desenvolvido por cada uma delas. Algumas nunca foram contatadas por um fundo de private equity, que normalmente não focam em reciclagem, e nós vemos potencial de dar escala para esses negócios.”
Regulamentações como a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) também podem proporcionar maior formalidade no setor e turbinar a demanda. O decreto 11.044/2022 estipula que até 2025 determinadas embalagens plásticas deverão ter mais de 20% de sua composição por conteúdo reciclado.
Danone | Adoção de embalagens reutilizáveis pode reduzir emissões de plásticos em até 69%, aponta estudo
“O desafio não está tanto em fazer instalações para reciclagem, mas incentivar a coleta de materiais e fortalecer essa cadeia de valor para que esse plástico chegue até elas”, diz a executiva.
Impacto positivo
Os fundos lançados pela Circulate são de impacto, ou seja, buscam retorno financeiro e impacto ambiental ou social mensuráveis.
Em todos os seus investimentos, a gestora acompanha o volume de gases de efeito estufa que deixou de ser lançado na atmosfera, a quantidade de plástico gerida, o número de vidas impactadas direta ou indiretamente e as métricas financeiras.
Junto com sua ONG irmã, a Circulate Initiative, a Circulate Capital desenvolveu um programa para avaliar a resiliência da cadeia de suprimentos, entender sobre regulação trabalhista, direitos humanos e pagamento justo, por exemplo. “Queremos ter uma cadeia que seja resiliente, com cooperativas e catadores que hoje são invisibilizados, e queremos promover o crescimento das empresas de modo responsável”, afirma Acosta.