A pecuária no Nordeste e na região de Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) tem grande potencial, mas enfrenta desafios estruturais que comprometem sua produtividade.
É o que aponta o professor José Bento Ferraz, da Universidade de São Paulo (USP) em Pirassununga, especialista em melhoramento genético animal e um dos principais nomes da zootecnia mundial.
“O Nordeste é uma região extremamente interessante, mas possui um relevo complicado. É preciso otimizar a produtividade dos rebanhos, investindo em melhores pastagens, suplementação e assistência técnica”, destaca Ferraz. O professor compara a situação com o Paraná, onde algumas áreas atingem produções de até 60 litros de leite por vaca ao dia, enquanto o Norte de Minas e o Nordeste ainda estão distantes desse patamar.
O tamanho do rebanho bovino no Nordeste brasileiro tem apresentado um crescimento significativo nos últimos anos. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) do segundo trimestre de 2024, o rebanho bovino na região atingiu 28,482 milhões de animais, o que representa um aumento de 30% nos últimos cinco anos, superando o plantel do Sul do País.
A Bahia é o estado líder na região Nordeste, com um rebanho de 13.180.904 cabeças, consolidando sua posição como o sétimo maior produtor de bovinos do Brasil e o maior da região.
Tecnologia e políticas públicas
Para Ferraz, a ausência de investimentos em tecnologia no Nordeste é um entrave ao desenvolvimento. “Os governos não dão a devida importância à tecnologia, o que impede melhorias na qualidade de vida e na renda da população local”, afirma.
Ele defende um maior envolvimento da indústria para melhorar a qualidade das pastagens e a captação de água, destacando a palma forrageira como um recurso subutilizado que poderia trazer grandes benefícios.
Além disso, a assistência técnica para os pecuaristas precisa ser reforçada. Ferraz lembra que, em décadas passadas, o Brasil possuía serviços estruturados de assistência técnica rural, fundamentais para a modernização da agropecuária. No entanto, a redução desse suporte tem comprometido o acesso dos pequenos e médios pecuaristas a práticas mais eficientes de manejo e nutrição animal.
As raças zebuínas no Nordeste
As raças zebuínas são amplamente utilizadas no Nordeste brasileiro devido à sua adaptação ao clima tropical e seco da região. Segundo Ferraz, praticamente é impossível uma raça não zebuína prosperar na região sem um sistema de confinamento adequado.
A escolha da raça adequada depende de fatores como disponibilidade de alimentação, manejo e objetivo de produção. Enquanto o Sindi e o Guzerá são indicados para sistemas de produção de leite em condições adversas, o Nelore é amplamente utilizado na pecuária de corte, devido ao seu rápido ganho de peso e resistência ao calor.

Matopiba: um polo em expansão
Sobre a região de Matopiba, o professor avalia que se trata de um dos principais polos de crescimento da agropecuária no Brasil. “A agricultura entrou com alta tecnologia, e pode ocorrer o mesmo fenômeno de Mato Grosso: a tecnologia da agricultura impulsionando a pecuária, elevando a produtividade e o nível tecnológico das criações”, explica Ferraz.
Ele vê com otimismo essa integração, ressaltando que a modernização do setor pode transformar a região em referência nacional.
Além disso, Ferraz destaca que a intensificação da pecuária em Matopiba deve ser acompanhada por boas práticas ambientais e sociais, garantindo a sustentabilidade da atividade no longo prazo. A expansão agrícola na região trouxe desafios como a degradação de pastagens e a necessidade de um melhor planejamento no uso dos recursos hídricos.
O papel da genética e do melhoramento animal
O melhoramento genético tem sido um dos grandes diferenciais da pecuária brasileira nas últimas décadas. Ferraz explica que a seleção de animais mais produtivos e resistentes impacta diretamente na eficiência do setor. “Os criadores estão cada vez mais atentos ao valor genético dos animais. Esse avanço é essencial para alcançarmos maior eficiência produtiva e qualidade da carne e do leite”, ressalta.
A adoção da genômica, que permite identificar precocemente características desejáveis nos animais, tem acelerado esse processo. A pecuária brasileira já adota programas de melhoramento genético para identificar reprodutores com alto desempenho em conversão alimentar, ganho de peso e resistência a doenças. Essa evolução tem permitido reduzir a idade de abate e melhorar a qualidade da carne produzida.
Sistema de criação com sombreamento
Ferraz também destaca a importância do uso de sistemas de criação que oferecem sombreamento para os animais, como a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e o sistema silvipastoril. Esses modelos garantem maior conforto térmico ao gado, reduzindo o estresse calórico e melhorando o desempenho produtivo. “O bem-estar animal influencia diretamente na conversão alimentar e no ganho de peso. O gado que tem acesso a sombra naturalmente apresenta melhor rendimento”, explica o professor.
Além dos benefícios produtivos, a presença de árvores nos pastos contribui para a conservação do solo, reduz a temperatura ambiente e melhora a retenção de umidade no solo, fatores essenciais para regiões áridas como o Nordeste. Esse tipo de manejo vem ganhando espaço entre pecuaristas que buscam melhorar a sustentabilidade e a eficiência de seus sistemas produtivos.
Perfil do especialista
José Bento Ferraz é professor da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da USP e um dos maiores especialistas mundiais em melhoramento genético animal. Com mais de 30 anos de experiência, ele lidera pesquisas que contribuíram para a evolução da pecuária brasileira.
É ainda editor de revistas científicas internacionais e já publicou mais de 300 artigos na área. Seu trabalho tem influenciado diretamente o desenvolvimento de programas de seleção genética no Brasil e no exterior, consolidando-se como referência no setor.
A entrevista com o professor da USP ocorreu durante encontro com jornalistas de 14 estados no campus da USP em Pirassununga, no interior de São Paulo. O evento fez parte do Road Show promovido pela Texto Comunicação que o Movimento Econômico acompanha como único veículo de comunicação do Nordeste.