A cadeia produtiva do leite da região está organizada e preparada para receber uma nova indústria.
A extensão rural, através da Emater Regional, vê com expectativa a chegada de um novo empreendedor, apesar de ainda não estar oficialmente definido o destino que será dado à planta industrial da antiga Cooperativa Sul-Rio-Grandense de Laticínios Ltda. (Cosulati), recentemente adquirida pelo grupo OZ Earth Participações Ltda., com sede em São Paulo.
Fonte ligada ao empreendedor garante que a intenção é reativar a produção de laticínios em Pelotas e região com uma produção inicial e beneficiamento de 200 mil litros de leite por dia. Segundo a mesma fonte, provavelmente na primeira semana de janeiro, a direção da empresa esteja em Pelotas para anunciar oficialmente seus planos.
Ações trabalhistas
A juíza da 4ª Vara do Trabalho de Pelotas, Ana Ilca Saalfeld, explicou que homologou a arrematação porque, no segundo leilão, foram preenchidas as condições estipuladas pelo edital, entre elas, a possibilidade de compra através de fundo de investimentos.
O valor da arrematação, de R$ 49.137.500,00, deve ser pago no prazo de 180 dias (seis meses), após a expedição da carta para arrematação. “As despesas e comissão da leiloeira, no valor de R$ 1.477.658,82, foram depositados em juízo na terça-feira (17 de dezembro), dentro do prazo de 10 dias que eu deferi”, ressaltou.
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A magistrada detalhou que o montante está em conta bancária à disposição da 4ª Vara do Trabalho e somente será entregue à leiloeira depois do trânsito em julgado da decisão, que ocorrerá em janeiro. “A carta de arrematação será expedida após o trânsito em julgado da decisão homologatória e as partes têm prazo até o dia 24 de janeiro de 2025 para se insurgirem contra”, afirmou.
Segundo Ana Ilca, a arrematante promete colocar a fábrica de leite para funcionar. “Isto é muito bom para a região e trará muitos empregos e oportunidades de negócios para produtores rurais”, salientou.
Além disso, serão quase R$ 40 milhões injetados na economia da região quando ocorrer o pagamento dos empregados. “Não é o momento para divergências políticas”, alegou a juíza, referindo-se ao fato especulado de que a empresa compradora teria ligação com o Movimento dos Sem-Terra (MST).
Ela esclarece ainda, que os demais bens da cooperativa que ainda não foram vendidos já estão com penhora nas Justiças Federal e Estadual. “Certamente será feito concurso de credores, pois há créditos que são privilegiados a outros. O trabalhista é o crédito mais super privilegiado”, ressaltou.
“A cooperativa é a devedora e os produtores rurais não podem esquecer disto. Infelizmente, alguns assinaram contratos como avalistas”, salientou.
A magistrada fez questão de registrar que é filha de produtor rural e entende os desafios enfrentados pelo setor. “Meu pai e meus avós eram agricultores. Lamento pelos cooperativados porque sei a angústia de um plantador e produtor de leite que depende das condições do tempo e da terra para colocar o pão na mesa de sua família”, pontuou.
“Mas sou Juíza do Trabalho e terei a honra de resolver estes processos e entregar a cada empregado que trabalhou na Cosulati e ainda não recebeu seus créditos a quantia que lhe é devida”, completou. Ana Ilca disse ainda que quer ver a fábrica a todo vapor, gerando muitos empregos e bons negócios para a Zona Sul.
Produtores discordam do valor de avaliação e venda do complexo industrial
Os produtores, antigos cooperados da Cosulati, não concordam e questionam na Justiça os valores de avaliação e venda do complexo industrial. De acordo com o representante dos produtores, Leonel Fonseca, o grupo aguarda o julgamento de recurso pelo Tribunal, em Porto Alegre, para tentar anular o leilão, sob a alegação de falhas no processo.
A comissão de produtores admite que entre todas as dívidas que foram herdadas pela cooperativa, a trabalhista é que tem prioridade em ser paga perante a lei. O não pagamento do déficit levou o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Alimentação de Pelotas (Sticap) a pedir a penhora da fábrica para realização de leilão e saldar a pendência.
Os produtores alegam, no entanto, que algumas situações não cumpriram a sequência normal para a realização do leilão. Entre elas, citam que a área da indústria abrange 21 matrículas de imóveis com várias construções e instalações, além de grande quantidade de equipamentos de grande valor, conjunto que estaria avaliado em aproximadamente R$ 250 milhões.
