No Dia Mundial do Leite, enquanto o mundo homenageava a bebida mais completa e ancestral da história da humanidade, um bando de influencers pagados e veganos empoderados celebravam outra coisa: a venda recorde de um produto que insiste em se vestir de “leite” sem jamais ter visto uma vaca na vida.
A NotCo, conhecida por suas “invenções” vegetais feitas com inteligência artificial, anunciou com estardalhaço que suas vendas subiram 316% ao simular um cenário com tributação igual à do leite de verdade. Claro, com preço artificialmente baixo e uma campanha agressiva nas redes sociais.
Mas esse sucesso meteórico esconde algo que o consumidor precisa saber. Por trás dos rótulos com design minimalista, das promessas de sustentabilidade e das tabelas nutricionais “turbinadas”, mora um produto ultraprocessado, cheio de aditivos, açúcares escondidos e perfumado com aroma de baunilha sintética. E isso não é leite.
O truque da isonomia tributária
A jogada da NotCo foi esperta: aproveitou o momento simbólico para lançar sua campanha “Fim de Semana sem Impostos”, reduzindo quase 50% do preço de sua linha NotMilk no Mercado Livre. Resultado? Estoque esgotado em 11 horas. O que prova, na prática, que com preço mais baixo, qualquer coisa vende. Até mesmo um líquido vegetal saborizado, empacotado como se fosse leite.
O presidente da empresa no Brasil, André Weinmann, declarou que a ação mostra como os impostos impactam o acesso à alimentação à base de plantas.
Mas o que ele não menciona é que, ao contrário do leite de vaca — um alimento minimamente processado, completo em nutrientes, produzido por famílias do campo com alto controle sanitário —, as bebidas vegetais são misturas processadas, muitas vezes com baixa densidade nutricional e altíssimo grau de marketing.
E mais: o leite legítimo é alimento essencial, e por isso conta com política tributária diferenciada. É justo colocar no mesmo patamar fiscal algo que é, na essência, um produto totalmente distinto?
A indústria da mistificação
A Associação Brasileira de Alimentos Alternativos, a tal Base Planta, quer que essas bebidas sejam enquadradas como “alimentos” para se beneficiar de benefícios fiscais.
Mas aqui vai a pergunta incômoda: um produto feito com água, amido, óleos vegetais, estabilizantes, aromatizantes, vitaminas adicionadas e goma xantana deve mesmo disputar o mesmo espaço (e definição legal) que um litro de leite extraído da vaca, pasteurizado e pronto para consumo?
Vejamos o Tudão, da Nude. Promete tudo o que o leite tem — cálcio, vitaminas, proteínas, fibras — só que sem lactose, sem glúten e sem vaca. Mas para chegar lá, é preciso uma lista de ingredientes que parece mais bula de suplemento alimentar do que rótulo de bebida. Será mesmo mais saudável? Ou só mais vendável?
Ecologia de palco e a pegadinha da proteína
Outro argumento favorito dos produtores vegetais é a sustentabilidade. Dizem que o leite de vaca emite muito CO₂.
Mas esquecem convenientemente de mencionar o impacto ambiental das monoculturas de castanha-de-caju, amêndoas ou soja, o transporte de ingredientes importados, a embalagem com longa cadeia logística e, claro, o gasto energético para fabricar seus “leites” de laboratório.
E agora, a nova onda: fortificar as bebidas vegetais com proteína. A NotCo lançou uma versão com 26g de proteína por embalagem. Só que para chegar a isso, precisa adicionar concentrados de ervilha, arroz e castanha, além de vitaminas sintéticas e outros aditivos. Alimento funcional? Talvez. Mas natural, sustentável e tradicional? Nem de longe.
O negócio de nicho que tenta virar regra
A indústria leiteira brasileira sabe que os produtos vegetais são um nicho em crescimento — e não há mal algum em desenvolver versões para públicos com intolerâncias ou escolhas alimentares específicas. O problema está em permitir que essas alternativas sejam vendidas como “leite”, em pé de igualdade, como se fossem equivalentes.
Hoje, as bebidas vegetais ocupam apenas 2% do mercado brasileiro. É um mercado pequeno, mas barulhento. Com bons marqueteiros, defensores ideológicos e forte apelo entre as gerações que acham que tudo o que vem da vaca é “opressor”. Esse discurso, ainda que embale likes e views, desinforma. E pior: desvaloriza uma cadeia produtiva que sustenta milhões de brasileiros, que produz um alimento nobre, seguro, e genuinamente brasileiro.
Defender o leite é defender o bom senso
Se a indústria vegetal quer competir, que o faça com clareza, com rótulos honestos e sem tentar vestir suas bebidas com o nome daquilo que não são. Leite é leite. Vem da vaca. Tem gosto de infância, cheiro de casa e uma história milenar de nutrição. E isso não se substitui com baunilha, IA ou slogans de sustentabilidade.
A indústria láctea não teme a inovação — mas exige respeito. Que se venda bebida vegetal como bebida vegetal, e que se pare de enganar o consumidor com promessas nutricionais infladas e comparações desonestas.
Porque uma coisa é clara: com ou sem impostos, leite de verdade continua sendo insubstituível.