O Brasil lidera na Organização Mundial da Saúde a aprovação de uma regulação para o marketing digital de produtos que se apresentam como substitutos do leite materno.
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OMS está preocupada com as estratégias de marketing digital usadas pelas empresas. Postagens atingem mais de 200 milhões de pessoas diariamente.

229 milhões é o número de pessoas impactadas diariamente por conteúdo de empresas de fórmula infantil na internet. Três vezes mais do que postagens informativas sobre aleitamento materno, segundo estudo da OMS

A ideia é que um documento da OMS, que já existe em caráter sugestivo, passe a ser uma resolução para que os países-membros da organização incluam as normas em suas políticas públicas de incentivo ao aleitamento materno. A proposta será apreciada na Assembleia Mundial da Saúde, prevista para ocorrer no final de maio.

Neste texto, o Nexo explica por que o Brasil está à frente da iniciativa e como a publicidade desses produtos nas redes sociais afeta a saúde pública.

A extensão do marketing

Relatório da Organização Mundial da Saúde publicado em abril de 2022 mostra que a indústria de produtos que substituem o leite materno tem usado o marketing digital de forma agressiva para chegar diretamente nas mães e em mulheres grávidas. O receio da organização é que a propaganda massiva prejudique a cultura pró-aleitamento materno desenvolvida nas últimas décadas.

As empresas de fórmulas infantis pagam aplicativos, grupos de apoio virtual para mães e mulheres grávidas, influenciadores digitais, fóruns e serviços de aconselhamento para coletar informações pessoais e enviar promoções personalizadas diretamente para mães e gestantes.

Com base em uma análise de 4 milhões de postagens sobre alimentação infantil, com o uso de uma plataforma comercial de escuta social, a OMS descobriu que esses posts chegaram a 2,4 bilhões de pessoas e tiveram mais de 12 milhões de curtidas, compartilhamentos ou comentários no período de seis meses. A pesquisa compreendeu o período de janeiro e junho de 2021.

80% das propagandas de fórmulas infantis ocorrem on-line. O marketing digital tornou-se a forma dominante de propaganda desses produtos, segundo a OMS

São técnicas eficazes, frisa a organização, que não são possíveis nas mídias tradicionais, pois conversam diretamente com o público-alvo, e que custam menos para a indústria deste segmento de substitutos de fórmulas infantis, que é avaliada em US$ 52 bilhões.

As empresas publicam conteúdos sobre seus produtos nas suas contas nas redes sociais cerca de 90 vezes por dia, e atingem 229 milhões de usuários. O número é três vezes maior do que pessoas alcançadas por postagens informativas e de incentivo ao aleitamento materno, que são realizadas em contas não comerciais.

A OMS também afirma que os anúncios dos produtos que substituem o leite materno chegam às mães e gestantes em um momento em que elas estão vulneráveis.

Além das mudanças físicas, hormonais e de rotina de uma gavidez e nos cuidados com um bebê recém-nascido, algumas mulheres podem enfrentar problemas no início do processo da amamentação, seja físicos, com dores e fissuras nas mamas ou falta de leite, ou mesmo problemas econômicos e sociais, como a disponibilidade de tempo e a ausência de uma licença-maternidade, o que dificulta a amamentação exclusiva.

A OMS indica que o leite materno seja a única forma de alimentação do bebê até os seis meses de vida. Preferencialmente, a amamentação deve seguir até os dois anos de vida de forma complementar às refeições.

De acordo com a organização, o leite materno contribui para uma melhor imunidade do bebê e de sua saúde global, previne diarréias, infecções respiratórias, obesidade e doenças crônicas não-transmissíveis na idade adulta. Para as mães, a amamentação previne o câncer de mama e a obesidade pós-parto.

A OMS não recomenda ofertar outros leites ou fórmulas infantis à base de leite de vaca ou de outros animais, exceto quando esgotadas todas as possibilidades de amamentação e por indicação de médico ou nutricionista.

A proposta de regulação

A OMS já tem um guia, publicado em 2023, que orienta países-membros a implementar medidas para regular e restringir o marketing digital de produtos substitutos do leite materno.