O perito designado pela Justiça avaliou o parque industrial em R$ 98 milhões, bem abaixo do valor considerado real. “Esta avaliação foi por nós contestada, mas sem êxito”, garantiu Fonseca. O grupo alegou ainda que o rito normal seria a oferta de R$ 98 milhões no primeiro leilão.
Caso não aparecesse interessado, um mês após seria realizado novo leilão com oferta de R$ 49 milhões, metade do valor avaliado inicialmente. No entanto, o primeiro leilão já ofertou imóvel em R$ 49 milhões, quantia pela qual foi arrematado na primeira oferta.
“Isso dilacera o patrimônio da cooperativa e prejudica ainda mais o associado, que conta com este patrimônio para saldar as dívidas da cooperativa”, disse o representante.
“Se o patrimônio é vendido por valor muito inferior ao avaliado, não será suficiente para pagar todas as dívidas e o associado, como dono, será novamente prejudicado, tendo que arcar para integralizar o pagamento das dívidas”, acrescentou.
Fonseca lembrou que a dívida acumulada pela cooperativa no passado, por meio do Fundopem, faz com que 234 produtores que assinaram como fiadores corram o risco de terem que arcar com o pagamento. Além das tentativas jurídicas de anular o leilão, os produtores realizaram manifestação em frente à Justiça do Trabalho, em Pelotas, no dia 5 de novembro.
Entenda
A Cosulati foi fundada em 1973, na Zona Sul do Rio Grande do Sul, e entrou em recuperação extrajudicial em 2016 devido a problemas financeiros. A situação, contudo, não foi revertida e a cooperativa decretou falência, suspendendo as atividades. Atualmente, existem cerca de 300 processos trabalhistas contra a cooperativa que, somados, chegam a R$ 40 milhões.
Localizado em Capão do Leão, o complexo industrial da cooperativa foi leiloado pela segunda vez, de forma on-line, no dia 3 de dezembro, e arrematado pela OZ Earth com diversos maquinários e equipamentos, como silos, pasteurizadores, tanques, envasadoras e câmaras frias, além de outros aparelhos essenciais para a produção de laticínios.
Já os imóveis registrados no 2º Registro de Imóveis de Pelotas abrangem terrenos e construções industriais, residenciais e administrativas com matrículas específicas que detalham a área, limites e benfeitorias, incluindo oficinas, almoxarifados, fábricas, áreas de armazenamento e infraestrutura básica de suporte.
O empreendimento, avaliado em R$ 98.275.000,00, foi arrematado por 50% do valor mínimo exigido pelo edital, em lance único de R$ 49.137.500, mais despesas e comissão da leiloeira, no valor de R$ 1.477.658,82.
No dia 30 de outubro, a OZ Earth já havia arrematado o empreendimento pelo mesmo valor, mas a Justiça não homologou o processo em razão da proposta não atender plenamente os requisitos estabelecidos no edital.
Quem é o empreendedor
Em seu site, a OZ In se apresenta como um grupo diversificado de participações e investimentos de impacto social e ambiental, com ativos únicos que representam a vocação natural do Brasil. Abrange os setores de comércio, alimentos, agricultura, mineração, indústria, imóveis, hotelaria, tecnologia, produção audiovisual e serviços.
A OZ Earth opera em toda a cadeia de valor do setor de alimentos e agricultura regenerativa, englobando trading, cultivo, processamento, vendas e distribuição de uma variedade de alimentos e ingredientes, exploração e mineração de remineralizadores, fabricação de tratores e equipamentos, viveiros, beneficiamento de sementes e bioinsumos e desenvolvimento de tecnologias e serviços financeiros.
Engloba ainda a OZ Envirominerals, focada na exploração de metais críticos para a transição energética, incluindo lítio, cobre, terras raras, algas, remineralizadores e a OZ Collection, que desenvolve um portfólio de renda recorrente com ativos únicos em conceito de estado da arte em sustentabilidade.
Os projetos incluem hotel e villas, Hotel e Villas Fasano e Villas OZ Itacaré Bay, infraestrutura do Aeroporto de Parnaíba, bairros planejados em Villa Velha e conservação de parques e florestas, através da OZ Amazônia.
