Saiba como é o concurso criado na França em 2013 por Rodolphe Le Meunier que elege os melhores queijos do mundo.
Franca
Os obstáculos enfrentados pelos franceses também são semelhantes aos brasileiros, que buscam se legalizar no Brasil para expandir a comercialização.

O terroir brasileiro na França

Terroir é a palavra francesa que define as características de um produto devido à região onde foi cultivado. Fatores naturais, como o solo, a vegetação e o clima influenciam diretamente no produto final como nos vinhos e nos queijos.

Quando se pensa no termo francês, logo vêm à mente os produtos do país europeu, com nomes como brie, camembert ou comté, que evocam o patrimônio queijeiro da França. Cada queijo revela um terroir. Cada família, uma transformação particular. No país há 1.200 tipos de queijos diferentes, de 60 gramas a 60 quilos.

Mas mudando de hemisfério, os queijos brasileiros são destaque em competições internacionais, de regiões diferentes de Minas Gerais, São Paulo, Bahia, Pará, Ceará, Goiás, Paraná, Santa Catarina, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Santa Catarina.

Na 6ª edição do Mondial du Fromage et des Produits Laitiers, em Tours, na França, o Brasil conquistou 82 medalhas, sendo 1 super ouro, 17 de ouro, 23 de prata e 41 de bronze. Na edição de 2021, o país recebeu 57 medalhas.

A premiação foi criada em 2013 por Rodolphe Le Meunier, queijeiro celebridade com marca homônima que cura mais de 400 tipos de queijos de cabra que são exportados da Ásia à América do Norte.

Neste ano, 250 jurados de diferentes países analisaram mais de 1.640 queijos, sendo 288 peças do Brasil. Mais de 300 quilos de queijos brasileiros foram despachados para a França, em uma logística pouco convencional, em malas de turismo.

“Fazemos uma verdadeira operação subversiva de guerra para trazer os produtos. Mas não quero transformar o Mondial du Fromage em um concurso brasileiro de queijo na França, até porque criamos a nossa edição no Brasil”, comenta Débora Pereira jurada do evento e diretora da associação SerTãoBras, que promoveu uma incursão por queijarias francesas com fiscais brasileiros, produtores e políticos brasileiros.

Dentre os dez melhores queijos do mundo, apenas um queijo brasileiro esteve no pódio neste ano, o queijo feito de leite cru de cabra Caprinus do Lago, da queijaria Capril do Lago, de Valença, Rio de Janeiro. O produto foi o único não europeu na lista, que contou com um suíço e dez franceses (houve empate de dois queijos na sétima posição e três queijos no décimo lugar).

O queijo brasileiro vencedor tipo pecorino, feito com leite de cabra cru, massa cozida e maturado por um ano. Fabrício Vieira, proprietário da Capril do Lago, passou a se dedicar na queijaria há apenas dois anos. “Minha família já fazia queijos de vaca, e eu já tinha feito vários cursos de queijos. Na pandemia comecei a fazer receitas e dar para os amigos provarem”, diz o produtor que também é dentista na cidade fluminense. O sucesso foi grande e os pedidos começaram a surgir.

Por dia, Vieira produz cinco quilos do Caprinus do Lago, que demora um ano para ficar pronto.

“O preço de um queijo que ganha uma medalha no concurso pode aumentar de 15 a 20%, mas no Brasil esta porcentagem sobe para 150% a 200%, o que pode melhorar a qualidade de vida”, diz Pereira. Porém, Vieira, que está com uma lista de espera de mais de um ano para a venda do produto, disse que não irá reajustar o valor da peça, vendida por 220 reais o quilo.

“Tenho uma margem justa das vendas, ainda que use 17 litros de leite para produzir um quilo de queijo”, diz.

Além do Caprinus do Lago, a queijaria produz outros 20 queijos de cabra, sendo que seis destes são premiados.

Cabras Rafael Campos 29Queijos da Capril do Lago.

Textura, aroma e sabor

A aparência, o aroma, a textura e o equilíbrio de sabores são os quatro pontos de avaliação dos queijos, cada qual com um peso diferente. Em mesas com 20 peças de queijos sem identificação são provadas por quatro jurados. Manteigas e iogurtes também são avaliados.

A presença brasileira é notável com produtores e especialistas conversando entre os estandes da feira e nas mesas de avaliação. Neste ano 55 brasileiros estiveram na competição avaliando os produtos.

Passeando entre as mesas é fácil reconhecer clássicos brasileiros como queijo coalho no palito, requeijões, e peças francesas como reblochon, brie e mimolette. As peças brasileiras participam desde 2015 da premiação bienal que acontece em Tours, a 240 quilômetros de Paris.

Na premiação também são escolhidos os melhores aprendizes da França e os melhores queijistas. Neste ano, Marina Cavechia, proprietária do Teta Cheese Bar, em Brasília, foi a primeira representante brasileira na competição de Melhor Queijista. A empresária foi eleita a melhor queijista do Brasil no ano passado e foi escolhida para representar o país na França. O vencedor, porém, foi o francês Vincent Philippe.

mondial du fromage6ª edição do Mondial du Fromage et des Produits Laitiers, em Tours, França.

O mercado leiteiro francês

Com uma coleta de mais de 24 bilhões de litros de leite de vaca, cabra e ovelha, a França totaliza mais de 16% da produção europeia de leite. Organizada para e em torno do leite, a indústria láctea lida diariamente com um produto frágil, perecível e com diferentes terroirs com mais de 1.500 laticínios.

Mais de 42% de seu leite é exportado, principalmente para a União Europeia. Com 47% do total das exportações em 2021 com um volume de negócios de 3,628 bilhões de euros, contra 37% em 2011 com um volume de negócios de 2,422 bilhões de euros, segundo dados do Centro Nacional Interprofissional para Economia Láctea (CNIEL).

Se, nos países terceiros, os produtos industriais, como soro de leite em pó para fabricação de leites infantis, geram 1,9 bilhão de euros de volume de negócios, o restante fica por conta dos produtos de grande consumo de grande valor agregado, manteiga e queijo.

Mas a exportação para o Brasil está em queda. No ano passado, a França exportou 406 toneladas de queijos para o Brasil, ou 3,3 milhões de euros, enquanto em 2021 saíram do país 843 toneladas, ou 5,6 milhões de euros. Barreiras aduaneiras e sanitárias brasileiras são o principal entrave de comercialização dos produtos.

“Um quilo de queijo roquefort na França custa 25 euros, mas no Brasil o mesmo produto é vendido por cem euros. Isso é uma pena, porque o consumidor brasileiro podia estar comendo esse queijo”, comenta Pereira.

Os obstáculos enfrentados pelos franceses também são semelhantes aos brasileiros, que buscam se legalizar no Brasil para expandir a comercialização. É o caso de Vieira, que possui selo para comercialização municipal.

Entre os presentes da viagem da SerTãoBras estavam políticos e agentes da vigilância sanitária do Rio Grande do Norte e Minas Gerais que buscam entender os processos produtivos da França e como implementá-los no Brasil. “O governo deveria auxiliar para que todos os produtores se legalizem, para isso precisamos de políticas públicas”, diz Pereira.

Ainda que terroir seja uma palavra francesa com tradução difícil para o português, o Brasil vem mostrando que pouco a pouco conquista fatia deste termo com as premiações de seus produtos.

 

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