Entre as sugestões feitas pela organização, está a de que as empresas de substitutos do leite materno, ao realizar marketing digital:

  • não realizem propagandas em sites e aplicativos de sistemas de saúde
  • não publiquem imagens que desencorajem a amamentação
  • não sugiram que o produto é semelhante ou superior ao leite materno
  • não ofereçam cupons e códigos de desconto para a compra dos produtos pela internet
  • não encoraje os usuários a curtir, comentar ou compartilhar as postagens
  • não realizem reuniõeswebinários ou cursos on-line com profissionais de saúde cujo conteúdo promova o produto, ainda que de forma velada.

 

O Brasil, por meio do Ministério da Saúde, e com articulação e apoio de entidades como a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e a Ibfan (Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar), quer que esse guia vire uma resolução. Para isso, o documento precisa ser votado na Assembleia Mundial da Saúde, em maio, pelos ministros da Saúde dos países-membros da OMS.

“Se esse documento técnico não ganhar status de resolução, ele é só mais um documento, que os países podem ou não seguir. A resolução tem um peso político maior e as normas passam a ser inseridas nas políticas públicas dos países”, disse ao Nexo a nutricionista Inês Rugani, doutora em Saúde Pública e coordenadora do grupo de trabalho Alimentação e Nutrição da Abrasco.

Um dos argumentos usados pela Abrasco é de que as estratégias de marketing digital violam o Código Internacional de Comercialização de Substitutos do Leite Materno, um documento adotado em janeiro de 1981 pelos países-membros da OMS, que define quais produtos são os substitutos do leite materno e quais são as regras de comercialização.

O artigo 5 do código orienta que “não deve haver publicidade ou outra forma de promoção para o público em geral” dos produtos, tampouco contato direto ou indireto dos profissionais de marketing com gestantes e lactantes.

Além das fórmulas que substituem o leite materno, essas empresas realizam propagandas de papinhas e outros produtos direcionados ao público infantil. Alguns desses produtos têm açúcar adicionado, ou não tem açúcar, mas têm adoçantes artificiais ou frutose.

“Ainda não sabemos o impacto do uso indiscriminado de produtos com adoçantes artificiais ou frutose em bebês e crianças, isso é muito problemático”, afirmou Rugani ao Nexo. De acordo com a nutricionista, deixar de ofertar leite materno de forma precoce contribui para a formação de maus hábitos alimentares nas crianças e afeta o vínculo entre a mãe e o bebê. “É uma desvantagem dupla”, disse.

O protagonismo do Brasil

O Brasil é visto como referência pela OMS na formulação de políticas públicas de incentivo ao aleitamento materno e na regulação de produtos substitutos do leite materno.

O país conta com a NBCAL (Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos para Lactentes e Crianças de Primeira Infância – Bicos, Chupetas e Mamadeiras), um conjunto de normas que reúne uma lei de 2006, um decreto de 2018 e três resoluções da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sobre a promoção comercial e rotulagem de fórmulas infantis, leites, papinhas, chupetas e mamadeiras.

O país também tem uma história bem-sucedida na promoção do aleitamento materno com o Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno.

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FOTO: Krisztina Konczos/Flickr/Creative Commons

Leite materno deveria ser a única fonte de alimentação do bebê por seis meses

Desde 1981, um conjunto de políticas públicas é realizado para aumentar os índices de aleitamento, como hospitais que promovem passos para sucesso no aleitamento materno, orientações de enfermeiras nas unidades básicas de saúde, além de mais de 200 bancos de leite humano.

De acordo com Inês Rugani, um dos motivos desse investimento por parte do Estado foi a agressividade da indústria na década de 1970, que usava de forma indiscriminada uma linguagem de assédio para desencorajar o aleitamento materno. “Algo que agora está sendo repetido e feito a rodo nas redes sociais”, afirmou Nexo.

As décadas de investimento nessa política surtiram resultados significativos, com índices de aleitamento materno considerados expressivos, pontua Rugani.

De acordo com o Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil, realizado pela Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), 45,8% dos bebês no Brasil são alimentados exclusivamente com leite materno nos seis primeiros meses de vida. Em 1986, esse índice era de 2,9%, um aumento de 12 vezes.

A OMS tem como meta, até 2030, que 70% dos bebês no mundo sejam amamentados na primeira hora de vida e de forma exclusiva nos primeiros seis meses, 80% no primeiro ano de vida e 60% aos dois anos de vida.

A vaca é um dos animais mais importantes na produção de alimentos, sendo responsável por um dos itens mais consumidos no mundo: o leite.

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