Cadeia produtiva do leite está organizada
Em 2024, o RS produziu 104.816.838,00 litros de leite e a expectativa para 2025 é de 104.976.802,00 litros. Os municípios da Zona Sul foram responsáveis por quase 41% desta produção, com 42.861.718,15 litros, e a estimativa para 2025 é de 43.835.373,18 litros.
Na região, está localizado o quarto maior produtor de leite do Estado, o município de São Lourenço do Sul, onde atua a cooperativa Coopar Pomerano. Os números são do Relatório Sócioeconômico da Cadeia Produtiva do Leite, elaborado anualmente pela Emater/RS-Ascar.
Conforme a assistente técnica regional de bovinos de leite da Emater Regional Pelotas, a médica veterinária Mara Saalfeld, o momento é muito favorável para a cadeia produtiva do leite, com aumento de produção e produtividade, disponibilidade de pastagens, clima favorável e um investimento muito grande por parte dos produtores em perenização de pastagens.
“Nós temos dois momentos muito críticos da produção de leite, que é o vazio forrageiro de final da primavera e início do outono, ou seja, no período do verão, quando ainda não há disponibilidade de pastos”, sublinhou.
Mara explicou também que estão sendo plantadas variedades de pastos que já começaram a produzir e vão até o início da geada, acabando com este vazio.
Segundo a assistente técnica, a Embrapa oferece pastos de qualidade, como o Curumi e o Capiaçu, para pastejo direto ou silagem, além de outros pastos de excelente qualidade e que só existe no Rio Grande do Sul, que é a aveia e o azevém”, ressaltou.
Ela vê a perenização como uma boa perspectiva à produção leiteira e que pode ser feita tanto com pastos de inverno quanto de verão. “Outra alternativa é o trigo de duplo propósito, tanto para silagem quanto para pastoreio, com excelentes qualidades nutricionais e que produz no inverno, plantado em março/abril”, destacou.
De acordo com dados da Emater, de 2015 a 2023, houve uma queda expressiva no número de produtores de leite em todo o Estado, de 84 mil para 33 mil.
Mara acredita que a diminuição tenha ocorrido em função da Instrução Normativa 7677, que exigiu dos produtores uma série de requisitos para habilitar a produção de leite, como resfriadores, e muitos não conseguiram atender.
Em 2024, dos 22 municípios atendidos pela Emater, 16 planejam a atividade de bovinos de leite e registravam, em 2023, 1.447 produtores e, em 2024, 1.309.
Os produtores assistidos pela Emater Regional chegaram a 529 em 2024 e a previsão para 2025 é de que sejam 525, uma queda muito pequena. “Muitos produtores estão voltando por causa da incerteza e instabilidade das outras atividades”, sublinhou.
Além disso, mesmo com a queda no número de produtores, a produção não caiu e possui perspectiva de crescimento. Segundo a assistente técnica, diferente de outras atividades, a produção leiteira exige uma estrutura complexa, como local adequado para as vacas, para pastagem e manejo, sala de ordenha, entre outros.
Mara contou que, em 2015, muitos produtores ainda faziam a ordenha manual e, hoje, isto quase não existe. “Os produtores tiveram que se atualizar, se equipar”, disse.
A assistente técnica pontuou que, em 2015, quando a Cosulati começou a dar os primeiros sinais de crise, os produtores passaram a inseminar as vacas de alta genética com gado de corte a fim de vender os terneiros, já que houve uma grande demanda por novilhos entre 2020 e 2021.
“No momento atual, os produtores voltaram a inseminar suas vacas leiteiras com sêmen de touros leiteiros porque o leite está valendo bem”, garantiu. Conforme a Emater, o menor valor pago pelo litro de leite na região está em R$ 1,60 em Piratini. Em São Lourenço do Sul e Pelotas, o produtor está recebendo entre R$ 2,94 e R$ 3,00 o litro.
Mara conta que visitou recentemente o município de Pedras Altas, onde está localizada a Cooperativa Amplepa, que possui mais de 60 produtores que enviam o leite produzido para Bagé e, de lá, o produto segue para a CCGL, em Cruz Alta.
Segundo ela, há produtores que conseguem ter uma renda mensal entre R$ 17 mil e R$ 20 mil pagando todas as despesas. “Qual é a atividade que dá essa renda? Eu desconheço. O fumo e a soja até remuneram, mas isto é uma vez no ano”, refletiu. O leite, ao contrário, oferece uma renda mensal ao produtor.